66 dias crucificados e tudo continua igual

Paraguai: “O que mais é preciso fazer para que o presidente Cartes reaja?”

17/09/2015
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Rebanadas de Realidad - Rel-UITA, Montevideo, 14/09/15.- Hoje faz 66 dias que um grupo de trabalhadores da linha 49 de transporte da Grande Assunção começou um protesto da maneira mais terrível que se possa imaginar: crucificando-se. Chegaram a um estado de desespero tão grande que recorreram a esse impressionante autoflagelo.

 

O que começou com 10 trabalhadores, com o tempo outros aderiram ao protesto, chegando aos 24 atuais. Nem a diretoria da empresa, deputados e governo dão atenção a essa grave situação, menos ainda às suas reivindicações.

 

Os 24 crucificados não pedem muito, nem os 16 companheiros que fazem greve de fome diante da sede do Ministério do Trabalho: apenas querem a readmissão dos 51 motoristas despedidos em 22 de junho passado, um dia depois de terem formado uma organização sindical destinada a lutar contra as suas atrozes condições de trabalho.

 

Mas, no Paraguai de hoje, governado por um mega empresário sem escrúpulos como Horácio Cartes, que disse em várias ocasiões que no seu país os sindicatos não eram necessários, seria muito pedir o reconhecimento de uma organização sindical criada para exigir do patrão respeito pelos direitos trabalhistas, mais ainda se esse patrão for um aliado político.

 

“É tanto o poder nas mãos do dono da linha 49, deputado Celso Maldonado, que o governo nada faz para resolver esta situação. Os outros sindicatos também não se mexem, e a maioria dos partidos olha para outro lado, nos deixando sozinhos”, disse para A Rel, Juan Villalba, presidente da Federação Paraguaia de Transporte.

 

Os trabalhadores da Linha 49 da empresa La Limpeña tinham apelado repetidas vezes ao governo, inclusive a Cartes, para que obrigasse a empresa a respeitar coisas tão elementares como os horários legais de trabalho (eram obrigados a trabalhar até 18 horas), um salário justo, horas extras, e o direito a uma previdência social... Mas nenhuma autoridade interveio em auxílio desses trabalhadores.

 

Pelo contrário: a ação de reconhecimento do Sindicato de La Limpeña, que foi apresentada ao Ministério do Trabalho no dia 30 de junho, ficou sem resposta. Há 15 dias a ação foi reapresentada, continuando sem resposta.

 

crucificadosEncravados e Crucificados

 

Em meio à indiferença geral

 

O protesto começou com dez trabalhadores, no início de julho, e nas semanas seguintes dois ou três mais se uniram, incluindo a esposa de um motorista. Os quatro últimos se uniram há poucos dias.

 

Todos estão com suas mãos pregadas nas cruzes com cravos de mais de um palmo de largura, e vários deles costuraram também os lábios com pequenos pregos curvos. Alguns pensam em deixar de comer, como já estão fazendo seus companheiros instalados em uma barraca de plástico em frente ao Ministério.

 

Os crucificados estão a 15 quilômetros dali, fora da sede da La Limpeña.

 

Há mais de dois meses que estão acampados, e as visitas mais constantes que recebem são de seus companheiros, familiares, alguns vizinhos, alguns trabalhadores de outros sindicados, alguns legisladores, dirigentes políticos e religiosos que trabalham com as populações mais pobres.

 

Um médico, sempre presente nas lutas operárias locais e vereador na cidade de Luque, os assiste regularmente.

 

Um dos crucificados disse a uma agência internacional em agosto que “o sentimento religioso e a convicção de estarem buscando justiça e de que só com essas medidas” podem obter um pouco de dignidade é o que os mantêm adotando medida tão extrema.

 

“É pouca a solidariedade que recebem. Estamos sozinhos”, repete lamentando-se Villalba.

 

“É incrível como Maldonado e o governo compraram a maior parte da imprensa, dos políticos e também – o que é mais duro – os sindicalistas. Dá-se ao luxo de não só despedir os trabalhadores por quererem se unir, como contratam 50 trabalhadores quando a empresa está em greve, coisa que legalmente não pode fazer, e o Ministério do Trabalho olha para outro lado”

 

“Ainda por cima, uma manobra suja e covarde de Maldonado e que só foi possível devido ao poder que esse homem tem. Quatro dirigentes do Sindicato de La Limpeña estão hoje presos em Tomboctú. Um deles está fazendo greve de fome”.

 

Uma das poucas mobilizações de solidariedade com os crucificados, com certa participação popular, em agosto passado, foi reprimida de forma truculenta pela polícia.

 

Entretanto, se movem

 

Encurralar Cartes

 

Francisco Oliva, o octogenário sacerdote espanhol que há tanto tempo vive no Paraguai, acompanhando as lutas dos mais pobres e que como bem conhecem os leitores da A Rel, está também entre aqueles que mais dão apoio a estes trabalhadores.

 

“No Paraguai, há tempos está em marcha um processo de criminalização das lutas sociais. Estamos vivendo como nos tempos da ditadura militar”, disse o sacerdote, compartilhando os termos de uma carta aberta dirigida ao presidente Cartes.

 

“A partir de um olhar crítico para a situação nacional, ocorre o que o senhor expressou de que os sindicatos não fazem falta na sociedade, confirmando dessa forma o que a maioria dos empresários e autoridades manifestam: que o trabalho humano é uma simples mercadoria, como na Idade Média”, afirma esta carta, elaborada em solidariedade aos motoristas crucificados.

 

“O mandato da solidariedade humana e a defesa indeclinável dos direitos humanos nos exige uma rápida intervenção. Caso contrário, nós nos veremos obrigados a recorrer ao Conselho dos Direitos Humanos da ONU, onde o senhor, presidente, conta com um representante”, afirma a mensagem.

 

Villalba calcula que o Executivo de Cartes não vai ceder e que aposta em que tudo irá se acomodando graças a uma duradoura indiferença geral.

 

Um protesto parecido, com crucificação, greve de fome e pessoas acampadas, realizado em 2013 pelos motoristas de outra linha de transporte, a 30, não comoveu o governo da época. Um trabalhador faleceu tempo depois, devido a essa medida e o fato passou praticamente despercebido.

 

“O governo espera que aqui também morra alguém. É muito importante que haja mobilizações fora do país, que a solidariedade internacional pegue pesado”, clama o presidente da Federação de Transporte.

 

Temos que encurralar o presidente, obrigá-lo a agir. O quem é preciso fazer, além de crucificar-se, para que Cartes reaja?

 

Tradução: Luciana Gaffrée

 

El presente material se edita en Rebanadas por gentileza de Patricia Iglesias, del Servicio de Información de la Regional Latinoamericana de la UITA (SIREL), Uruguay. / Web - Correo

 

Rel-UITA - REGIONAL LATINOAMERICANA DE LA UNIÓN INTERNACIONAL DE TRABAJADORES DE LA ALIMENTACIÓN, AGRÍCOLAS, HOTELES, RESTAURANTES, TABACO Y AFINES (UITA) / Web

https://www.alainet.org/pt/articulo/172453?language=es
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