Lutas pelo território e o Bem Viver na Colômbia:

As mulheres negras em resistência

22/04/2015
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Artigo publicado em espanhol na Revista América Latina en Movimiento No. 501: El Decenio Afrodescendiente 10/02/2015

A década de 1990 foi de importância fundamental para os territórios dos afrodescendentes e para o direito das comunidades negras.  Esta década foi notável por dois marcos transcendentais: o conhecimento da diversidade cultural na Constituição de 1991 e a expedição da lei 70 de 1993 sobre os direitos coletivos territoriais e culturais das comunidades dos afrodescendentes.  Isso coincide com o surgimento de uma consciência do valor da região Pacífica em relação a sua diversidade biológica e cultural, tanto para o país quanto para o planeta.

 

A situação mudou drasticamente no final dos anos 90 e durante a década de 2000, especialmente nos territórios dos afrodescendentes do Pacífico Sul e do norte do Cauca, com uma apropriação coletiva dos territórios pelas comunidades com os Conselhos Comunitários como autoridades próprias.  Nós encontramos as ações ou os processos que prejudicam os direitos das populações e destroem os territórios: aumento do conflito armado; vinculação forçada da população a essa mesma militarização na vida cotidiana; aumento exacerbado da violência de gênero como instrumento militar; expansão dos cultivos para o uso ilícito da coca e a fumigação dos mesmos, que acaba com os cultivos tradicionais e envenena as fontes hídricas; atividades extrativistas dos recursos naturais; aumento da mineração ilegal do ouro que gera despejos, desapropriações, deterioração social e cultural, e impactos ambientais irreparáveis; militarização dos territórios, que com frequência leva à repressão das organizações locais; as ameaças constantes aos líderes, os massacres e os assassinatos por parte dos diversos atores armados com impactos nos processos organizativos; macro-projetos agro-industriais, tais como o óleo de palma e a cana de açúcar para a produção dos agrocombustíveis e a adoção do Acordo de Livre Comércio que ameaça os direitos territoriais, econômicos e culturais e de propriedade intelectual dos grupos étnicos. Tudo isso com a cumplicidade e a inoperância das agências do Estado.

 

O efeito acumulado destes processos é de tal propagação que pode ser caracterizado como crimes de lesa humanidade, do ecocídio e do etnocídio.

 

O que foi citado anteriormente implicou que os avanços obtidos através lei 70/93 estão sendo reduzidos, por meio do uso da força e de medidas administrativas arbitrárias em contradição com a Constituição e tratados internacionais como o Convênio 169 da OIT.  Nos anos recentes, a situação alcançou dimensões críticas  em muitas áreas do Pacífico Sul e Norte do Cauca  Estas comunidades, que vivem em alguns dos territórios mais velhos e emblemáticos de afrodescendentes livres nas Américas, estão sendo ameaçadas e desapropriadas pelos atores nacionais e internacionais interessados em tirar o ouro e os demais recursos de seus territórios, assim como pelos atores armados de diversos tipos interessados em manter o controle territorial para fins insurgentes ou ilegais.

 

A proteção e a defesa dos territórios ancestrais

 

O território e a territorialidade são centrais às aspirações de vida e de auto-determinação dos povos e das comunidades dos afrodescendentes.  Os territórios ancestrais são os espaços vivos, onde as vidas da gente negra são interconectadas com a terra, com o meio ambiente, os recursos naturais e a natureza, as práticas ancestrais e os espaços sagrados onde o ser negro/afrodescendente pode amadurecer e evoluir pessoal, cultural, social e politicamente.

 

Com a titulação coletiva de mais de 5.6 milhões de hectares de territórios ancestrais, no exercício do direito à propriedade coletiva reconhecido na lei 70/93, as comunidades dos afrodescendentes passaram nas duas últimas décadas de dinâmicas tradicionais que têm garantido a proteção e a sustentabilidade das riquezas naturais, biológicas, genéticas e culturais dos territórios, às ações de defesa do território e de seus recursos como patrimônio próprio e da nação.

 

A defesa dos territórios ancestrais tem sido uma batalha desigual e sangrenta que se contrapõe à noção capitalista, neocolonialista, unidimensional e eurocêntrica da propriedade individual da terra como meio econômico de produção e exploração.  Um milhão e meio de desapropriações [1], índices extremos de empobrecimento, divisões e fraturas dos processos organizacionais e de violência exacerbada econômica e de gênero contra as gentes negras, são uma conseqüência desta extrapolação de lógicas.  Esta luta política, que não é senão uma luta pela autonomia e autodeterminação no espaço vital do território, tem custos humanos altos para as comunidades.

