Operação Congonhas pode ter falhado, mas Globo e Moro não desistirão
- Opinión
Cidade do México – Interrompo momentaneamente minhas séries de outros comentários, diante da estripulia que foi a operação de 4 de março contra o ex-presidente Lula, seus familiares e auxiliares. Dá para perceber um roteiro na ação projetada e em sua falha.
O roteiro começa, a longo prazo, com aquilo que Eric Nepomuceno definiu muito bem: já temos o criminoso, agora precisamos encontrar o crime, coisa que cabe muito bem nas tradições inquisitórias, nazistas, estalinistas, macartistas, pinochetistas etc.
Mas teve condimentos adicionados recentemente.
Primeiro, a ameaça representada pelo pedido de Lula para que o STF se pronuncie sobre o primado de jurisprudência nas acusações que lhe são feitas. O juiz Moro e a corte de procuradores e policiais federais que o acompanham sentiram acender a luz amarela: tudo pode escapar de nossas mãos… É preciso agir rápido para garantir as manchetes e o noticiário, de que fomos nós que “prendemos” Lula.
Segundo, a mudança no Ministério da Justiça. Isso poderia significar o fim da impunidade garantida pela inação (para mim inexplicável) do ex-ministro José Eduardo Cardozo, talvez a substituição do comando da PF… sabe-se lá. O mandado de segurança impetrado pelo DEM contra a nomeação do novo ministro enquadra-se nesta alínea da conspirata.
A partir daí, os acontecimentos, ou melhor, seus agentes, se precipitaram. A volúpia de ter o comando da ação que, a serviço dos interesses que exigem a neutralização de Lula não só em 2018, mas para sempre, e sobretudo do seu passado de melhor presidente do Brasil, tomou conta de seus protagonistas.
O juiz Moro autorizou uma ação da PF. Os agentes da PF optaram pela “condução coercitiva”, ou seja lá que nome se dê. No bom tempo era “voz de prisão”. Montaram o espetáculo megalomaníaco: 200 agentes, detenções (este é o nome) simultâneas, invasões de domicílio (ilegais, porque não autorizadas pelo juiz, ou, quem sabe, ele recuou depois), espetáculo faraônico, e conduziram o ex-presidente para Congonhas.
Estranho, não? Congonhas? A PF tem sede em São Paulo. Que eu saiba, não fica em Congonhas. Houve aí um duplo objetivo: primeiro, como Congonhas é um ambiente dominado por “coxinhas” e “coches”, é um ambiente propício a cenas constrangedoras contra o ex-presidente, como aconteceram. Segundo, se tudo corresse como previsto, o ex-presidente tomaria o avião, preso, para a República de Curitiba, sob aplauso da caterva, ou melhor, da manada do coxinhas lá presentes. Um sucesso midiático!
Fora das quatro linhas, na arquibancada, o senador Aécio Neves – um Eduardo Gomes dos anos 50, mas desfibrado – e Eliane Catanhêde – uma candidata a Lacerda, mas descorada – comemoravam o fim de Lula e do PT.
Mas…
Faltou combinar com o resto do país. O PT e adjacências andam meio adormecidos, mas o povo pró-Lula acordou. Acorreu ao aeroporto de Congonhas. Um amigo meu me escreveu, lembrando o brado coxinha de antanho: “Ficou parecendo uma rodoviária...” Reações na mídia se multiplicaram, inclusive de tucanos sérios e respeitáveis, como José Gregori, denunciando a arbitrariedade da situação. O ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo, condenou a ação de Moro. Governadores se pronunciaram. Manifestações se programaram. Haveria confrontos.
Enfim, o esquema recuou. Não deu certo, pelo menos desta vez.
Lula saiu reforçado do evento, inclusive por seu magistral depoimento transmitido ao vivo. A Globo, Moro, esses membros da PF foram derrotados. Desta vez. Não vão desistir.
Uma das hipóteses é que isso tenha sido um balão de ensaio. Como a primeira tentativa de golpe no Chile, em 1973. Para observar a reação das forças legalistas. Pode ser.
Mas há duas coisas certas: eles vão tentar de novo; e não contavam com a pronta reação que houve.
Que fazer?
Manter a calma. Não desembarcar da luta. Não cair em provocações. Manter uma enorme quantidade de informação circulando, fora das linhas da velha mídia inteiramente comprometida com o golpe. Deixar de lado quezílias e manter firme a defesa das liberdades democráticas e da legitimidade constitucional.
- Flavio Aguiar, para a RBA
05/03/2016
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