Quem dará o golpe no Brasil?

22/09/2015
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O PMDB não ter todos os votos necessários para o impeachment é a única coisa que afasta Dilma da porta da rua do palácio do Planalto

 

Cada vez mais os cenários vão se estreitando e a possibilidade de impeachment se torna mais factível. A popularidade da presidenta, as manifestações de rua, os processos jurídicos. E a pergunta: “Dilma governa os quatro anos?” fica cada vez menos complicada ser respondida.

 

Antes era apenas uma ideia ou uma estratégia da oposição derrotada, depois se tornou uma possibilidade política e agora estamos no terreno das probabilidades dentro das estruturas do Congresso. E entre o ódio dos setores sociais que foram derrotados e os cálculos dos votos no Congresso já é possível fazer conjecturas mais claras.

 

Vamos começar pela pergunta. Porque a pergunta está errada diante da conjuntura. Não é correto perguntar se vai ter golpe, impeachment ou renúncia. A crise é poderosa e os megafones que a disseminam e a avolumam estão todos ligados. A pergunta correta neste cenário é: por que ainda não ocorreu a queda de Dilma Rousseff?

 

Faltam escândalos? Falta apoio da grande mídia? Falta apoio popular? Falta costura com setores da elite econômica? Falta apoio internacional? Para todas essas perguntas a resposta é: nada disso importa. O desgaste do governo é tamanho que golpistas já passaram dessa fase.

 

Nem a tão aclamada base jurídica vai importar daqui a algum tempo. Antes, a estratégia era encontrar um fato que comprometesse a presidenta nos esquemas, mas talvez tenham sido surpreendidos com a ausência (ou tamanha dificuldade) para encontrar esse fato.

 

Então, se o golpe ainda não vingou, por que a oposição não aceita logo os resultados das urnas? Porque com essa base política fragmentada não há condições de governo sendo constituídas. Até o momento fracassaram os subterfúgios políticos que pudessem calar a base social do governo e dar uma roupagem legalista ao golpe. Mas, o risco de impeachment também não diminui, porque com o sucesso do contexto criado, só falta uma coisa para destituir Dilma da presidência: votos no Congresso.

 

E com toda a mobilização de um ano para destituir Dilma é cada vez menos improvável conseguir a posição do número suficiente de parlamentares para o impeachment. Hoje Eduardo Cunha e Renan Calheiros contam os votos. E ainda não tem golpe porque não há 2/3 dos congressistas em apoio à votação do impeachment.

 

Cunha deu sinais de que não controla a casa completamente em pelo menos três ensaios oficiais para a festa: votação da terceirização, votação da redução da maioridade penal e do financiamento privado de campanha (para os dois últimos casos precisou de manobras para conquistar maioria qualificada).

 

A base aliada domina ainda cerca de 200 votos, o que lhe dá garantias de sustentação (precisa de 158 votos para se sustentar contra um processo de impeachment). Essa base de Dilma já foi maior, em meados de 2014 era de cerca de 260. Antes das manifestações de junho de 2013, cerca de 320. As manifestações pesaram, mas, principalmente, as eleições constituíram desequilíbrios negativos ao governo, que ao longo do ano se acirraram.

 

Agora a pergunta fácil de responder é: até quando os governos mantêm seus 158 parlamentares fiéis ao mandato e à democracia?

 

A resposta para o prazo do governo está aos olhos de todos: março. Quando ocorrerá a convenção nacional do PMDB. Ali, alguns dissidentes vão ser forçados a seguir a orientação do partido em abandonar a base de apoio ao governo. Isso permitirá aos líderes cobrarem fidelidade partidária aos que ainda votariam contra o impeachment.

 

A própria base do PMDB ainda apresenta alguns apoios ao governo. Metade dos 70 deputados votam com o governo. É um número grande o suficiente para evitar o impeachment e mostra que a soma de Renan e Cunha não controla todo o partido.

