As grandes frentes de luta
Temos um dos paradoxos da história, que mostra que as posições e acordos táticos podem ser mais amplos e movediços do que se pensa.
- Opinión
Está circulando um Manifesto pela mudança na política econômica e contra o ajuste, assinado por muitas entidades (CUT, MST, CPT, CIMI...) e personalidades como Tarso Genro, Marcio Pochmann, Luiz Gonzaga Belluzzo, Samuel Pinheiro Guimarães, Nancy Cardoso, José Gomes Temporão entre outros. A política questionada faz parte de um modelo que vem sendo chamado neo-liberal, mas antes de tudo um modelo conservador, imposto no passado por Thatcher e Reagan, pelo chamado consenso de Washington e agora por Angela Merkel e a “troika” composta pelo FMI, Banco Mundial e União Europeia. Modelo aplicado na Itália, Espanha e Portugal. A resistência está vindo da Grécia, que seguiu a risca essa política até o ano passado e cada vez piorava mais, impondo sacrifícios intoleráveis à população. Agora, em janeiro, com a vitória da Coligação da Esquerda Radical (Syriza) - frente de esquerdas! -, tenta resistir, com o primeiro ministro Alexis Tsipras e seu valente ministro das finanças, Yanis Varoufakis. Eles se recusam a aceitar o peso imposto da dívida grega, pedem uma auditoria da mesma e inclusive chegam a exigir reparações de guerra da Alemanha, o país hoje mais inflexível na aplicação de receitas econômicas, com uma dureza que faria vagamente lembrar o tempo de seu regime autoritário. Há um movimento nacional para não pagar ao FMI um empréstimo de 1,6 milhões que vence em junho. O ministro das finanças declarou no fim da última semana, que entre saldar esse empréstimo ou pagar pensões e salários, escolheria esta última medida. A situação não está definida, há divergências dentro de Syriza e setores mais radicais já falam de sair da zona do euro. Essas resistências gregas criam um precedente que assusta os operadores do modelo vigente. Há uma forte queda de braço nas reuniões da União Europeia, com Varoufakis enfrentando o violento ministro alemão. Se a Grécia conseguir romper esse cerco asfixiante – o que não será fácil,- o modelo poderá ser contestado em outros lugares, inclusive entre nós, o que representaria uma ameaça para o setor dominante internacional. Trata-se de enfrentar a receita amarga e injusta do grande capital especulativo internacional, sujeito dirigente do sistema capitalista em sua fase atual.
Esse sistema chega até nós e quer impor suas regras. Há dias esteve aqui a diretora-gerente do FMI, Christine Lagarde, que declarou: “Não se pode ter o bolo e comê-lo ao mesmo tempo”. É a velha receita da política do governo militar: primeiro crescer, mesmo com sacrifícios, para depois talvez distribuir.
O mais contraditório, triste e irônico ao mesmo tempo, é que esse modelo está sendo posto em prática por um governo brasileiro que se propôs políticas alternativas. Vivíamos, ao final do século XX, um “discurso único” dos setores dominantes, que proclamavam não haver saída possível da receita econômica hegemônica. O Forum Social Mundial de Porto Alegre, em 2001, criado por dois brasileiros, Francisco Whitaker e Oded Grajew, lançou a ideia: “um outro mundo é possível”. Então poderemos dizer: uma outra política econômica é possível. Desafio ciclópico para a pequena Grécia, que no passado já foi inspiradora.