 

As mulheres no centro da resistência

 

As mulheres têm sido centrais nos processos de formação das comunidades, formas sustentáveis e solidárias de vida, reprodução de práticas culturais e para a proteção da vida e dos territórios.  Desde a escravidão, passando pelos processos da transformação econômica do país, as mulheres afrodescendentes estão ligadas a todas as formas e processos produtivos na condição de subordinação e invisibilidade.  O imaginário capitalista, sexista patriarcal dominante focaliza a coisificação de seu corpo e de sua sexualidade e a exploração de sua capacidade produtiva.  A incorporação institucional da mulher negra ao desenvolvimento através de formas predefinidas de produção e organização forçou o deslocamento das mulheres às cidades, sua super exploração, sobrecargas laborais e distanciamento do território.  Dentro das grandes violências contra as mulheres negras, está a violência econômica causada pela imposição da lógica do capitalista nos territórios.

 

Não obstante, as mulheres desenvolveram resistências. O sangue de muitas está na terra que defenderam para deixar uma esperança de vida digna a seus herdeiros.

 

Depois dos confrontos armados, massacres, megaprojetos, nos territórios restam as mulheres.  No meio do confinamento e do terror causado pelos grupos armados, são deixadas as mulheres. Continuam cultivando, produzindo, organizando, resistindo.

 

A expressão mais radical de luta e de resistência dos últimos anos se localiza no norte do Cauca, Conselho de Comunitário de La Toma, no município de Suárez.  Desde 1980 as comunidades vêm resistindo a imposição agressiva da lógica capitalista com os megaprojetos, a megamineração e a mineração ilegal em seus territórios.

 

As comunidades compreendem as dimensões da ameaça que existe sobre elas, de multinacionais como a Anglo Gold Ashanti, que tomam os 6.5 mil hectares de seu território ancestral dado por concessão pela Autoridade Nacional Mineira à companhia, e vivem já a ameaça da mineração ilegal que entrou para destruir suas vidas. Ao centro desta luta, estão as mulheres.

 

Em 17 de novembro de 2014, as mulheres do norte do Cauca marcharam por oito dias da municipalidade de Suárez a Bogotá e tomaram as instalações do Ministério do Interior por quatro dias, para forçar o governo colombiano a cumprir as diversas promessas que fizeram para resolver o problema mineiro em seus territórios.

 

Mineiras artesanais por tradição e por convicção, elas comunicaram que se mobilizariam “pela defesa da vida e dos territórios ancestrais”, retornado à história frente às políticas da morte.

 

“Apesar do abandono do estado, nós permanecemos na resistência frente aos megaprojetos, que em nome de sua visão do desenvolvimento e com o discurso erradicar a pobreza, gera condições do despojo, desterro e miséria.” […] “Hoje nossas vidas estão em perigo e as possibilidades de existir como povo afrodescendente são mínimas.”[2]

 

A necessidade de tomar a situação em suas mãos e recorrer às ações diretas, responde à fadiga que sentem as mulheres negras frente a uma prática sistemática de invisibilização, marginalidade e retórica de gênero e racial-democrático do Estado, e das agendas desenvolvimentistas dos organismos como USAID e o Banco Mundial, que ameaçam seu empoderamento e autonomia frente às formas de vida própria que querem desenvolver.

 

Na Colômbia, os processos organizacionais de mulheres negras têm o desafio de manter sua autonomia, identidade e visibilidade em um sistema pensado no masculino, altamente violento e totalmente comprometido com a agenda neoliberal traçada pelo Tratado de Livre Comércio. De tal maneira que uma agenda dos processos emancipatórios e libertários que sustentem propostas de vida digna sobre uma base territorial própria, enfrenta sempre as necessidades de subsistência e os sofismas que planteiam as dinâmicas capitalistas de mercado.

 

O desafio para as comunidades dos afrodescendentes em luta para defender os territórios ancestrais e para desenvolver formas de vida que respondem às suas aspirações de determinação livre, e em particular o desafio para as mulheres dos afrodescendentes, é superar a retórica do sistema capitalista, neocolonialista, racista e patriarcal com uma ideologia que seja traduzida em formas coletivas, comunitárias e compartilhadas, em territórios próprios, de produção, proteção e sustentabilidade de uma vida digna, mantendo-se ao mesmo tempo viv@s no território.  Este é o sentido profundo da busca por uma Bem Viver Afrodescendente.

 

Charo Mina Rojas e Marilyn Machado Mosquera  são integrantes do Processo de Comunidades Negras da Colômbia (http://www.renacientes.org/).  Patricia Botero e Arturo Escobar  pertencem ao Grupo de Acadêmicos e Intelectuais em defesa do Pacífico Colombiano, GAIDEPAC.

 

Artigo publicado na América Latina en Movimiento , No. 501: http://alainet.org/publica/501.phtml

 


[1] Colômbia tem 5.6 milhões de pessoas de pessoas desalojadas. O maior número a nível mundial.

[2] A Mobilização de mulheres de Afrodescendentes do Norte do Cauca, comunicou às mulheres colombianas e à opinião pública http://bit.ly/1LfqkxN. 14 de novembro de 2014.

 

https://www.alainet.org/pt/articulo/169150?language=es

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