A natureza diante da tormenta global
30/11/2007
- Opinión
A globalização atual está por trás de muitos dos problemas ambientais da América Latina. O fluxo exportador continental continua crescendo, mas essa inserção internacional continua dependendo de matérias-primas, que são simplesmente recursos naturais com escasso processamento e reduzido valor agregado, além de gerar sérios impactos ambientais.
Por um lado existe uma postura que reconhece a gravidade dos problemas ambientais, mas entende que a globalização é inevitável. Portanto renuncia a uma mudança na essência dos mecanismos internacionais e tenta incorporar à natureza nos mercados globais, administrando-a mediante mecanismos econômicos. Em compensação, para um outro setor a conservação de nossos recursos naturais só será possível se obtiver uma autonomia frente à globalização. Esse passo é indispensável para recuperar as possibilidades de um desenvolvimento sustentável que preserve a natureza.
Estas posições foram discutidas no Congresso Latino-americano de Áreas Protegidas, realizado há pouco tempo em Bariloche (Argentina). Um bom exemplo da aceitação fatalista da globalização foi dado pela Conservation International (CI), uma instituição multinacional dedicada a temas de conservação em vários países do continente. Esta organização apresentou o documento "Uma tempestade perfeita na Amazônia", redigido por Timothy Killeen, um pesquisador americano da CI que mora na Bolívia há vários anos, no qual ilustra com detalhes impactantes os problemas ambientais dos trópicos amazônicos. Seu prognóstico é abominável: é bem provável que somente um 30 a 40% da Amazônia seja preservado.
A análise da CI inclui muitos exemplos de conexões perversas da atual globalização seus efeitos ambientais, mas fica presa em suas propostas numa aceitação fatalista da globalização atual. Não haveria alternativas reais e possíveis frente a esta tormenta mundial, portanto, a única possibilidade é adaptar-se às suas regras. Deve-se reconhecer o predomínio dos mercados e manipulá-los mediante mecanismos regulativos, diz CI. Conseqüentemente, seus planos de gestão se baseiam essencialmente em mecanismos de mercados, seja cobrando pelos "serviços ambientais" ou subvencionando sistemas de produção que respeitem mais o ambiente.
O problema é que boa parte das propostas da CI reforçam a situação de um desenvolvimento dependente. Efetivamente, dedica-se muita atenção para vender os chamados créditos para a fixação de carbono, onde se financia a proteção da floresta como uma máquina para fixar os gases estufa gerados nos países industrializados. Assim como se vendem matérias-primas atualmente, sob esse mecanismo, poderemos vender "bônus de carbono", onde nossas terras passam a ser os sumidouros ecológicos para que os países industrializados mantenham seu ritmo de emissões contaminantes.
Esses mecanismos impõem um papel para a América Latina como amortecedor ambiental global, sob um mercado verde multinacional funcional no estilo de produção capitalista contemporânea. Este caminho não desencadeia mudanças na essência dos estilos de desenvolvimento, e deixa pendentes quase todos os problemas atuais, que vão desde a redistribuição da riqueza até a necessidade de gerar nossas próprias opções de industrialização.
Mas uma limitação da proposta da CI mais impactante ainda é a que parece desenvolver-se num vazio geopolítico. Muito pouco se diz das regras internacionais de comércio, da marcha da integração regional dentro da América Latina, ou das diferentes posturas governamentais sobre o desenvolvimento e a globalização. Apesar dos novos planos serem tratados de integração viária, não se analisa adequadamente que seu propósito atual é mergulhar cada vez mais nos mercados globais. Ficam pendentes questões chaves como o papel da Organização Mundial de Comércio, os termos de intercâmbio comercial, ou os fluxos de capital que financiam a extração dos recursos naturais. Em resumo, a CI se deixa levar pela tormenta global.
Na marcha econômica atual as exportações continuam crescendo em importância, mas a maior parte depende de recursos naturais. No Brasil e nos outros países do Cone Sul, as matérias-primas representavam 60% das exportações totais em 2005; nos países andinos chegava a 84,5 % do total das vendas externas. Em outras palavras, mais da metade das exportações dependem de recursos naturais, gerando uma pressão enorme sobre os espaços naturais. Embora o Chile seja apresentado como um exemplo de manejo econômico sério, supostamente muito diferente de seus vizinhos, sob a perspectiva de uma economia ecológica observamos que mais de 86% de suas exportações são produtos primários (recursos naturais com muito escasso processamento), portanto, muito similar ao padrão exportador de países como o Peru (85% das exportações totais) ou a Bolívia (89%). Esta dependência se repete em quase todos os países.
