Entrevista Miguel Littín
“O mais profundo ideal da democracia é o povo representar a si mesmo”
30/01/2012
- Opinión
Num dia cinzento (em todos os sentidos), desembarcam na ilha os prisioneiros encapuzados. A perspectiva do espectador é a mesma dos cerca de 30 ex-ministros do governo do socialista chileno Salvador Allende, que no mesmo dia da morte do presidente com o golpe militar, em 1973, já eram encaminhados, com um saco na cabeça e as mãos amarradas, à chamada Ilha Dawson. A 200 quilômetros ao sul de Punta Arenas, a ilha abrigava um campo de concentração criado com base nas ideias de Walter Rauff, oficial da inteligência nazista da Alemanha. É essa a trama do mais novo filme do chileno Miguel Littín, um dos mais importantes cineastas latino-americanos da atualidade, em longa metragem de parceria entre Chile, Brasil e Venezuela, e já nos cinemas.
Conhecido pelo engajamento de seus filmes, Littín, descendente de gregos e palestinos, iniciou sua carreira no cinema logo cedo e, com o impacto de “O chacal de Nahueltoro”, longa lançado no final dos anos 1960 abordando a situação de precariedade dos homens do campo, foi nomeado por Allende como diretor da estatal Chile Films em 1971. Em sua extensa filmografia, constam “Companheiro presidente” (1971), “A viúva de Montiel” (1979), “Sandino” (1990), “Crônicas palestinas” (2000), entre outros. Assim que o general Augusto Pinochet assume o governo chileno com o sucesso do golpe militar, Miguel Littín aparece na lista dos cinco mil exilados absolutamente proibidos de pisarem o pé em sua terra.
Em 1985, no entanto, chega ao aeroporto de Santiago um “uruguaio”, sem barba, cabelo castanho claro (e não negro), roupas finas de tecido inglês, sapatos de camurça, gravata italiana. “Tinha que deixar de ser um diretor de cinema, pobre e inconformado como tinha sido sempre, para transformar-me no que menos gostaria de ser neste mundo: um burguês satisfeito”. O trecho é do livro “A aventura de Miguel Littín clandestino no Chile”, escrito por Gabriel García Márquez, grande amigo do diretor que, encantado com sua ousadia, resolveu registrá-la detalhadamente. Miguel conseguiu driblar os riscos do poder militar e, fantasiado (nem sua própria mãe o reconheceu) conseguiu passar seis semanas no Chile filmando mais de 7 mil metros de película sobre a realidade do país a qual havia sido expulso, que já enfrentava 12 anos de violento regime militar. O resultado foi o filme “Ata general do Chile”, em uma versão de 4 horas para a televisão e outra de duas para o cinema. “Quando Miguel Littín me contou em Madri o que tinha feito, e como tinha feito, pensei que atrás de seu filme havia outro filme sem ter sido feito e que corria o risco de ficar inédito”, justificou-se o escritor colombiano.
A experiência da aventura clandestina e sua relação com García Márquez, com Neruda e Allende, o primeiro filme que assistiu, sua concepção de identidade latino-americana, seu mais novo filme e próximas aspirações e análise a respeito do atual contexto político chileno são alguns dos temas que permearam a conversa entre Littín e a Caros Amigos. Com o que chama de “estética inconclusa”, o cineasta militante pretende contribuir para mudar o paradigma da cinematografia latino-americana, que considera “prisioneira, enclausurada em um sistema colonial”.
Caros Amigos - Como começou seu interesse por cinema?
Miguel Littín - O primeiro filme que eu vi, eu tinha uns 3 anos. Eu vivia em um vilarejo camponês e minha avó, que era árabe e falava muito pouco espanhol, tinha um quintal em frente à sua casa e era perto da estrada, aí chegavam as pessoas, os viajantes. E um dia chegou uma pessoa com um projetor e colocaram um lençol branco e projetaram o primeiro filme que eu vi, na primeira fila, no colo da minha avó. Fiquei prisioneiro para sempre dessa emoção, desse sentimento de olhar na tela aquelas imagens, o que se passava atrás da tela, o vento, as vozes. E sempre segui atrás do cinema, aos nove anos aconteceu uma coisa importante: assisti pela primeira vez “Roma, Cidade Aberta”, de Rossellini. E aí comecei a me dar conta que no cinema se estabelecia uma relação entre estética, moral, arte, história, que tudo era possível. A partir daí segui um caminho muito acelerado até estudar cinema, de modo que aos 19, 20 anos, já estava fazendo filmes, meu primeiro curta-metragem, ou trabalhando em películas. Fiz meu primeiro longa aos 25 anos, “O chacal de Nahueltoro” [1969], e desde então nunca fiz nada além de cinema.