No Brasil, infelizmente, vivemos uma situação esquizofrênica. Há que defender o governo da presidenta Dilma, diante de alguns dos ataques mais virulentos que se tem visto, fazendo pensar na campanha lacerdista de 1954 contra Vargas. Mas, ao mesmo tempo, não há como negar que o governo sucumbe diante do modelo hegemônico, em nome de uma contraditória governabilidade, numa aliança com partidos fisiológicos, especialmente o PMDB, que mais do que aliado é chantageador. Nos dois governos Lula e no primeiro Dilma, houve avanços inquestionáveis com programas sociais de inclusão social. Mas essas políticas vão chegando a um esgotamento. Há que passar de políticas compensatórias a políticas redistributivas. Isso contra os interesses aparentemente inegociáveis do capital financeiro. E o governo Dilma cedeu, entregando a política econômica a Joaquim Levy, arauto do modelo dominante, nas antípodas de seu homólogo grego. Os meios de comunicação do sistema e seus articulistas a soldo, incensam sem parar esse ministro. O “mercado”, isto é, a articulação do capital financeiro especulativo, respira aliviado e ameaça se Levy se afastar.
E assistimos a um momento de enorme farisaísmo político. Quando o governo apresentou as medidas provisórias 664 e 665 de ajuste fiscal ortodoxo, veio um bombardeio demagógico e eleitoreiro. Setores da direita, como Paulinho da Força, Aécio pelo PSDB, os suspeitos presidentes do Senado e da Câmara, todos se arvoraram em pseudo defensores dos setores populares e introduziram emendas que, de fato, diminuem o impacto das propostas na população. Mas fazendo isso sabiam que o governo, para manter o modelo, seria obrigado a introduzir um alto corte orçamentário e aumentar impostos. O que interessa para o sistema é o resultado final de contas equilibradas, e para isso veio a proposta de um arrocho de 80 bilhões de reais (o Manifesto lembra que a taxação das grande fortunas renderia 100 bilhões, mais do que essa soma). Cortam-se programas fundamentais de governo. Mas ele próprio, heterogêneo, por pressões internas, reduziu levemente a soma a 69,9 bilhões (parece a cifra enganosa das propagandas de rebaixamento de preços). Porém mesmo isso provocou o mau humor vigilante de Joaquim Levy, que parece aplacado pelos cuidados de Mercadante e de Temer.
A equipe governamental parece desconexa. Se de um lado a presidenta impõe Kátia Abreu na área rural, de outro nomeia, em posição oposta, Patrus Ananias, para o desenvolvimento agrícola. Patrus, por seu itinerário, traz a obrigação de realizar um processo de transformação e de reforma agrária, até agora tímido ou quase inexistente nos governos petistas. Vejamos se terá meios para tal.
E como entender a presença estapafúrdia e mirabolante de Mangabeira Unger, num chamado ministério de políticas estratégicas, com seu carregado sotaque gringo, escudado para os incautos numa cátedra em Harvard? Aliás, é difícil entender como esse personagem conquistou um Brizola vigilante, que o chamava reverente de professor e captou a admiração de um explosivo Ciro Gomes, que quis fazer seu discípulo na universidade americana. Lula entregou-lhe a política amazônica, o que foi a gota d’água para a saída do governo de Marina Silva. E em declaração intempestiva recente, Mangabeira Unger propôs congelar as relações com o Mercosul e com os BRICs, para centrar-se numa parceria bilateral desigual com seu país de adoção e de coração. Faz pensar na doutrina do “satélite privilegiado” de Golbery no governo militar. Isso, no momento em que se abrem novas e promissoras perspectivas de acordos com a China, a primeira economia do mundo. E ele deixou escapar a desmedida ambição de também assessorar a campanha de Hillary Clinton à presidência dos Estados Unidos.
Mas então, que governo é esse? Tarso Genro, um dos mais lúcidos analistas políticos, assinante do Manifesto acima referido, sugere olhar mais à frente. Aliás, já durante o escândalo do chamado “mensalão”, como presidente interino do PT, ele propôs a refundação do partido, com a volta a suas origens, no então novo sindicalismo, movimentos sociais e movimentos pastorais da Igreja Católica, setores da esquerda política durante o regime militar e com figuras do nível de Mário Pedrosa, Florestan Fernandes ou Antônio Cândido. Tarso perdeu a presidência e foi congelado pelo setor aparelhista do partido. Hoje é um dos líderes da segunda maior tendência do PT, segundo a imprensa, com 20,5% de delegados ao próximo congresso petista. Agora chegou ao Rio de Janeiro, do seu Rio Grande de origem, não com motivos eleitoreiros, mas por sentir que daqui, centro social, cultural e de pensamento, poderia surgir um movimento mais amplo, de “saída pela esquerda”.
