Ordem e desordem mundiais

27/06/2010
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O mundo no qual vivemos é movido por relações  internacionais nas quais se destacam estadistas, ministros, organismos  supranacionais e, sobretudo, o capital. O fluxo e o refluxo do dinheiro  determinam o destino das nações. Com frequência se olvida o protagonismo dos  povos no cenário mundial. São eles, sempre, as grandes  vítimas.

Na fase pré-monopolista do capital, entre  os séculos XV e XIX, a ordem mundial era comandada por potências coloniais  como Espanha, Inglaterra e França. Calcula-se que apenas na América Latina e  no Caribe a presença colonial deixou um lastro de pelo menos 18 milhões de  indígenas mortos. Outras fontes calculam 100 milhões (Población  originaria, 1500. Eric Toussaint: La Mundialización desde Cristóbal  Colón hasta Vasco da Gama. (
http://www.forumdesalternatives.org).

Em busca de mão de obra necessária ao acúmulo do  capital, estima-se que cerca de 12 milhões de africanos foram sequestrados em  suas terras e escravizados no sul dos EUA, no Caribe e na América Latina.  

Os que sobreviveram ao genocídio colonial e se  reproduziram no território americano assumiram o protagonismo das lutas  anticoloniais que propiciaram, a partir de 1810, a independência da América  Latina e do Caribe. No entanto, não se tornaram beneficiários das lutas  emancipatórias que implantaram, em nosso Continente, a república e a  democracia, salvo alguns ensaios de poder popular como ocorreu no Haiti  governado por ex-escravos; no Paraguai antes da guerra movida pela Tríplice  Aliança; em Cuba a partir de 1959 e, agora, nas Constituições que incorporam  os direitos dos povos originários e afrodescendentes, como ocorre na  Venezuela, no Equador e na Bolívia.

Em sua fase imperialista, o capitalismo, em luta por  mercados, promoveu duas guerras mundiais. A primeira criou as condições para a  ascensão do fascismo e do nazismo, e levou os EUA à bancarrota em 1929. A  segunda forçou a migração de 60 milhões de pessoas e causou a morte de 72  milhões – 2% da população mundial da época. A tudo isso somam-se os traumas  físicos e psicológicos produzidos pelas guerras, as sequelas dos campos de  concentração, a desorganização familiar e os esforços de adaptação à vida  civil dos soldados sobreviventes.

As vítimas que escaparam do holocausto, os comunistas  europeus e os guerrilheiros dos países ocupados, foram os protagonistas da  derrota do nazifascismo e os sujeitos da ordem mundial bipolar do pós-guerra,  com o surgimento da União Soviética.

Com a queda do Muro de Berlim, em 1989, voltamos a um  mundo unipolar sob hegemonia do capitalismo que, com seu caráter neoliberal,  anulou importantes conquistas sociais, introduziu o Estado mínimo e a  privatização do patrimônio público, promoveu a flexibilização dos direitos  trabalhistas e fez a especulação financeira sobrepor-se à produção  agroindustrial.

Iraque e Afeganistão revelam hoje a face mais cruel  desse mundo unipolar no qual os EUA se empenham em assegurar para si uma  preciosa mercadoria em fase de escassez: o petróleo. Morreram, naqueles  países, mais de 1 milhão de pessoas, a maioria civis e, do lado do agressor,  75 mil soldados usamericanos, mortos ou feridos.

Na América Latina, a principal vítima da hegemonia  unipolar é Cuba, submetida ao bloqueio econômico pelos EUA, o que já lhe  causou prejuízo superior a US$ 50 bilhões.

O povo mexicano sabe-se, hoje, vítima do engodo que  foi o Tratado de Livre Comércio assinado com os EUA, cujo fracasso abortou a  proposta usamericana da ALCA. Dizia-se que os mexicanos alcançariam a mesma  renda per capita dos estadunidenses. Hoje, a renda per capita dos mexicanos  equivale a apenas 0,32% da renda dos canadenses e 0,25% dos estadunidenses. A  economia mexicana encontra-se inteiramente desnacionalizada e, a cada ano,  cerca de 750 mil mexicanos emigram para os EUA à procura de  trabalho.

Segundo a Cepal, a pobreza no México era  de 39% da população antes do Tratado. Hoje é de 50,9%. Outras fontes estimam  em 70% da população em condição de pobreza (Ulloa Bonilla, 2007).  

Apesar do amplo espectro de pobreza no mundo, o  monopólio midiático do capitalismo dissemina no imaginário popular a  inquestionável superioridade do sistema de apropriação privada dos bens e da  riqueza e sua plena consonância com a democracia e a liberdade. Na falta de  pão, o circo provoca uma espécie de anestesia na mente daqueles que são as  maiores vítimas do sistema.

Basta olhar em volta para se dar conta dos efeitos do  sistema: a degradação ambiental; a crise energética; a alta dos alimentos; a  escassez de água; os fluxos migratórios; o terrorismo; o tráfico de drogas, de  pessoas e de armas; a manipulação dos medicamentos e das patentes genéticas;  e, agora, a crise econômica iniciada em setembro de 2008 e que afeta duramente  a área do euro.

As eleições de 2010 no Brasil não podem ignorar o  protagonismo de nosso país nessa conflitiva conjuntura mundial. E o direito à  soberania e autodeterminação dos países da América Latina e do  Caribe.

- Frei Betto é escritor, autor, em parceria com Marcelo  Barros, de “O amor fecunda o Universo – ecologia e espiritualidade” (Agir),  entre outros livros. www.freibetto.org
<http://www.freibetto.org>   Twitter:@freibetto

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