Fale um pouco desses 12 anos que você passou exilado no México durante a ditadura chilena. Você diz que é a sua “outra pátria”, “a porta que se abriu para que você entendesse a essência do ser latino-americano”, que essência é essa?
O México nos revela uma janela na vida, uma possibilidade de entender que foi destruída uma sociedade que tinha uma visão dos cosmos, do mundo, da filosofia, da poesia, da arquitetura, da arte, uma forma societária. Então como essa vida foi interrompida. Somos produtos de uma história inconclusa, tampouco a nossa estética no cinema, na arte, foi concluída, porque somos produtos de uma história que foi interrompida muitas vezes. Se interrompeu o processo pré-colombiano, se interrompeu o processo colonial, se interrompeu o processo revolucionário, sempre há interrupções. Somos latino-americanos, somos interrompidos, temos as primeiras raízes. Com todo o processo da economia globalizada, neoliberal, se crê que somos parte do mundo. Sim, somos parte do mundo, mas para ser parte do mundo é necessário ser. E eu encontrei possibilidades de resposta para esse questionamento da identidade latino-americana nas manifestações e nos comportamentos de uma cultura viva como é a mexicana.
Mas além de entender isso como uma geometria política convencional, naturalista ainda, não: é a conduta profunda que eu percebi entre os mexicanos e a natureza, a percepção dos ciclos, como se passam as estações, os dias, como se contam os minutos. Eu tive a sorte de me estabelecer no México, entre todos os outros lugares os quais poderia ter ido. Recorri o país muitas vezes. Então pude observar não só a relação do homem frente à metrópole, mas do homem frente ao mar, frente à selva, ao deserto, imerso na forte e ardente natureza mexicana.
E por isso tem chamado a estética das suas obras de estética inconclusa?
Sim, exatamente. Acredito que não se pode concluir a estética, pois nós somos parte do homem inconcluso, de uma natureza humana inconclusa.
Como foi a experiência que Gabriel García Márquez narrou no livro que conta a sua aventura em 1985, quando voltou clandestino para o Chile para filmar o que viria a ser a “Ata Geral do Chile” (1986)?
A experiência com Gabriel foi muito divertida e muito gratificante, gosto muito dele, somos muito amigos. Seu relato fantástico, a mulher que voa até o céu, a descrição da velhice, da beleza, das lutas, acabou convertendo uma história absolutamente plana sobre os distintos processos políticos e militares que se passavam naquele período no Chile e na América Latina, em paisagens delirantes, brilhantes. A arte dá brilho às coisas. Ele é assim, muito divertido. E como somos bem amigos, ele me pediu que contasse sobre a viagem. E eu lhe contei. De repente ele me aparece com um livro, eu não imaginava que ele fosse fazer isso! Tantas vezes havia lhe contado histórias, aventuras, pensamentos, nunca ele havia transformado nada em livro. Não só era um livro, como era um livro em primeira pessoa. Olhei e tive um ligeiro estremecimento. Dizia “Eu, Miguel Littín”, “filho de Cristina”, que é a minha mãe, “e de Hernán”, que é o meu pai! Seguramente que o Gabo teve essa sensação esquisita similar, não sei. Ele, como Pablo Neruda, “crio, porque crio”, não há explicação. E assim foi. O Gabriel me fez um interrogatório sobre a viagem que antes eu nem tinha entendido porque, ele queria tantos detalhes, tanta precisão. Durante a viagem eu tinha feito anotações no verso de caixinhas de Gitane, um cigarro francês, e acabei guardando e usei bastante para esse exercício de memória. Tenho muita gratidão e amizade por figuras como ele.