Porém é preciso, antes de tudo, qualificar o que se entende por esquerda, nome desgastado pelo PSOE na Espanha, um setor do trabalhismo da Inglaterra ou o socialismo na França. O que distinguiria uma posição de esquerda? Poderíamos inspirar-nos nas sábias reflexões de Norberto Bobbio (“Destra e sinistra”, 1994). Na esquerda, é central a luta pela igualdade de oportunidades e pela justiça social distributiva, que deveriam ser vistas como uma tendência histórica a construir. Além disso, eu complementaria, a esquerda deveria estar articulada com os valores de liberdade, de paz, de defesa da espécie humana e do planeta terra. Não se trata de um igualitarismo uniformizado por baixo, devendo respeitar o direito à diferença e ao pluralismo, longe de qualquer fundamentalismo. Uma frente de esquerdas deveria comportar diferentes tendências, mas sempre numa perspectiva de lutar contra as desigualdades sociais. Isso a distinguiria de posições de direita ou de um centro ambíguo.
Vejamos o caso da Espanha. Ali o PSOE, fundado em 1879 por militantes históricos como Pablo Iglesias, sucumbiu à corrupção no governo Felipe González (1982-1996). Voltou mais adiante, com Rodríguez Zapatero (2004-2011), mas não se sustentou por mais tempo. O movimento de alianças à esquerda, nas atuais eleições municipais, se está fazendo à sua margem, em torno a grupos como Podemos, saído de movimentos populares como os Indignados e o 15 M e criado por outro Pablo Iglesias. Barcelona e Madri poderão talvez ser governadas por essas alianças de uma heterogênea frente de esquerda. O partido Podemos não apresentou candidatos próprios nessas cidades, mas indicou lideranças que vem das bases, como Ada Colau em Barcelona, vinda das lutas contra as remoções habitacionais ou Manuela Carmena do Agora Madri. Uma lição para o PT, que se não se transformar, poderá ficar prisioneiro de alianças centristas, não colaborando na construção uma frente de esquerda. Aliás, no passado, o PT teve dificuldade em costurar alianças à esquerda além do PC do B, prisioneiro de um acordo fisiológico com o PMDB, com a finalidade de chegar ao poder.
Outro exemplo a examinar. A França de um medíocre François Hollande, deixou atrás aquele belíssimo momento cheio de simbolismo, da vitória de François Mitterrand, em 1981, quando este entrou no Panthéon com duas rosas vermelhas, para Jean Jaurès e Jean Moulin, líder da Resistência. Aliás, Jean Jaurès pode ser um bom exemplo a recuperar. Veio de uma tradição de lutas em favor dos mineiros e de outros setores populares, fora das ortodoxias marxistas em voga, defensor de um socialismo democrático, fiel ao pacifismo internacional, assassinado por essa última posição às vésperas da primeira guerra mundial. Para ele, fundador do jornal L’Humanité, a esquerda não era uma opção ideológica no mundo abstrato das ideias, mas una prática concreta a partir das lutas populares e sindicais (Max Gallo, Le grand Jaurès, 1984). Isso nos faz voltar a pensar o que é ser de esquerda: ter uma doutrina que escorrega para uma ideologia de teses dogmáticas pré-determinadas, ou partir de posições enraizadas na realidade? Tenho lembrado que Marx, nisso nada “marxista”, para a análise política partia da crítica às posições concretas dos partidos de seu tempo (Programas de Gotha, de Erfurt). Para ele, havia que subir do mundo abstrato das ideias para o concreto da práxis e dos programas. Uma saída pela esquerda é uma posição estratégica a ser construída a meio termo, com posições plurais, a partir de desafios concretos.
