"Doha a quem doer"

31/07/2008
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Mesmo que ninguém de nós tivesse passado procuração, nestes dias os grandes do mundo estavam negociando o nosso futuro. Já é um alívio saber que não fecharam negócio. Ao menos continuamos na nossa, embora sabendo que a situação não é nada boa. Mas poderia ficar muito pior.

De fato, os noticiários informaram que fracassou mais uma rodada de negociações, no âmbito da OMC, a “Organização Mundial do Comércio”, que visava um novo e amplo acordo regulatório do comércio mundial, na alegada intenção de liberalizar as importações e exportações entre os países, tudo para proporcionar maior crescimento econômico para todos.

Estas as intenções. Mas não foram capazes de produzir um consenso mínimo. Sinal de que ninguém de fato acredita nelas. Quando se trata de negócios, a experiência ensina que o fator determinante é o interesse do mais forte, não a solidariedade para com os mais fracos.

Convém saber um pouco mais desta história. Até para ficarmos mais expertos, e não cair na ingenuidade que pode comprometer o futuro de nossos países.

Esta rodada de negociações, patrocinada pela OMC, foi chamada de Rodada de Doha, porque iniciou ainda em 2001, na Quarta Conferência da OMC, realizada em Doha, capital do Katar. Portanto, faz um bom tempo que estão negociando, e o nome da rodada continua o mesmo para dizer que ainda não se chegou a um acordo sobre as propostas apresentadas em Doha. Depois houve outras conferências, em Cancun, em Genebra, em Paris, em Hong Kong, e agora de novo em Genebra. E nada de acordo. Tudo indica que, finalmente, as negociações vão ser encerradas, com o reconhecimento do fracasso definitivo das propostas de Doha.

Que propostas?

De um lado, os países ricos e desenvolvidos, representados pelo famoso G7, querem facilidades para vender seus produtos industriais e seus serviços. De outro lado, os países em desenvolvimento querem maiores facilidades para vender os seus produtos agrícolas, as famosas “commodities”.

Qual o impasse?

Os países em desenvolvimento querem que os países ricos diminuam os enormes subsídios que estes dão aos seus agricultores, dificultando com isto o acesso dos produtos agrícolas dos países pobres. Para se ter uma idéia, a União Européia destina trezentos bilhões de dólares por ano para subsidiar os seus agricultores. De tal modo, por exemplo, o açúcar produzido na Europa sai sete vezes mais caro do que o açúcar produzido no Brasil. Mas eles não querem mudar este sistema, com receio de desestabilizar os seus agricultores. Por outro lado, os países em desenvolvimento não querem deixar livre entrada para os produtos industriais e de serviços, para não inviabilizar sua indústria incipiente.

Quais os riscos?

Os riscos maiores ficam por nossa conta. Pois a livre entrada de produtos tecnologicamente mais avançados tende a levar à falência nossas indústrias, aumentando o desemprego, e deixando-nos cada vez mais dependentes dos países evoluídos. E ainda pior, para pagar as contas com a venda de produtos agrícolas, que são mais baratos e não agregam muito valor, teríamos que produzir sempre mais, com o risco de esgotar os recursos naturais, tornando nossa economia ecologicamente insustentável.

Qual o problema?


Falta solidariedade. A propalada “liberalização” da economia mundial acaba sendo, na verdade, um disfarce para encobrir a busca de interesses corporativistas, atropelando direitos coletivos. A liberdade total de comércio entre desiguais sempre serviu de pretexto para a dominação dos fortes sobre os fracos.

A OMC surgiu em 1995, no auge da “década do encanto neo liberal”, substituindo o antigo GATT, o “acordo geral de tarifas”. O fracasso da rodada de Doha aponta para a urgente necessidade de mudanças nos princípios que regem a economia mundial. Ela precisa ser colocada a serviço da vida de toda a humanidade, e não ficar prisioneira de interesses corporativistas, seja de nações privilegiadas ou de multinacionais.

Já dizia Jesus: “O sábado foi feito para o homem, e não o homem para o sábado”. Parafraseando, “a economia existe para a humanidade, e não a humanidade para a economia”.
https://www.alainet.org/pt/articulo/128974?language=es
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