Comensalidade: refazer a humanidade
17/04/2008
- Opinión
Comensalidade significa comer e beber juntos ao redor da mesma mesa. Esta é uma das referências mais ancestrais da familiariedade humana pois aí se fazem e se refazem continuamente as relações que sustentam a família.
A mesa antes que um móvel remete a uma experiência existencial e a um rito. Ela representa o lugar privilegiado da família, da comunhão e da irmandade. Partilha-se o alimento e junto com ele, comunica-se a alegria de encontrar-se, o bem-estar sem disfarces, a comunhão direta que se traduz pela sem cerimônia dos comentários dos fatos cotidianos, das opiniões sem censura sobre os acontecimentos da crônica local, nacional e internacional.
Os alimentos são mais que coisas materiais. São sacramentos do encontro e da comunhão. O alimento é apreciado e feito assunto de comentários. A maior alegria da mãe ou da cozinheira é perceber a alegria dos comensais.
Mas importa reconhecer que a mesa é também lugar de tensões e de conflitos familiares, onde as coisas são discutidas abertamente, diferenças são explicitadas e acertos podem ser estabelecidos. Onde há também silêncios perturbadores que revelam todo um mal-estar coletivo.
A cultura contemporânea modificou de tal forma a lógica do tempo cotidiano em função do trabalho e da produtividade que enfraqueceu a referência simbólica da mesa. Esta foi reservada para os domingos ou para os momentos especiais, de festa ou de aniversário, quando os familiares e amigos se encontram. Mas, via de regra, deixou de ser o ponto de convergência permanente da família.
A mesa familiar foi substituída lamentavelmente pelo fast food que permite apenas a nutrição mas não a comensalidade.
A comensalidade é tão central que está ligada à própria essência do ser humano enquanto humano. Há sete milhões de anos, teria começado a separação lenta e progressiva entre os símios superiores e os humanos, a partir de um ancestral comum. A especificidade do ser humano surgiu de forma misteriosa e de difícil reconstituição histórica. Entretanto, etnobiólogos e arqueólogos nos acenam para um fato singular: quando nossos antepassados antropóides saíam a recoletar frutos, sementes, caças e peixes não comiam individualmente o que conseguiam reunir. Tomavam os alimentos e os levavam ao grupo. E ai praticavam a comensalidade: distribuiam os alimentos entre si e comiam-nos grupal e comunitariamente.
Portanto, a comensalidade que supõe a solidariedade e a cooperação de uns para com os outros, permitiu o primeiro salto da animalidade em direção da humanidade. Foi só um primeiríssimo passo, mas decisivo porque coube a ele inaugurar a característica básica da espécie humana, diferente de outras espécies complexas (entre os chimpanzés e nós há apenas 1,6% de diferença genética): a comensalidade, a solidariedade e a cooperação no comer. Essa pequena diferença faz toda uma diferença.
Essa comensalidade que ontem nos fez humanos, continua ainda hoje a fazer-nos sempre de novo humanos. Por isso, importa reservar tempos para a mesa em seu sentido pleno da comensalidade e da conversação livre e desinteressada. Ela é uma das fontes permanentes de refazimento da humanidade hoje globalmente anêmica.
- Leonardo Boff é Teólogo.
A mesa antes que um móvel remete a uma experiência existencial e a um rito. Ela representa o lugar privilegiado da família, da comunhão e da irmandade. Partilha-se o alimento e junto com ele, comunica-se a alegria de encontrar-se, o bem-estar sem disfarces, a comunhão direta que se traduz pela sem cerimônia dos comentários dos fatos cotidianos, das opiniões sem censura sobre os acontecimentos da crônica local, nacional e internacional.
Os alimentos são mais que coisas materiais. São sacramentos do encontro e da comunhão. O alimento é apreciado e feito assunto de comentários. A maior alegria da mãe ou da cozinheira é perceber a alegria dos comensais.
Mas importa reconhecer que a mesa é também lugar de tensões e de conflitos familiares, onde as coisas são discutidas abertamente, diferenças são explicitadas e acertos podem ser estabelecidos. Onde há também silêncios perturbadores que revelam todo um mal-estar coletivo.
A cultura contemporânea modificou de tal forma a lógica do tempo cotidiano em função do trabalho e da produtividade que enfraqueceu a referência simbólica da mesa. Esta foi reservada para os domingos ou para os momentos especiais, de festa ou de aniversário, quando os familiares e amigos se encontram. Mas, via de regra, deixou de ser o ponto de convergência permanente da família.
A mesa familiar foi substituída lamentavelmente pelo fast food que permite apenas a nutrição mas não a comensalidade.
A comensalidade é tão central que está ligada à própria essência do ser humano enquanto humano. Há sete milhões de anos, teria começado a separação lenta e progressiva entre os símios superiores e os humanos, a partir de um ancestral comum. A especificidade do ser humano surgiu de forma misteriosa e de difícil reconstituição histórica. Entretanto, etnobiólogos e arqueólogos nos acenam para um fato singular: quando nossos antepassados antropóides saíam a recoletar frutos, sementes, caças e peixes não comiam individualmente o que conseguiam reunir. Tomavam os alimentos e os levavam ao grupo. E ai praticavam a comensalidade: distribuiam os alimentos entre si e comiam-nos grupal e comunitariamente.
Portanto, a comensalidade que supõe a solidariedade e a cooperação de uns para com os outros, permitiu o primeiro salto da animalidade em direção da humanidade. Foi só um primeiríssimo passo, mas decisivo porque coube a ele inaugurar a característica básica da espécie humana, diferente de outras espécies complexas (entre os chimpanzés e nós há apenas 1,6% de diferença genética): a comensalidade, a solidariedade e a cooperação no comer. Essa pequena diferença faz toda uma diferença.
Essa comensalidade que ontem nos fez humanos, continua ainda hoje a fazer-nos sempre de novo humanos. Por isso, importa reservar tempos para a mesa em seu sentido pleno da comensalidade e da conversação livre e desinteressada. Ela é uma das fontes permanentes de refazimento da humanidade hoje globalmente anêmica.
- Leonardo Boff é Teólogo.
https://www.alainet.org/pt/articulo/127031?language=es
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