Deus está de volta

22/10/2011
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Não  chega a ser uma novidade o fato de estarmos assistindo, já há algum tempo, a  certo "reencantamento do mundo", isto é, a uma inversão do processo de  secularização deslanchado com a modernidade e sua crise. Essa tendência  começou a visibilizar-se com a nova consciência religiosa trazida pela Nova  Era,  o esoterismo,  o culto das pirâmides de cristal,  o  I-Ching, o tarô,  o retorno dos anjos e  duendes.  A razão  banida permanecia oculta pelo deslumbramento com um além povoado de deuses  maiores e menores, porém fluidos e sem consistência.  E o resgate da  transcendência sem absolutos expressou-se  até mesmo, mais  recentemente, em livros de grande tiragem que falavam sobre meninos bruxos e  anéis mágicos.  
 
A  ideia da incompatibilidade de princípio da secularização  com a religião  entra decididamente em declínio. E os sintomas do que poderíamos chamar de uma  volta de Deus aparecem como sinais visíveis de  novos tempos. “Aquilo que  muitos acreditavam que destruiria a religião – a tecnologia, a ciência, a  democracia, a razão e os mercados –, tudo isso está se combinando para fazê-la  ficar mais forte”, escreveram John Micklethwait e Adrian Wooldridge, ambos  jornalistas da revista britânica The Economist, no livro “God is back”.  Para muitos e bem concretamente para os jovens, como diz o título do livro,  Deus está de volta.
 
Os  jovens são religiosos.  Não como seus pais ou avós, mas de outra maneira,  própria, fazendo uma nova síntese entre a experiência da fé e sua  expressão.  E a internet é um dos recursos que mais intervêm na sede de  transcendência do jovem que vai para diante do computador buscar interlocução  para seus anseios espirituais.
 
A  modernidade, com efeito, significa uma humanização do divino, a ascensão  irreversível da secularidade. Foi um extraordinário progresso para o espírito  humano, porque permitiu ao homem, enfim, pensar por si mesmo. Mas a  modernidade também comporta um movimento oposto, que eleva e diviniza o  humano. A humanização do divino implica o fim das transcendências "verticais",  autoritárias, situadas fora e acima do sujeito. Nesse sentido, a modernidade é  o reino da imanência.
 
No  entanto, hoje se percebe ser  possível, também, nas entranhas da  imanência - da razão, do conhecimento e da ciência -  pensar algo que a  transborda, que a extravasa e a faz autotranscender-se. A força motriz dessa  nova transcendência é o amor, que leva os seres humanos a ultrapassar  sua interioridade solitária para alcançar o Outro e com ele entrar em  relação.
 
Tal  experiência e tal atitude não significam o banimento da razão; ao contrário,  dão à ciência estatuto pleno de cidadania quando se trata de pensar esse Deus  que volta a ser elemento constitutivo do conhecimento e do pensar humanos.   A constatação da volta de Deus traduz, por outro lado, a certeza de  que nenhuma sociedade pode sobreviver sem a religião, já que a maioria dos  homens considera insatisfatórias as respostas dadas pela ciência às perguntas  existenciais sobre a vida e a  morte.
 
Como impulso  utópico e como consciência vigilante dos limites, a fé e sua expressão  religiosa têm hoje um lugar assegurado na sociedade do conhecimento e na  comunidade científica. Deus está de volta e muito concretamente ali onde menos  se esperava que estivesse: entre as novas gerações, filhas da ciência e da  técnica.  É preciso abrir os ouvidos para entender como esses novos  crentes percebem o sujeito maior de sua crença.
 
- Maria Clara Lucchetti  Bingemer, teóloga,  professora do  departamento de teologia da  PUC-Rio é autora de "Deus amor:  graça que habita em nós” (Editora Paulinas), entre outros livros.  (www.users.rdc.puc-rio.br/agape)
Copyright 2011 – MARIA CLARA LUCCHETTI BINGEMER - É proibida a reprodução deste artigo em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização. Contato – MHPAL – Agência Literária (mhpal@terra.com.br)
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