O Paraguai e a agenda de Lugo
28/04/2008
- Opinión
Curitiba (PR)
Desafios do novo presidente serão libertar economia do país do tripé – monocultura da soja, criação de gado para exportação e importação de produtos sem impostos; renegociar acordo de Itaipu reduziria a dependência por dólares.
“Somos como um Kuwait com energia elétrica, um país com excedente elétrico, e nos proíbem de comercializar nossa energia elétrica de forma livre”, denuncia o engenheiro Ricardo Canese, do movimento Tekojoja, em uma das várias comparações usadas para explicar a produção hidroelétrica de Itaipu, dividida entre Paraguai e Brasil. Após a vitória de Lugo, no dia 20 de abril, o tema colocou-se na ordem do dia, com a pressão desde setores representados pelos principais jornais do país (ABC Color, por exemplo), até representantes dos movimentos populares.
Em meio ao cabo de guerra das declarações, Frei Betto esteve em Assunção e teria sinalizado a disposição brasileira para negociar. O presidente Lula, de início, negou alteração nos acordos. Mas os paraguaios preferem apostar no compromisso deixado após a reunião do dia 3 de abril, com Fernando Lugo e sua assessoria.
O ex-bispo eleito presidente no último dia 20 aglutinou diversos grupos políticos, exigindo em primeiro lugar a venda de hidroeletricidade pelo preço de mercado. Quando os Tratados de Itaipu foram firmados, em 1973, a cotação do petróleo era de apenas 3 dólares por barril. Hoje, já ultrapassa a marca dos 100 dólares. Enquanto isso, o preço do MW vendido ao Brasil se manteve nos mesmos patamares. Detalhe: o Paraguai importa 100% de todo o petróleo que utiliza. Segundo cálculos do engenheiro Ricardo Canese, essa distorção (o preço do petróleo em alta e a manutenção do valor do MW vendido em Itaipu) provoca uma sangria anual no cofre do país da ordem de US$ 700 milhões (veja entrevista). A outra reivindicação de Fernando Lugo é a possibilidade de o Paraguai negociar os excedentes de Itaipu com outros países, por um preço de mercado.
Imperialismo do lado de cá
Bolívia e Paraguai são os únicos países com excedentes energéticos no Cone Sul. Estreitar relações com a Bolívia (cuja Agenda de Outubro luta pelo controle dos hidrocarbonetos) é um dos objetivos do movimento popular. Estar no Paraguai é olhar ao imperialismo por outro ângulo. O mercado de distribuição do petróleo, por exemplo, está concentrado em transnacionais como Texaco, Esso e, sobretudo, a Petrobrás, que pode vir a ser a maior distribuidora do mercado interno. O que se soma ao imperialismo brasileiro na cultura, no cotidiano e inclusive no idioma. Sem a energia do Paraguai, o Estado brasileiro teria que incrementar a produção de petróleo. “Brasil carece de alternativas energéticas de baixo custo para substituir a barata energia paraguaia de Itaipu, razão pela qual carece de sentido que lhe presenteamos nossa energia a um valor muito abaixo de seu valor de mercado”, descreve Canese no livro “La recuperación de la soberania hidroeléctrica del Paraguay”.
O Paraguai importa paga US$ 800 milhões anuais com a compra de petróleo, o que representa 50% das suas importações. “É a relação que existia entre a metrópole e a colônia, obrigada a vender a quem havia capturado sua soberania sobretudo o que produzia, sem poder vendê-lo a outro comprador, nem ao preço de mercado. Neste sentido, os tratados de Itaipu e Yacyretá (hidrelétrica binacional com a Argentina) são claramente colonialistas”, escreve Canese.
Enfrentamento ou aliança?
Os cem primeiros dias de governo são considerados essenciais pela base de apoio de Fernando Lugo, da Alianza Patriotica para el Cambio (APC). O programa de governo prevê medidas de transição urgentes, a partir do dia 15 de agosto, quando tomar posse. Entre as medidas, estão o combate à pobreza, geração de emprego, segurança e saúde. Em cada área, uma equipe técnico/política está sendo formada para dar conta da tarefa.
No entanto, a contradição se encontra em medidas de longo prazo que questionem a estrutura econômica do Paraguai, como pensa o economista Raúl Monte-Domecq, que deverão tocar nas questões trabalhista, energética e reforma agrária. A economia paraguaia, atualmente, está baseada no tripé: monocultura da soja, criação de gado para exportação e importação de produtos sem impostos, na zona franca de Ciudad del Leste (a principal do mundo, ao lado da cidade de Colón, no Panamá). “São três grandes rumos que não geram riqueza real, não geram industrialização”, analisa.
Do ponto de vista da classe trabalhadora, a luta por melhores condições de trabalho também está colocada na agenda. “O salário mínimo é o salário máximo por aqui. Os trabalhadores não têm seguro social. Temos que aglutinar vários setores, com planteamentos concretos, para articular com o governo”, comenta Alda Robles, do Sindicato de Funcionários de Hospitais de Clínicas.
Apesar da relevância, o tema de Itaipu não é contraditório para setores como o Partido Liberal Radical Autêntico (PLRA), base de sustentação parlamentar do futuro governo, pois pode inclusive acelerar o avanço do capitalismo neste país. Por sua vez, a questão da reforma agrária ampla, passada a vitória de Lugo, ganha tom preventivo no discurso da mídia e dos liberais, contrários à desapropriação de terras. E os movimentos populares entendem que é necessário pressionar o novo governo pelas reformas prometidas.