Quando eu tinha uns 14, 15 anos eu ia à casa do Neruda e podia ficar no seu escritório vendo os livros e observando os versos que ele ia escrevendo. Via como ele escrevia com tinta verde e corrigia com tinta preta. E Gabriel, enquanto eu estava no México, ele me ligava às vezes às 6 horas da manhã para me ler algo que tinha escrito, uma parte de um livro – não o que tinha a ver comigo, mas o “Crônica de uma morte anunciada”. Lia coisas maravilhosas. Quando ele comprou o primeiro Macintosh, ele escrevia, mandava imprimir e eu lia o que saía da impressora quase simultaneamente. Essa experiência do livro sobre minha ida ao Chile foi algo parecido com isso, é o que melhor descreve. O Gabo é um mago.
A frase que aparece no filme [“Dawson Ilha 10 – A verdade sobre a Ilha do Pinochet”], “não foram os dias mais heróicos da minha vida, mas foram os mais dignos”, é a frase que você tinha usado também para descrever sua estada clandestina no Chile, não é?
Sim. Me pareceu que essa frase resumia muito bem o estado de ânimo dos prisioneiros. Não foi o mais heróico, mas sim o mais digno. É verdade, não são heróis do realismo socialista, não são heróis que tentam escapar. São pessoas normais que sofrem e existem com muita dignidade, resistindo junto com suas vidas o que são os valores fundamentais do humanismo. Por isso a usei.
E de onde surgiu a ideia de fazer um filme sobre a Ilha Dawson?
Já tinha ouvido muito a respeito da Ilha Dawson, foi algo que marcou meu imaginário. Conheci algumas pessoas que estiveram lá, como o Aristóteles que morreu há pouco tempo, na época era um dirigente estudantil que escrevia poemas nas paredes das casinhas na ilha. Conheci Sérgio Bitar, que me contou o que passou durante a prisão, li seu livro e me encantou o tom da escrita, um tom de grande sobriedade, sem melodrama nem auto-afirmação, mas uma serena dignidade. Um homem civil que resiste a uma opressão. Ou seja, a razão contra a não-razão. Conversei com muitos que ainda estão vivos, e fui escutando, escutando e me apaixonando pela história.
Me chamou a atenção que não há mulheres no filme. Havia ilhas como essa para mulheres prisioneiras políticas?
Sim, havia centros de torturas muito duros para as mulheres. Na Ilha Dawson a tortura não era tão forte porque eram ministros presos. As mulheres sofreram torturas que chegam a te tirar da condição humana, porque... não entendo como é possível que tenham chegado a tal ponto. A história do Chile, Brasil, Argentina, etc., carregam a história desses homens e mulheres que tiveram suas vidas destruídas com torturas aberrantes, sem respeito à condição sexual, à natureza, a nada. A barbárie não tem limites.
E os que torturaram continuam aí. Outro dia eu estava na Argentina e toda a gente estava comemorando a sentença de prisão a 14 torturadores. Mas mesmo que sejam condenados à prisão perpétua, como devolver a felicidade, a confiança, a uma jovem que foi torturada e abusada barbaramente? Como? São crimes que não tem perdão, não tem volta.
As mulheres chilenas foram um dos fatores mais fundamentais na resistência à ditadura. Os homens militantes tiveram que se camuflar, desaparecer. As mulheres eram a linha de frente da luta. Hoje nas mobilizações estudantis, por exemplo, as mulheres também estão na linha de frente. E resistem bravamente, são agredidas, arrastadas pelos policiais chilenos.
Você tem sustentado há tempos, em contraposição à família do Salvador Allende e às últimas informações publicadas pela imprensa, que o ex-presidente não se suicidou. Isso inclusive aparece com força no seu último filme.