Os planos atuais de interconexão viária e energética visam acentuar esta estratégia cada vez mais, abrindo diferentes áreas silvestres, e em especial nos trópicos, por um lado à exploração e por outro vinculando-as com os portos oceânicos. Estes processos fazem com que a América Latina fique atada à globalização atual. De fato, o nível de consumo dos países industrializados e das novas economias de alto crescimento, como a China, só é possível aspirando recursos materiais e energia do Terceiro Mundo, portanto, essa mesma trama gera um tipo de globalização que permite essa transferência de recursos.
Para enfrentar estes problemas é necessário outra postura frente à globalização: a conservação e uso sustentável dos recursos naturais só é possível sob uma mudança radical nos estilos de desenvolvimento e nas relações globais. Portanto, qualquer proposta ecológica séria deve exigir outro estilo de desenvolvimento, e conseqüentemente outra mundialização. É possível que em alguns casos sejam úteis os mecanismos de mercado (em especial para evitar que os empreendimentos privados joguem os custos econômicos da deterioração ambiental para as comunidades locais ou municípios), mas serão indispensáveis outras medidas mais profundas sobre os estilos de desenvolvimento, reduzindo sua dependência dos recursos naturais e seu consumo energético, orientando-os em primeiro lugar para as necessidades nacionais e regionais, e só depois dirigir-se aos mercados globais.
Sob esta perspectiva o conceito de autonomia aparece como um conceito chave. É indispensável recuperar a autonomia frente à globalização, reconquistar a autonomia para ensaiar outros estilos de desenvolvimento que possam remontar as condições e exigências dos mercados globais. Não é possível insistir na adaptação da natureza aos mercados, senão que os mercados devem ser adaptados para assegurar a conservação da natureza. A partir desse compromisso os fatores globais tais como a demanda de recursos naturais e a dinâmica dos mercados financeiros internacionais devem ser enfrentados, assim como suas instituições políticas. Portanto, o caminho atual deve recuperar a autonomia para não ser arrastado pela tormenta global.
- Eduardo Gudynas, Pesquisador em D3E (Desenvolvimento, Economia, Ecologia e Eqüidade) em Montevidéu (Uruguai)
http://www.miradaglobal.com/index.asp?id=ma&principal=260702&idioma=pt
Por um lado existe uma postura que reconhece a gravidade dos problemas ambientais, mas entende que a globalização é inevitável. Portanto renuncia a uma mudança na essência dos mecanismos internacionais e tenta incorporar à natureza nos mercados globais, administrando-a mediante mecanismos econômicos. Em compensação, para um outro setor a conservação de nossos recursos naturais só será possível se obtiver uma autonomia frente à globalização. Esse passo é indispensável para recuperar as possibilidades de um desenvolvimento sustentável que preserve a natureza.
Estas posições foram discutidas no Congresso Latino-americano de Áreas Protegidas, realizado há pouco tempo em Bariloche (Argentina). Um bom exemplo da aceitação fatalista da globalização foi dado pela Conservation International (CI), uma instituição multinacional dedicada a temas de conservação em vários países do continente. Esta organização apresentou o documento "Uma tempestade perfeita na Amazônia", redigido por Timothy Killeen, um pesquisador americano da CI que mora na Bolívia há vários anos, no qual ilustra com detalhes impactantes os problemas ambientais dos trópicos amazônicos. Seu prognóstico é abominável: é bem provável que somente um 30 a 40% da Amazônia seja preservado.
A análise da CI inclui muitos exemplos de conexões perversas da atual globalização seus efeitos ambientais, mas fica presa em suas propostas numa aceitação fatalista da globalização atual. Não haveria alternativas reais e possíveis frente a esta tormenta mundial, portanto, a única possibilidade é adaptar-se às suas regras. Deve-se reconhecer o predomínio dos mercados e manipulá-los mediante mecanismos regulativos, diz CI. Conseqüentemente, seus planos de gestão se baseiam essencialmente em mecanismos de mercados, seja cobrando pelos "serviços ambientais" ou subvencionando sistemas de produção que respeitem mais o ambiente.
O problema é que boa parte das propostas da CI reforçam a situação de um desenvolvimento dependente. Efetivamente, dedica-se muita atenção para vender os chamados créditos para a fixação de carbono, onde se financia a proteção da floresta como uma máquina para fixar os gases estufa gerados nos países industrializados. Assim como se vendem matérias-primas atualmente, sob esse mecanismo, poderemos vender "bônus de carbono", onde nossas terras passam a ser os sumidouros ecológicos para que os países industrializados mantenham seu ritmo de emissões contaminantes.