Desafios do novo presidente serão libertar economia do país do tripé – monocultura da soja, criação de gado para exportação e importação de produtos sem impostos; renegociar acordo de Itaipu reduziria a dependência por dólares.
“Somos como um Kuwait com energia elétrica, um país com excedente elétrico, e nos proíbem de comercializar nossa energia elétrica de forma livre”, denuncia o engenheiro Ricardo Canese, do movimento Tekojoja, em uma das várias comparações usadas para explicar a produção hidroelétrica de Itaipu, dividida entre Paraguai e Brasil. Após a vitória de Lugo, no dia 20 de abril, o tema colocou-se na ordem do dia, com a pressão desde setores representados pelos principais jornais do país (ABC Color, por exemplo), até representantes dos movimentos populares.
Em meio ao cabo de guerra das declarações, Frei Betto esteve em Assunção e teria sinalizado a disposição brasileira para negociar. O presidente Lula, de início, negou alteração nos acordos. Mas os paraguaios preferem apostar no compromisso deixado após a reunião do dia 3 de abril, com Fernando Lugo e sua assessoria.
O ex-bispo eleito presidente no último dia 20 aglutinou diversos grupos políticos, exigindo em primeiro lugar a venda de hidroeletricidade pelo preço de mercado. Quando os Tratados de Itaipu foram firmados, em 1973, a cotação do petróleo era de apenas 3 dólares por barril. Hoje, já ultrapassa a marca dos 100 dólares. Enquanto isso, o preço do MW vendido ao Brasil se manteve nos mesmos patamares. Detalhe: o Paraguai importa 100% de todo o petróleo que utiliza. Segundo cálculos do engenheiro Ricardo Canese, essa distorção (o preço do petróleo em alta e a manutenção do valor do MW vendido em Itaipu) provoca uma sangria anual no cofre do país da ordem de US$ 700 milhões (veja entrevista). A outra reivindicação de Fernando Lugo é a possibilidade de o Paraguai negociar os excedentes de Itaipu com outros países, por um preço de mercado.
Imperialismo do lado de cá
Bolívia e Paraguai são os únicos países com excedentes energéticos no Cone Sul. Estreitar relações com a Bolívia (cuja Agenda de Outubro luta pelo controle dos hidrocarbonetos) é um dos objetivos do movimento popular. Estar no Paraguai é olhar ao imperialismo por outro ângulo. O mercado de distribuição do petróleo, por exemplo, está concentrado em transnacionais como Texaco, Esso e, sobretudo, a Petrobrás, que pode vir a ser a maior distribuidora do mercado interno. O que se soma ao imperialismo brasileiro na cultura, no cotidiano e inclusive no idioma. Sem a energia do Paraguai, o Estado brasileiro teria que incrementar a produção de petróleo. “Brasil carece de alternativas energéticas de baixo custo para substituir a barata energia paraguaia de Itaipu, razão pela qual carece de sentido que lhe presenteamos nossa energia a um valor muito abaixo de seu valor de mercado”, descreve Canese no livro “La recuperación de la soberania hidroeléctrica del Paraguay”.
O Paraguai importa paga US$ 800 milhões anuais com a compra de petróleo, o que representa 50% das suas importações. “É a relação que existia entre a metrópole e a colônia, obrigada a vender a quem havia capturado sua soberania sobretudo o que produzia, sem poder vendê-lo a outro comprador, nem ao preço de mercado. Neste sentido, os tratados de Itaipu e Yacyretá (hidrelétrica binacional com a Argentina) são claramente colonialistas”, escreve Canese.
Enfrentamento ou aliança?
Os cem primeiros dias de governo são considerados essenciais pela base de apoio de Fernando Lugo, da Alianza Patriotica para el Cambio (APC). O programa de governo prevê medidas de transição urgentes, a partir do dia 15 de agosto, quando tomar posse. Entre as medidas, estão o combate à pobreza, geração de emprego, segurança e saúde. Em cada área, uma equipe técnico/política está sendo formada para dar conta da tarefa.
No entanto, a contradição se encontra em medidas de longo prazo que questionem a estrutura econômica do Paraguai, como pensa o economista Raúl Monte-Domecq, que deverão tocar nas questões trabalhista, energética e reforma agrária. A economia paraguaia, atualmente, está baseada no tripé: monocultura da soja, criação de gado para exportação e importação de produtos sem impostos, na zona franca de Ciudad del Leste (a principal do mundo, ao lado da cidade de Colón, no Panamá). “São três grandes rumos que não geram riqueza real, não geram industrialização”, analisa.
Do ponto de vista da classe trabalhadora, a luta por melhores condições de trabalho também está colocada na agenda. “O salário mínimo é o salário máximo por aqui. Os trabalhadores não têm seguro social. Temos que aglutinar vários setores, com planteamentos concretos, para articular com o governo”, comenta Alda Robles, do Sindicato de Funcionários de Hospitais de Clínicas.
Apesar da relevância, o tema de Itaipu não é contraditório para setores como o Partido Liberal Radical Autêntico (PLRA), base de sustentação parlamentar do futuro governo, pois pode inclusive acelerar o avanço do capitalismo neste país. Por sua vez, a questão da reforma agrária ampla, passada a vitória de Lugo, ganha tom preventivo no discurso da mídia e dos liberais, contrários à desapropriação de terras. E os movimentos populares entendem que é necessário pressionar o novo governo pelas reformas prometidas.
Fonte: Brasil de Fato
http://www.brasildefato.com.br
https://www.alainet.org/pt/articulo/127241?language=es
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