No caso do Brasil, há desafios que já supõem dois movimentos táticos imediatos. O primeiro, que está implícito nessa posição estratégica, é a luta contra uma ortodoxia dominante que prioriza as exigências do capital financeiro especulativo sobre as necessidades da cidadania. Uma aliança nessa direção terá de impor a necessidade de lutar contra as desigualdades, numa das sociedades mais desiguais do mundo. Na lista dos países por desigualdade social, em 2004, o Brasil estava em 116ª posição entre 126 países. Houve melhorias inquestionáveis nas condições de vida de milhões de brasileiros, com as políticas sociais nos últimos anos, mas ainda persistem grandes diferenças deles com os mais ricos.
Atualmente, as medidas econômicas e as políticas públicas tendem a punir os setores mais pobres, através de ajustes e arrochos. Com uma drástica reforma tributária, várias medidas se impõem, eliminando impostos indiscriminados que penalizam proporcionalmente mais as classes subalternas. Teria de haver um sistema tributário mais progressivo e distributivo. Hoje temos também uma enorme desoneração fiscal das grandes empresas. O imposto sobre a renda recai basicamente sobre setores médios e assalariados. Haveria que taxar as grandes fortunas, tarefa difícil, que levanta fortíssimas resistências do sistema e que tem derrotado Obama quando tenta propor medidas nessa direção.
Comparado com as despesas das políticas de inclusão social, o lucro dos Bancos tem sido enorme. Num momento de desaceleração da economia, eles vão tendo, de um ano a outro, lucros crescentes. Os quatro maiores bancos tiveram um lucro de US$ 20,5 bilhões em 2013, maior do que o PIB estimado de 83 países. Os três maiores bancos privados cresceram 27% em 2014. Segundo o analista de uma agência classificadora de risco (Austin Rating), a nota do Brasil foi por isso melhorada e, eufórico, indicou que “os bancos tiveram lucro exuberante em 2014 e vão elevar ainda mais em 2015”. Como medida paliativa, Dilma está editando uma nova medida provisória que aumenta a contribuição social dos bancos sobre seu lucro líquido, dos atuais 15 para 20%, arrecadando cerca de R$4 bilhões ao ano. Apenas um tímido começo.
Mas há uma segunda ação tática com lutas urgentes. Em artigo de dezembro eu indicava a necessidade de “passar do social ao nacional”. Haveria aí uma aliança mais ampla e urgente do que a das esquerdas. Minha geração viveu intensamente os tempos de construção da nação, de Vargas a Kubitschek. Uma bandeira: “o petróleo é nosso”. Ali se encontravam setores políticos de diferentes horizontes e o próprio Clube Militar se dividia em nacionalistas e “entreguistas”. Num primeiro momento, no passado, escutavam-se afirmações de que o país não possuía petróleo no subsolo, ou esse era insignificante. Foi quando, em 1936, começou a jorrar petróleo em Lobato, na Bahia. Na ocasião, o governo do Estado Novo chegou a destruir poços. Diante das evidências, o discurso dos setores dominantes mudou. Para eles não tínhamos tecnologia para a prospecção e a extração, que deveriam estar nas mãos da Standard Oil ou da Shell. Mas o movimento nacionalista se impôs e, em 1953, foi aprovada a lei 2004 que criou o monopólio estatal.
É curioso um paralelismo histórico. Em 1951, no Irã, o primeiro- ministro Mossadegh nacionalizou o petróleo, extinguindo a colonial Anglo-Iranian Company. Houve intensa mobilização das grandes empresas petroleiras e, com a colaboração da CIA, o primeiro-ministro foi deposto em 1953 e voltou-se ao regime privatista, com o Xá aliado dos Estados Unidos (nota à margem: essa intervenção externa levaria em boa parte, em 1979, a uma revolução que criou a república teocrática islâmica).
