Rodada Doha: Todos os motivos para continuar dizendo não

30/11/2009
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Nos dias 30 de novembro e 1 e 2 de dezembro, a OMC faz mais uma de suas reuniões ministeriais. Apesar de, até o momento, não estar formalmente pautado nada sobre a conclusão da Rodada Doha na agenda, os ministros não vão deixar passar o encontro para mais um debate em torno dos temas que até aqui têm travado as discussões, tentando resolvê-los.
 
 Por um lado, essa reunião se difere muito das anteriores devido à eclosão da fase mais aguda da crise internacional no segundo semestre do ano passado. Essa crise, com suas múltiplas faces – alimentar, ambiental, energética e financeira, entre outras – foi uma demonstração evidente do que vínhamos falando há muito tempo, e que ficou cada vez mais público desde os enfrentamentos de Seattle há 10 anos atrás: que um mundo baseado nos princípios liberais, além dos efeitos de concentrar cada vez mais renda, riqueza e poder entre os países e no interior de cada um desses países, é destrutivo do próprio ponto de vista do capitalismo.
 
Por outro lado, a ampliação do debate climático ao redor da Conferência das Partes – COP 15, em Copenhague, em dezembro, traz a tona à necessidade de condenação do modelo de produção e consumo – responsável pelo aquecimento global – que tem no eixo comercial um de seus alicerces mais importantes. Não é a toa que um dos pontos de pauta da Ministerial da OMC é a não violação em TRIPS, ou seja, estão preocupados que possíveis medidas para o enfrentamento das mudanças climáticas, como a transferência de tecnologia, possam se contrapor aos mecanismos de proteção da propriedade intelectual previstas no acordo.
 
Neste sentido, é absolutamente inadmissível que os ministros voltem a se reunir sobre a OMC defendendo os mesmos princípios de liberalização comercial progressiva em todas as áreas de negociação da OMC que contribuíram, junto com a liberalização financeira, para levar o mundo à crise. Mais liberalização representa mais crise, e é isso que os ministros devem compreender. O rumo da prosa tem que mudar!
 
Por estas razões a REBRIP – Rede Brasileira Pela Integração dos Povos - demanda que o Governo Brasileiro pare de negociar nestes termos. Não haverá um mercado socialmente justo se a Rodada de Doha for concluída em prejuízo dos setores produtivos mais vulneráveis. Os desequilíbrios e assimetrias resultantes deste acordo levariam o Brasil e muitos outros países do Sul à desindustrialização, a um aprofundamento da privatização de serviços, à perda de empregos e limitações para o atendimento na prestação de serviços à população. Assim como resultaria em uma ainda maior falta de segurança e soberania alimentar, ao avanço dos monocultivos voltados a exportação. A insistência na liberalização de serviços financeiros em um momento em que até o G20 financeiro busca maior regulação mostra os riscos de tornar a atual crise financeira ainda maior. Os custos do fechamento de um acordo representariam mais sofrimento para a maioria do povo, no Brasil e no conjunto dos países em desenvolvimento, pequenos e/ou vulneráveis.
Agricultura
 
Não houve nenhum movimento significativo por parte da Europa e dos Estados Unidos no sentido de reduzirem os subsídios domésticos efetivamente praticados que tanto distorcem o comércio agrícola internacional e desestimulam a produção nos países do Sul. A crise global de alimentos, que só poderá ser enfrentada se os países tiverem espaço para formular e aplicar políticas públicas voltadas a garantia da segurança e soberania alimentar, apoiando a produção familiar e camponesa destinada a abastecer o mercado doméstico de alimentos, e neste sentido é fundamental que tenham todo o espaço político para manejar proteções especiais a sua agricultura doméstica. No caso do Brasil, infelizmente, até este momento, o Governo Brasileiro, ao priorizar os interesses do agronegócio nas negociações, coloca em plano secundário a defesa dos interesses da agricultura familiar e camponesa.
 
Os impactos ambientais das negociações
 
 Esta dinâmica das negociações estimula o aprofundamento de um modelo baseado na exportação de produtos agrícolas primários, de baixo valor agregado, que exigem o uso intensivo de energia, de água e de insumos químicos na sua produção e de vastas extensões de terras para a pecuária e os monocultivos, que aumentam a concentração fundiária e os desmatamentos, e empobrecem a biodiversidade. A recente corrida para a produção de agrocombustíveis e o interesse do Governo Brasileiro em liderar esta corrida, especialmente a do etanol a partir da cana-de-açúcar, não pode vir em detrimento da produção de alimentos. A expansão dos monocultivos em larga escala, deslocando outras produções para áreas ecologicamente importantes, desestimulando a produção de alimentos, e favorecendo a exploração degradante das condições de trabalho no setor sucroalcoleiro. É preciso ter em consideração: a liberalização, inclusive dos chamados serviços ambientar, prevista na agenda de Doha é um duro golpe nas pretensões ambientais que os movimentos sociais têm para Copenhague!
 
 NAMA - Acesso a Mercados para Produtos Não-Agrícolas
 
As negociações em curso sobre NAMA (sigla em inglês para Acesso a Mercados para Produtos Não-Agrícolas) também podem resultar em graves impactos sócio-ambientais, em especial sobre a biodiversidade e sobre as políticas, a legislação, e os programas de defesa do ambiente. Estas negociações incluem barganhas para a liberalização de produtos florestais como madeiras e minérios, além do setor de pesca e oceanos, visando o corte de tarifas, a diminuição ou eliminação de regulações e políticas públicas nacionais.
 
 TRIPS
 
O sistema de patentes vem sendo questionado pela sociedade de diversos países pois através dele se estabelece monopólios de bens essenciais - como medicamentos - e se apropria conhecimentos tradicionais dos povos, além de recursos genéticos, e é urgente sua revisão. A apropriação indevida desses recursos e conhecimentos por meio de patentes tem sido fonte de preocupação. É necessário que os pedidos de patentes passem a exigir informações detalhadas sobre a origem dos recursos genéticos e do conhecimento tradicional associado, bem como comprovação de consentimento prévio e divisão de benefícios, a requisitos necessários às obrigações patentárias originadas na Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB).
 
Construir alternativas é possível
 
 A OMC foi criada durante um período - os anos 90 - em que as teses do neoliberalismo eram hegemônicas no debate econômico e político. O Consenso de Washington prega a máxima abertura comercial, ampla desregulamentação financeira e redução do papel do Estado. A crise recente, com suas múltiplas facetas, reforçou a resistência contra os dogmas neoliberais e suas condicionalidades. Não podemos aceitar que a Rodada de Doha seja concluída nas bases propostas, pois isto representaria um retrocesso em relação às conquistas obtidas em nossas lutas de resistência e um distanciamento do Brasil da construção de alianças estratégicas com países como Argentina e Índia que têm tentado resistir no processo negociador da OMC. Também significaria um bloqueio ao processo de integração regional em curso, pois este requer preferências e prioridades para o desenvolvimento em nossa região, ao invés de destinarmos nossas estruturas produtivas à exportação para os países do Norte. E, mais do que tudo, significa reforçar os elementos que levaram o mundo à crise. Por estes motivos, dizemos mais uma vez Não a Rodada de Doha da OMC e conclamamos a sociedade brasileira a debater e resistir.
 
REBRIP- Rede Brasileira pela Integração dos Povos
https://www.alainet.org/pt/articulo/138077?language=en
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