Com o conhecimento do personagem, o conhecimento do princípio que defendia a pessoa de Allende, é impossível que ele tenha se suicidado. Ele era um doutor, era um presidente, era um intelectual, não era um soldado. Defendia a vida política pacífica. Não era habitual que ele estivesse segurando uma arma. No entanto, esteve durante 7 horas segurando um fuzil, que não manejava bem, defendendo esse princípio [no dia do golpe militar, em que o Palácio de La Moneda foi bombardeado pelas forças militares]. Ele disse “pagarei com a minha vida a lealdade ao povo, não vou renunciar”. Para que isso acontecesse, teria que morrer lutando, e sabia disso, foi isso que fez. Allende morre defendendo a constituição e a legalidade, a mesma constituição e legalidade burguesas que ele pretendia transformar em uma democracia que interpretaria o homem com muito mais sensibilidade, profundidade e amor. Ele sabia que teria que morrer naquele momento para defender isso.
A respeito desse fato complexo o que pode me dizer um doutor, que aparece dois minutos na televisão e diz que foi suicídio? Eu compreendo que podem dizer isso, mas o fato indica que as coisas são ao contrário. Ninguém iria prolongar durante 7 horas um suicídio. E se não prospera a tese do suicídio, é porque não é crível. A verdade é que se você vai à rua dizendo que o Allende se suicidou, o povo não acredita. A verdade popular histórica é essa. Allende tomaria um avião para fugir? Não. Seus princípios, seus fundamentos, isso que está vivo ainda, que vibra nas ruas chilenas, não estaria presente. Ele disse: “Não darei um passo atrás”. E não deu.
Você acha que o Allende se equivocou por tentar fazer uma ruptura como a que propunha por meio da legalidade?
Ele pensava que essa era a única possibilidade, que esse era o caminho, estava absolutamente convencido. Eu trabalhei com ele, fui assessor de imagem na campanha e estava muito próximo, e era um homem que não só emplacava esses valores em seus discursos com as massas, mas os aplicava pessoalmente, com as pessoas ao seu redor. Ele acreditava que era possível.
E você?
Bom... Tinha dúvidas, mas... era melhor pensar que ele tinha razão. Allende era muito próximo das pessoas, muito fraterno, era como um professor. Nós o víamos como um professor que nos ensinava coisas da vida. Amava a vida profundamente, amava as flores, mandava cartas perfumadas, se apaixonava pelas mulheres, porque amava a vida.
Ao mesmo tempo, ele demonstrava, convencia que tinha razão. Não é à toa que convenceu um país inteiro. Campesinos, mulheres, estudantes, sua mãe, seu pai, todos. Imerso nessa situação, e tendo uma postura mais ou menos modesta frente à história, me convenci também. Eu fiz um filme, “A terra prometida”, que não foi visto no Chile nesse momento, porque setores comunistas ortodoxos disseram que eu estava fazendo uma incitação à via armada e que eu fazia uma caricatura do presidente.
Em que ano foi feito o filme?
Foi feito em 1972 e saiu em julho de 1973. Os dirigentes do Cine Chile disseram aos organizadores do Festival de Moscou que aquele filme não poderia ter sucesso nem prêmio, porque traria danos ao processo revolucionário chileno. Inventaram uma situação na exibição e todos se levantaram e foram embora. Eu fiquei sozinho na sala, com mais duas ou três pessoas. Foi a primeira projeção.
Como você vê o atual contexto político do Chile, com as mobilizações populares tomando as ruas impulsionadas pelos estudantes?
Agora os políticos voltam a falar do Allende no Chile, porque acham que vão angariar votos. Mas não é assim. É um sentimento que não tem como ser manejado por ninguém. Se guardou, se alimentou, se refugiou nas universidades, nos espaços familiares, nos murmúrios dos avós aos filhos, aos netos. Alguns não se atreviam a falar, era algo ultrapassado, desacreditado, mas murmuravam, alimentavam. Hoje os netos saem às ruas.
A classe política chilena está embasbacada, olhando o que está acontecendo. O processo estudantil, essa expressão da juventude, não está se permitindo ser contaminada por nada nem por ninguém. Eles são o que estão inventando. Todos os dias uma nova possibilidade. Seus princípios são solidários, generosos, etc., e todo o país entende, eles têm 70% de aprovação. Claro, um país que se diz tão exitoso não consegue pagar educação pública para o povo? Um estudante universitário hoje termina seus estudos absolutamente endividado. Essas são as bandeiras, mas como as levam às ruas? Com uma graça deslumbrante. Esse processo vai durar muito tempo, porque o que eles estão reivindicando não se resolve em dois dias. Reivindicam mudança na Constituição, reivindicam outra sociedade. Uma transformação no modelo político chileno.