Nesse mesmo contexto internacional, o governo Vargas, entre 1951 e 1953, talvez conhecendo nos bastidores a força das petroleiras e seus aliados internos, para não enfrentar diretamente grandes interesses aparentemente insuperáveis, apresentou o projeto de uma lei de um regime misto de exploração do petróleo. Há que convir também que o governo Vargas, como este agora, tinha um espectro contraditório, que ia de seus assessores nacionalistas como Rômulo de Almeida e Jesus Soares Pereira, ao chanceler de 1951 a 1953, João Neves da Fontoura, alinhado incondicional com os Estados Unidos.
Aqui temos um dos paradoxos da história, que mostra que as posições e acordos táticos podem ser mais amplos e movediços do que se pensa: o udenista Bilac Pinto, liberal de oposição férrea ao governo, apresentou um substitutivo ao projeto, propondo diretamente o monopólio estatal. De acordo com Tancredo Neves, Getúlio não incluíra a estatização no projeto, por receio de que a oposição, por pirraça e postura ideológica, arquivasse logo a proposta. Setores da UDN, ao mesmo tempo que se opuseram ao governo, como sistematicamente faziam, foram ainda mais longe na sua proposta, tentando apagar sua imagem reacionária. Comentário de Tancredo: “A malícia do presidente era realista”. Foi uma jogada brilhante de quem, favorável à estatização, fez o adversário tirar as castanhas do fogo (Ver Lira Neto, Getúlio, 1945-1954, pp.217-218).
Num primeiro momento pareceria haver um certo paralelismo com a postura oportunista da oposição frente às MPs. Só que agora o governo realmente acredita nas medidas que propôs e lutou por elas. Mas o debate serviu para visibilizar uma esquerda crítica dentro do PT. Em outras ocasiões, rebeldia petista como a que houve no parlamento, era punida com expulsão. Agora, ao que tudo indica, esta tem raízes mais fortes nas bases do partido.
Voltando a 1953, houve acordo dos dois lados e nasceu a Petrobras. O Jornal Ultima Hora dirá em manchete: “Venceu o povo”. O Correio da Manhã, semelhante à linha atual de O Globo ou Veja, criticou “uma aventura de nacionalistas rasteiros”, que defendiam “monstruosidades como o monopólio estatal”. Para Assis Chateaubriand, dos Diários Associados, tratava-se de “capricho caro". Porém a Petrobras ia tornar-se uma das empresas mais rendosas e exitosas a nível mundial, a nona entre as petroleiras.
Há que assinalar que o determinante na criação da Petrobras foi a enorme mobilização da sociedade civil pelo monopólio estatal. O andar de cima da sociedade política refletiu um trabalho nas bases da sociedade. É o que se espera agora, diante da atual ofensiva contra a Petrobras e o pré-sal.
Durante a “privataria tucana”, em 1997, uma lei rompeu o monopólio e abriu as atividades petroleiras a um regime de concessões. Porém mais adiante, no governo Lula, descobriu-se a potencialidade enorme do pré-sal. Então, pela lei 12.351 de 2010, o estado passou a ser, nessa área, o operador único, ainda que aberto a um regime de partilha operacional com empresas.
E estamos então numa luta com semelhanças no passado. Chega uma enorme pressão para entregar o pré-sal a um regime de concessões. Os interesses do grande capital estão ávidos para entrar num loteamento apetitoso. Um editorial de O Globo (16/12/2014) indicava que “o monopólio de fato do pré-sal não faz sentido”. Pensando no mote dos anos 50, poderíamos agora dizer: “o pré-sal é nosso”.
