A educação que precisamos para o mundo que queremos
26/04/2012
- Opinión
1. A conjuntura atual: complexidade de crises, diversidade de sujeitos e os desafios de uma agenda estratégica.
A Rio+20 acontece sob uma conjuntura global de crises. Não apenas assistimos às consequências econômicas, sociais e ambientais das crises do capitalismo financeiro em sua fase neoliberal, como também a uma crise de maior magnitude que evidencia os problemas intrínsecos ao sistema atual, que afetam esferas essenciais da vida e se expressam em diversos fenômenos locais, regionais e mundiais. Ainda que os analistas e a opinião pública estejam focados na Europa e nos Estados Unidos, a conjuntura manifesta sinais de esgotamento global e, cada vez mais, demandas por alternativas para a humanidade e para o planeta surgem.
Enquanto os organismos financeiros multilaterais priorizam uma análise econômica da crise, propondo as mesmas políticas de ajustes estruturais centradas na diminuição de gastos dos Estados, as organizações da sociedade civil e movimentos sociais têm alertado sobre a complexidade das crises que estamos atravessando.
A conjuntura apresenta múltiplos pontos problemáticos, mas um dos mais importantes corresponde à crise de ordem política global, pois não existe um espaço democrático internacional que permita tomar decisões em relação a problemas que são de dimensão global e com diferentes efeitos no nível local; o que tem prevalecido nos espaços tradicionais de discussão são os interesses particulares de alguns estados, corporações e bancos sob o interesse do capital. Essa situação é preocupante, uma vez que supõe a debilidade do multilateralismo para a tomada de decisões coletivas para problemas globais.
Neste contexto se tem presenciado a emergência de novos processos de mobilização e participação cidadã, com uma explosão de movimentos sociais ativos frente a situações de violação de direitos humanos e de catástrofes ambientais que, cada vez mais, se posicionam como fatores de incidência e mudança na política de alguns países. Esses novos atores internacionais estão levando o debate sobre as características institucionais do sistema democrático a posições prioritárias nas agendas nacionais. Existem movimentos direcionados para o desenvolvimento de processos auto constituintes, para iniciativas populares de lei e para a reformulação dos sistemas democráticos tornando-os mais inclusivos e participativos.
O inédito nesta conjuntura é, precisamente, a força mobilizadora desses movimentos de cidadania, ao ponto de disputarem a recomposição do Público e da agenda política global, dinamizando e politizando o debate sobre as possibilidades de mudança rumo a sociedades sustentáveis e suas dimensões ambiental, social, econômica e com responsabilidade global.
Os movimentos civis têm se expressado de diferentes maneiras, impactando substancialmente no reordenamento da política de vários países e regiões: seja pelas reivindicações por direitos humanos e democratização, a indignação em relação ao desemprego e a exclusão de setores importantes da população dos serviços sociais básicos, o descontentamento dos/as cidadãos e cidadãs com as maneiras existentes de organizar a política democrática, a mobilização estudantil por uma educação pública gratuita universal e as lutas de organizações ambientais contra Estados e grandes corporações que depredam o meio ambiente. Com isso o movimento civil global enfrenta desafios de curto e médio prazo de grande alcance ético e político.
2. A educação que queremos e a complexidade do presente
A crise global é também uma crise da educação – assumida como educação ao longo da vida – de seu conteúdo e sentido, pois há deixado gradualmente de conceber-se como um direito humano e se tem convertido no meio privilegiado para satisfazer as necessidades dos mercados, demandantes de mão-de-obra para a produção e consumo. Não apenas tem falhado na formação de pessoas capazes de pensar os importantes problemas políticos, ambientais, econômicos e sociais de ordem global, como também tem retirado seu profundo conteúdo político e, particularmente, seu potencial para formar cidadãs e cidadãos capazes de pensar uma ordem econômica e social diferente, através da qual se pode superar o conjunto de profundas crises que vivemos que se manifestam em crescentes desigualdades e discriminações e na ausência de dignidade e justiça. Nesse sentido, ricas abordagens, como a da Educação Popular, vêm contribuindo através do potencial transformador de sujeitos socais e grupos organizados.
Torna-se fundamental significar novamente os fins e práticas da educação, no contexto particular de disputa de sentidos, caracterizado pela subordinação majoritária das políticas públicas ao paradigma do capital humano, em oposição à emergência de movimentos sociais, de paradigmas alternativos que buscam restituir o caráter de direito e projeto ético e político à prática educativa.