 

Talvez não por convicção os meio legalistas meio dissidentes estejam com o governo, mas pesam também os cargos, os ministérios, as corregedorias etc. Mas, quando esses forem obrigados a entregar seus ministérios e cargos e forçados a votar com o partido que vai sair da base do governo, acabou a festa.

 

Isso também serve a outros partidos, como é o caso do PDT. Com o número próximo dos 342 deputados e 54 senadores, os presidentes das casas (não por acaso, dois peemedebistas) podem abrir processo de cassação e aprovar o impeachment.

 

O PMDB não ter todos os votos necessários para o afastamento é a única coisa que separa Dilma da porta da rua do palácio do Planalto.

 

Mas, como chegamos a essa situação? E, pior, como o governo cada vez mais corrói sua base de sustentação política?

 

A resposta a essa pergunta é mais complexa e passa por pelo menos dois matizes de entendimento: primeiro, há erros e dificuldades do próprio governo; segundo, as articulações da oposição aproveitam-se das fragilidades de nossa democracia.

 

A base de apoio de Dilma está nos movimentos ligados à esquerda política. Movimentos sociais, sindicais, direitos civis etc. Essa base tem expressão popular maior do que sua expressão política. No Congresso, a relação dessa base foi sempre muito difícil porque não se compõe com setores progressistas, mas com setores liberais e/ou muitas vezes com setores conservadores.

 

Durante os últimos 12 anos, foram frequentes os curtos-circuitos entre a base político partidária do governo (PT, PCdoB, CUT, MST, MTST, movimentos sociais etc.) e a base política muitas vezes composta por partidos ligados aos movimentos de esquerda e com base social e setores reacionários como PSC, PP, PTB, além de setores do próprio PMDB. De qualquer modo, foi essa composição que garantiu a negociação da base política dos governos petistas.

 

Os motivos pelos quais essa base ruiu podem ter diversas origens. Mas, a maior parte dos motivos que corroeram a base vem dos erros ou decisões do próprio governo. Neste caso, devemos eximir a oposição de culpa.

 

A distribuição de cargos e ministérios, o enfrentamento de setores econômicos, os baixos índices de popularidade, a dificuldade de comunicação interna e externa são os principais pontos que afastam parlamentares. Também é possível discutir se todas as decisões poderiam ser evitadas ou se deveriam ser revistas, mas o fato é que mais de 150 deputados mudarem de lado não acontece por acaso e nem do dia para a noite.

 

De outro lado, alguns analistas vão dizer que isso é parte do sistema político brasileiro corroído, que constrói sua base política na base das coalizões frágeis e fisiológicas. Isso é fato. Mas, é fato estudado, visto, revisto e provado dos últimos 30 anos e não pode ser tratado como surpresa para um governo que está há 12 anos poder.

 

Além disso, o que tirou Dilma da governabilidade é também hoje a única explicação para que, diante de tanta crise, ela se mantenha presidenta.

 

Estamos no entrepasso da crise. O governo não consegue compor maioria e a oposição é incapaz de arregimentar sua votação do impeachment. Mas, aí é que entra a previsibilidade. Na atual conjuntura, é mais provável que a oposição consiga arrebanhar os votos que lhe faltam do que o governo conseguir reverter o jogo.

 

Mais uma vez, as causas disso são profundas e às vezes incompreensíveis, porque o governo tem a faca (o orçamento) e o queijo (os cargos) na mão; mesmo assim, perde como se fosse um apanhado de amadores num jogo de profissionais.

 

Está cientificamente comprovado que (se mantidas as atuais condições das forças políticas, seus movimentos e suas alianças), o golpe é certo e é uma questão de tempo até o PMDB ter os votos necessários para o impeachment.

 

- Luís Fernando Vitagliano É cientista político e professor universitário

 

Fonte: http://brasildebate.com.br/quem-dara-o-golpe-no-brasil/

https://www.alainet.org/pt/articulo/172546?language=en
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