Para conseguir hoje os resultados entreguistas, haveria que sangrar a Petrobras. E para isso contribuíram criminosamente as máfias que dentro dela, como em tantas empresas, fizeram negociatas enormes. “Nunca houve corrupção como agora”, proclama doutoralmente FHC. A verdade é que essa gatunagem atravessou seu governo e vem de atrás. A diferença é que agora está havendo liberdade de investigar e denunciar. Pela primeira vez chegam também os corruptores das grandes empreiteiras. Uma observação à operação Lava Jato: as informações de delação premiada, que deveriam ficar sigilosas enquanto se apuram as denúncias dos corruptos e corruptores, algumas talvez de má fé, vão sendo soltadas gota a gota pelo juiz Moro, numa sequência pelo menos suspeita, que alimenta a imprensa a serviço de uma possível privatização. Aquela abre espaços diários sobre “escândalos em série” e uma manchete proclama, “Petrobras derrete” (O dia, 16/12/2014). Que falta faz uma Última Hora hoje, diante do quase monopólio dos meios de comunicação! Essas denúncias alarmistas e seletivas escondem dados reais sobre a Petrobras. Assim, a produção nas bacias de Campos e Santos, como foi anunciado em 12 de maio, atingira na véspera a marca dos 800.000 barris por dia. Se fraudes e superfaturamentos lesaram a Petrobras em cerca R$6 bilhões em 2014, os resultados do primeiro trimestre de 2015 indicam que obteve lucro líquido de R$5,3 bilhões, com um lucro operacional de R$13,3 bilhões, 76% superior ao primeiro trimestre de 2014 . A Petrobras encerrou o primeiro trimestre deste ano com R$68,2 bilhões em caixa. As quantias são enormes e mostram a dimensão da empresa, que resiste à enorme corrupção. Estava em 10º lugar na lista Forbes das grandes empresas internacionais em 2012, ainda que tenha caído um ano depois para o 30% posto pela crise destes anos. Com a produção do pré-sal e a profilaxia interna que está lancetando os desvios e crimes, voltará a melhores posições.
Resumindo, a médio prazo, há o projeto estratégico da construção de uma aliança das esquerdas, como propõe Tarso Genro no Brasil, com a possível iniciativa de um PT renovado. Um desafio ainda ao nível das intenções. Porém já está ocorrendo na Espanha por fora do PSOE, com a emergência de grupos políticos renovadores. Mais adiante, num novo ciclo histórico, essas alianças das esquerdas, poderiam desdobrar-se numa frente para a construção de um novo socialismo democrático e libertário.
Mas como bandeiras tática imediatas, uma está posta: a luta contra a escandalosa desigualdade, com uma corajosa política redistributiva, corolário para a estratégia acima referida. E seria necessária uma outra aliança tática ainda mais ampla, de defesa da nação, contra os interesses colonizadores do grande capital especulativo globalizado, talvez até com o apoio de alguns setores de um capital nacional. Fico pensando no que fariam Brizola e Darci Ribeiro hoje.Na proposta de Tarso Genro, haveria quer construir um diálogo do PT com o PC do B, setores do PSB de Roberto Amaral e de Luiza Erundina, do PSOL de Chico Alencar, Jean Wyllys ou Marcelo Freixo, do PDT de Cristovam Buarque, talvez a Rede de Marina, partidos menores, independentes como Bresser-Pereira, numa grande aliança, para defender os interesses da nação ameaçados de vários lados. A exemplaridade se daria em torno à Petrobras. FHC proclamou com segundas intenções, “o fim da era Vargas”, isto é, do processo de construção da nação, ainda inacabado, com enormes potencialidades pela frente.
O Brasil tem um grande futuro, se enfrentarmos com coragem e eficácia esses desafios estratégicos e táticos. Para isso, o grande sujeito principal não serão os políticos e partidos elencados, mas o dinamismo de uma cidadania ativa, à qual eles devem estar a serviço. Digo isso com a distância de quem não tem militância partidária, mas aposta nas mobilizações e nos movimentos que sobem da base da sociedade e desafiam partidos e políticos. A partir de carências concretas em saúde, educação, habitação, transportes, ou segurança, articulada em torno a lutas particulares contra todo tipo de discriminações, com o dinamismo da juventude rebelde e da capacidade de indignação, há que esperar que do fundo da sociedade vá subindo uma força com reações mais ou menos espontâneas, que nos irão desafiando para encontrar caminhos inéditos e novas formas de compromissos societários e políticos.
- Luiz Alberto Gómez de Sousa é Sociólogo, Diretor do Programa de Estudos Avançados em Ciência e Religião da Universidade Candido Mendes.
27/05/2015
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