Se no contexto atual a finalidade da educação é produzir mão-de-obra para a produção e o consumo, então quem irá formar os cidadãos / cidadãs? O capital humano reduz as capacidades humanas à função de produzir maior riqueza nas condições sociais existentes, o que implica grandes desigualdades. Os cidadãos e cidadãs, ao contrário, têm o dever de questionar tais condições quando produzem injustiça, discriminação, degradação e colocam em risco a vida no planeta. Neste sentido, é urgente resgatar a noção de Educação como direito humano, em suas dimensões formais, não formais e informais, abrir seu olhar para a democratização das sociedades para formar cidadanias críticas, capazes de vincular-se a movimentos que reivindicam uma transformação da ordem social, com vistas à justiça social e ambiental, com a intenção de entender e discutir soluções aos problemas de escala planetária.
O tema do desenvolvimento de uma “subjetividade” crítica resulta em um aspecto central na construção de uma pedagogia cidadã na conjuntura atual. Trata-se de restabelecer um sentido emancipador dos processos de empoderamento, entendidos como o desenvolvimento de recursos da comunidade para fazer política, gerar conhecimentos, potencializar os saberes e aprendizagens que se produzem nas lutas democráticas e que precisam lideranças inclusivas, organizações participativas, alianças com organizações democráticas da sociedade civil e a permanente e necessária “ponderação radical-pragmática” (inédita-possível, dizia Paulo Freire) nas definições de acordos, consensos e associatividade entre a diversidade de atores que participam da política.
Tudo isso implica em um giro político e cognitivo, uma mudança paradigmática na maneira de entender a educação, uma abertura a novos pontos de vista sobre os objetivos sociais, como os do bem-viver, dos bem comuns, os da ética do cuidado, entre outros, sobre os quais se devem abrir um grande espaço de discussão e socialização no caminho rumo à Rio+20 e além, firmado no sentido de uma educação para a mudança e para a transformação pessoal e social.
Esses novos paradigmas e pontos de vista não só devem ser mapas para movimentos nos novos contextos, como também folhas de conteúdos consequentes com as finalidades que buscamos como movimento cidadão capaz de envolver os distintos atores do processo educativo, como os trabalhadores e trabalhadoras da educação, os e as estudantes, os pais e mães de família, e mais amplamente a todos e todas as cidadãs que precisam e lutam por uma mudança profunda na educação, para gerar uma transformação radical na sociedade por mais justiça social e ambiental. Tudo isso é consistente com a concepção libertadora da educação popular, que se nutre de múltiplas experiências pedagógicas para formar outra cidadania.
A mudança paradigmática na educação, como condição para avançar rumo a sociedades sustentáveis com justiça social e ambiental, onde a economia seja um meio e não um fim em si mesma, deve supor uma mudança nos enfoques tecnicistas e economicistas das políticas educativas vigentes. É preciso reivindicar o direito a aprender “durante toda a vida”, lema que não deve ser entendido como a expressão de um tipo de capacitação permanente para satisfazer as necessidades do mercado e as exigências das antigas e novas indústrias.
Essa abordagem, sobre a educação que queremos, parte de construir múltiplas “educações” nas suas dimensões formal, não formal e informal, para desenvolver capacidades humanas, incluindo as capacidades cognitivas, de empoderamento e participação social, de conviver com outros/as na diversidade e na diferença, de cuidar e planejar a própria vida, de conviver entre seres humanos em harmonia com o meio ambiente.
Uma educação pertinente, relevante, transformadora, crítica, deve ter como fim máximo a promoção da dignidade humana e a justiça social e ambiental. A educação como direito humano promotor dos demais direitos, deve assumir meninas e meninos, jovens e adultos como sujeitos de direito, promover a interculturalidade, a igualdade, a equidade de gênero, o nexos entre cidadania e democracia, o cuidado e relação harmônica com a natureza, a eliminação de qualquer forma de discriminação, a promoção da justiça e a construção de uma cultura de paz de resolução não violenta de conflitos.
A educação que queremos requer promover estrategicamente uma educação que contribua para uma redistribuição social dos conhecimentos e do poder (levando em conta gênero, raça-etnia, idade, orientação sexual), que potencialize o sentido de autonomia, solidariedade e diversidade que expressam os novos movimentos sociais.