Hoje não existe representatividade. Os votos estão revertidos em duas grandes coalizões, os outros não existem. Então os políticos já não representam nada, ninguém. As pessoas estão se representando a si mesmas. Esse é o mais profundo ideal da democracia: o povo se representando a si mesmo. Vou às marchas e sinto uma emoção fortíssima, certamente são as maiores mobilizações desde o período Allende. As demonstrações são muito lúdicas, como um carnaval, tem batucada, o pessoal canta, levanta bandeiras, há velhos, jovens, crianças. Quando vem a repressão policial, essa brutalidade inusitada contrasta com tudo isso. Bomba, gás lacrimogêneo, cassetete, jato d’água em cima de jovens cantando? É uma barbárie. E, claro, para se justificar, o Estado infiltra forças especiais no movimento para começarem alguma agressão. Eu perguntei para um rapaz que começou a atirar pedras aonde ele estudava, fui insultado, ameaçou me bater. A maioria dos que começa atrito não é estudante, é polícia.
Essa ideia do povo representando a si mesmo está pautando uma série de mobilizações políticas atualmente, inclusive interligadas mundialmente.
Sim, sem dúvida há perspectivas de grandes transformações. Uma mudança de atitude, do ser humano, revelando sua condição, seus direitos. É um avanço gigantesco de toda maneira. A ideia do homem representando a si mesmo, sem hierarquia, de forma autônoma, soberana, é o que está em jogo, em discussão, trata-se de algo importantíssimo. Eu, ser humano, tenho o mesmo direito que todos aqui, não necessito que ninguém me represente. Esse deveria ser o princípio da verdadeira democracia.
Como você avalia a produção cinematográfica latino-americana hoje? Acredita que tem ganhado maior espaço?
Há um problema estético e um problema econômico. O problema estético será um desafio sempre. O problema econômico, de alguma maneira têm tentado resolvê-lo por meio das leis nacionais de incentivo que há no Brasil, Argentina, Chile, México, Colômbia. Mas isso não resolve o problema da distribuição e exibição do filme. Temos uma cinematografia prisioneira, enclausurada em um sistema colonial. O único idioma que tem espaço é o inglês e as únicas produções que aparecem são as de Hollywood. Essa é a situação colonial que estamos metidos e que não tem sido possível reverter em mais de 40 anos de luta constante. Que seja, não podemos abandoná-la. Porque se a abandonarmos, estaremos abandonando um fator fundamental da nossa criação.
Eu não faço um filme para que possa vê-lo, faço para que os demais o vejam. Portanto o público é o mais precioso que temos e é de quem nos têm mantido afastado de uma maneira absolutamente imperialista e neocolonial. E os governos não reagem frente a essa situação, fazem acordos econômicos em todas as áreas, mas não se debruçam sobre o problema do audiovisual, do cinema, da linguagem. Evidentemente, existe a intenção de dificultar que encontremos e expressemos a nossa identidade. E o cinema é um fator de criação de identidade. As pessoas que sabem quem são, são as que lutam e que não se deixam derrubar. Se somos parte de uma sociedade globalizada homogênea, nada mais que um número, não temos a possibilidade de construir uma sociedade melhor. Se cada cineasta pensa que vai resolver sozinho o problema, está enganado. Não se trata de um problema de talento, o talento é sempre individual, mas os espaços são coletivos. E o que não temos é espaço.
Para finalizar, está trabalhando agora em algum projeto?
Vou começar a filmar em março um filme sobre o combate de Allende no Palácio de La Moneda. A ideia é que as imagens das 7 horas que passaram lá dentro no dia 11 de setembro sintetizem de alguma forma a sua vida, sua infância, o momento que começou sua crença por um mundo afetivo, mais humano. Acredito que a ideia dele se sustenta até hoje pois se estrutura numa construção humana possível, num sentimento que é aquele mais livre que podemos ter. É um sentimento subversivo.
- Gabriela Moncau é jornalista.
https://www.alainet.org/pt/articulo/155567?language=es