Esses mecanismos impõem um papel para a América Latina como amortecedor ambiental global, sob um mercado verde multinacional funcional no estilo de produção capitalista contemporânea. Este caminho não desencadeia mudanças na essência dos estilos de desenvolvimento, e deixa pendentes quase todos os problemas atuais, que vão desde a redistribuição da riqueza até a necessidade de gerar nossas próprias opções de industrialização.
Mas uma limitação da proposta da CI mais impactante ainda é a que parece desenvolver-se num vazio geopolítico. Muito pouco se diz das regras internacionais de comércio, da marcha da integração regional dentro da América Latina, ou das diferentes posturas governamentais sobre o desenvolvimento e a globalização. Apesar dos novos planos serem tratados de integração viária, não se analisa adequadamente que seu propósito atual é mergulhar cada vez mais nos mercados globais. Ficam pendentes questões chaves como o papel da Organização Mundial de Comércio, os termos de intercâmbio comercial, ou os fluxos de capital que financiam a extração dos recursos naturais. Em resumo, a CI se deixa levar pela tormenta global.
Na marcha econômica atual as exportações continuam crescendo em importância, mas a maior parte depende de recursos naturais. No Brasil e nos outros países do Cone Sul, as matérias-primas representavam 60% das exportações totais em 2005; nos países andinos chegava a 84,5 % do total das vendas externas. Em outras palavras, mais da metade das exportações dependem de recursos naturais, gerando uma pressão enorme sobre os espaços naturais. Embora o Chile seja apresentado como um exemplo de manejo econômico sério, supostamente muito diferente de seus vizinhos, sob a perspectiva de uma economia ecológica observamos que mais de 86% de suas exportações são produtos primários (recursos naturais com muito escasso processamento), portanto, muito similar ao padrão exportador de países como o Peru (85% das exportações totais) ou a Bolívia (89%). Esta dependência se repete em quase todos os países.
Os planos atuais de interconexão viária e energética visam acentuar esta estratégia cada vez mais, abrindo diferentes áreas silvestres, e em especial nos trópicos, por um lado à exploração e por outro vinculando-as com os portos oceânicos. Estes processos fazem com que a América Latina fique atada à globalização atual. De fato, o nível de consumo dos países industrializados e das novas economias de alto crescimento, como a China, só é possível aspirando recursos materiais e energia do Terceiro Mundo, portanto, essa mesma trama gera um tipo de globalização que permite essa transferência de recursos.
Para enfrentar estes problemas é necessário outra postura frente à globalização: a conservação e uso sustentável dos recursos naturais só é possível sob uma mudança radical nos estilos de desenvolvimento e nas relações globais. Portanto, qualquer proposta ecológica séria deve exigir outro estilo de desenvolvimento, e conseqüentemente outra mundialização. É possível que em alguns casos sejam úteis os mecanismos de mercado (em especial para evitar que os empreendimentos privados joguem os custos econômicos da deterioração ambiental para as comunidades locais ou municípios), mas serão indispensáveis outras medidas mais profundas sobre os estilos de desenvolvimento, reduzindo sua dependência dos recursos naturais e seu consumo energético, orientando-os em primeiro lugar para as necessidades nacionais e regionais, e só depois dirigir-se aos mercados globais.
Sob esta perspectiva o conceito de autonomia aparece como um conceito chave. É indispensável recuperar a autonomia frente à globalização, reconquistar a autonomia para ensaiar outros estilos de desenvolvimento que possam remontar as condições e exigências dos mercados globais. Não é possível insistir na adaptação da natureza aos mercados, senão que os mercados devem ser adaptados para assegurar a conservação da natureza. A partir desse compromisso os fatores globais tais como a demanda de recursos naturais e a dinâmica dos mercados financeiros internacionais devem ser enfrentados, assim como suas instituições políticas. Portanto, o caminho atual deve recuperar a autonomia para não ser arrastado pela tormenta global.
- Eduardo Gudynas, Pesquisador em D3E (Desenvolvimento, Economia, Ecologia e Eqüidade) em Montevidéu (Uruguai)
http://www.miradaglobal.com/index.asp?id=ma&principal=260702&idioma=pt
https://www.alainet.org/pt/articulo/124509?language=en
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