Trata-se de promover uma educação crítica e transformadora que respeite os direitos humanos e os de toda comunidade de vida, que promova especificamente o direito a participação cidadã nos espaços de tomada de decisão, como por exemplo, a Conferência da Rio+20.
3. Frente a Rio+20
A Rio+20 pode se converter em uma instância para promover o desenvolvimento econômico aos custos dos direitos humanos e da vida em si. O movimento de educação estará presente ao lado de outros movimentos sociais para levantar a bandeira da justiça social e ambiental e da dignificação do ser humano e da vida. Estará presente também defendendo a educação como direito humano fundamental, cuja finalidade é a transformação dos padrões de produção, consumo e distribuição do atual sistema, visando alcançar maior justiça social e ambiental.
Para alguns setores a Rio+20 é uma oportunidade para “esverdear” a saída capitalista das crises, tentando humanizá-la promovendo um chamado para a responsabilidade social e ambiental nas empresas. Com isso, almeja-se estabelecer acordos “na medida do possível” frente às mudanças climáticas e demais crises, promover ajustes sem que se questione ou se coloque em risco o paradigma que sustenta o status quo.
No processo preparatório desta cúpula mundial, vimos muitas expressões de tendências que negam o valor central dos direitos humanos e apagam a responsabilidade que o desenvolvimento capitalista tem na geração das múltiplas crises que vivemos. A partir de uma perspectiva crítica e qualitativamente diferente entendemos que a Rio+20 deve ser um processo que amplie a mobilização neo paradigmática para avançar rumo a sociedades integralmente sustentáveis com justiça social e ambiental, capazes de responder às necessidades dos seres humanos e suas comunidades, habitando o planeta de maneira harmônica, seguindo a lógica da vida na Terra (nossa casa comum) e gerando um novo modo de entender a convivência, a diversidade e a solidariedade em quanto condições políticas e éticas para uma ordem social realmente democrática.
Para isso é preciso avançar em um sentido crítico e estabelecer coordenadas alternativas, tais como entender os processos sociais desde uma ótica de complexidade nos quais ocorrem diversas matrizes de necessidades humanas, o desenvolvimento de capacidades tanto cognitivas como afetivas, organizativas, de convivência e de “cuidado”, além de um amplo repertório com maneiras de organizar ações coletivas. Igualmente é necessário conceber a Política como uma prática que se expressa em ações coletivas e democráticas, e de cujo desenvolvimento surge saberes que se disseminam entre suas bases, constituindo um empoderamento da cidadania frente à ordem política, e uma re-politização do Público. É preciso também, desenvolver uma teoria política que redimensione a democracia como um espaço humano deliberativo, de proximidade, igualitário, em suas relações de género-raça-etnia-gerações, orientação sexual, “despartriarcalizado” e “descolonizado”, fecundando pela prática do conhecimento, da reciprocidade e do respeito às diversas formas de ser-com-outros/as, de viver a sexualidade e de habitar o “mundo da vida”.
Desenvolver itinerários políticos-pedagógicos em função das necessidades insatisfeitas das populações e das necessidades de sustentabilidade de territórios concretos, a partir de culturas próprias, das economias locais e de uma relação mais justa com os mercados globais, de suas estruturas próprias de emprego, das capacidades do ecossistema, que permitam construir o bem-estar humano em harmonia com a vida e a Mãe-Terra.
Por essas razões os movimentos sociais, que estão reivindicando uma mudança profunda rumo à construção de sociedades mais justas e mais capazes de coexistir com a vida no planeta, se expressarão de maneira categórica na Conferência da Rio+20 e na Cúpula dos Povos, levando entre outros, a mensagem de que a afirmação e realização do direito à educação, assim como do núcleo mais integral e amplo dos direitos, é uma condição inelutável para poder construir um mundo em que se torne realidade a dignificação da vida, um mundo em que se valha e que também seja possível viver.
- O Grupo de Trabalho de Educação para a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável Rio +20 consiste em: O Conselho Internacional de Educação de Adultos (ICAE), o Fórum Mundial de Educação (FME), a Campanha Latino-Americana pelo Direito à Educação (CLADE), o Conselho de Educação de Adultos América Latina (CEAAL), a Jornada da Educação Ambiental para Sociedades sustentáveis e Responsabilidade global, a Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (FLACSO), a Internacional da Educação, a Rede de Educação Popular das Mulheres na América Latina e Caribe (REPEM )
https://www.alainet.org/pt/articulo/157470?language=es
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