Carta aos judeus

08/01/2009
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“Por mais que o governo de Israel e todos os  que o apoiam tentem, não irei odiar a vocês, irmãos judeus. Ainda que as  tropas israelenses matem centenas de crianças e pessoas inocentes, não irei  desejar a morte de suas crianças nem jogar a culpa na totalidade de seu povo.  

 

 “Mesmo que manchem a Faixa de Gaza com o sangue de um povo, que  também corre em minhas veias, metade árabe, não irei revoltar-me contra  nenhuma etnia nem julgar que há raças melhores ou com mais direitos que  outras, como quer nos fazer acreditar o governo  israelense.

 

 “Embora eu também queira ouvir as vozes judaicas de  protesto contra o massacre dos palestinos, não deixarei de condenar os que se  calaram diante do holocausto judeu. E mesmo que tomem à força a terra do povo  árabe, não irei jamais apoiar o confisco dos bens do povo judaico, praticado  há tempos pelo governo nazista.

 

 “Por mais que o governo de Israel  e todos que o apoiam traiam a tradição hebraica dos grandes profetas que  clamaram por justiça e paz, ainda quero manter viva a esperança que eles  anunciaram. Mesmo que joguem sua memória na lata de lixo, faço dos profetas do  antigo Israel os meus profetas, pois o anúncio da justiça não distingue  credos, nações ou etnias.

 

 “Sei que muitos de vocês condenam a  violência, não apóiam o massacre dos árabes palestinos, e gostariam que o  governo de Israel respeitasse as decisões da ONU e o clamor da comunidade  internacional pelo cessar-fogo imediato. Mas, gritem! Se sua voz não for  ouvida, acreditar-se-ão com razão aqueles que ainda falam mal de seu povo.  

 

 “Mesmo que sejam deploráveis todos os anti-semitas, o silêncio  dos judeus diante do massacre perpetrado pelo país que ostenta a estrela de  Davi na bandeira pode ser usado como reforço para os argumentos torpes da  superioridade racial.

 

 “Há mais de 60 anos seu povo clamou ao  mundo por solidariedade. Chegou o momento de retribuir, de mostrar que a  solidariedade é um sentimento universal e não restrito a uma etnia. Não deixem  o governo de Israel fazer esquecer o quanto vocês sofreram como vítimas, só  porque agora ele é algoz e está protegido pela maior potência mundial, os  EUA.

 

 “Não permitam que a ação de Israel faça parecer que, apesar  das manifestações mundiais de condenação, seu Estado se acredita o único que  possui razão, pois era assim que o governo alemão pensava no tempo do  nazismo.

 

 “Estejam certos de uma coisa: independentemente do  resultado da absurda campanha israelense ou qualquer que seja a posição de seu  povo diante da violência e injustiça cometida por aquele país, não irei ceder  à tentação do pensamento racista; não irei apagar da minha memória a  catástrofe do nazismo e o sofrimento do povo judeu; não irei pensar que há  povos que não merecem nação e que devem ser eliminados; não deixarei de  condenar o anti-semitismo ou qualquer tipo de preconceito  étnico.

 

 “Continuarei defendendo a idéia de que todos, sem  distinção, somos iguais, e temos os mesmos direitos: judeus, negros, árabes,  índios, asiáticos etc. Manter-me-ei firme em minhas convicções, pois jamais  quero me igualar aos governantes de Israel e àqueles que o  apóiam.”

 

 Faço minhas as palavras de meu querido amigo Maurício  Abdalla, companheiro no Movimento Fé e Política, professor de filosofia da  Universidade Federal do Espírito Santo e autor de reconhecida qualidade, como  o comprova o texto acima, que tão bem traduz a indignação e a dor de tantos  que testemunhamos a guerra do Oriente Médio.

 

 Vários intelectuais  judeus têm manifestado indignação frente às operações do Estado de Israel. Tom  Segev, historiador e cientista político, escreveu no “Haaretz” que “Israel  sempre acreditou que causar sofrimento a civis palestinos os faria  rebelarem-se contra seus líderes nacionais, o que se mostrou errado várias  vezes”. O escritor Amos Oz sublinhou: “chegou o tempo de buscar um  cessar-fogo”, com o que concorda o escritor David Grossman e o ex-chanceler  israelense Shlomo Ben-Ami.

 

 

- Frei Betto é escritor, autor  de “A mosca azul – reflexão sobre o poder” (Rocco), entre outros livros.  

 

https://www.alainet.org/pt/articulo/131762?language=en
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