Quem vai cuidar de Cláudia?
12/11/2007
- Opinión
A infância de Lais acabou no domingo dia 4 de novembro, atingida pela queda de um avião. Seus 11 anos foram brusca e definitivamente amadurecidos pela queda do Learjet da empresa Reali Táxi Aéreo sobre a casa onde conversava com a amiga Cláudia, em São Paulo.
No quarto de Cláudia, de 16 anos, Laís conversava sobre “coisas de meninas”, segundo seu próprio relato. Foi quando a casa começou a tremer e as coisas a voarem. Lais viu que tudo explodia e percebeu-se no meio do fogo e da poeira. Pensava, com dor e tristeza, que não queria morrer enquanto sentia o armário e os tijolos cobri-la de peso e de pó.
Ouvindo os gritos da amiga, a voz do avô que por ela chamava, Laís começou a sair de suas trevas de escombros pela voz dos bombeiros que lhe diziam para respirar fundo. Por entre o ar escasso e empoeirado, seus pulmões foram se abrindo para a vida quase perdida e felizmente reencontrada. Resgatada com vida e ferimentos no lábio e nos olhos, Laís já teve alta e passa bem.
Sua infância, no entanto, ficou para trás, perdida no momento anterior à explosão que a tudo destruiu: a casa pobre, humilde e digna da família de Cláudia. E as vidas das oito pessoas que constituíam toda a sua família. O cotidiano despreocupado e sintonizado em namoricos e conversinhas de meninas chegou até ali. A proximidade da morte trouxe consigo prematuramente a idade adulta.
Pré-adolescente, Laís ouvia as confidências amorosas de Cláudia e guardava bem guardados os segredos da amiga. O acidente, além de ferir-lhe o lábio e os olhos, atirou-a irremissivelmente para o lado maduro e responsável da vida.
Desde o momento em que, com impressionante coragem, elogiada inclusive pelos próprios bombeiros, participou de seu próprio resgate, Laís só pensa em uma coisa: o que acontecerá com Cláudia? A amiga perdeu toda a família, está sozinha no mundo. Quem vai cuidar dela? O mesmo carinho e solidariedade que a faziam ouvir os relatos dos namoros de Cláudia e guardar segredo absoluto; a mesma amizade que a fez desobedecer ao avô e sair de casa para repassar a Cláudia a matéria perdida pela ausência escolar tomam hoje conta de Laís. Ela esquece seus ferimentos e dores no pescoço e nas costas para pensar na amiga.
Cláudia continua internada e ainda corre risco de vida. De saúde física e psíquica frágil, ela não tem ainda plena consciência que está sozinha no mundo e que perdeu a mãe, o pai, a irmã, a avó, além de um sobrinho de nove meses. Seu futuro ainda é incerto. A família de Laís se dispõe a adotá-la. Mas parentes distantes manifestam o mesmo desejo. Cláudia não deve ficar desamparada.
No entanto, mesmo que não houvesse parentes nem perspectiva de adoção, Cláudia não estaria sozinha. O coração de Laís, que é grande e bate além de seu pequeno peito, estaria sempre aí, presente, para preocupar-se amorosamente e perguntar: Quem vai cuidar de Cláudia?
Em meio à dor e à fatalidade do acidente, a pequena Laís com sua capacidade de amar é um facho de luz e esperança. Mostra que o amor e a compaixão superam tudo, inclusive a dor, o sofrimento e a morte. Em lugar de se lamentar pelo trauma que sofreu e os ferimentos que ainda a incomodam, Laís só pensa em Cláudia.
O ministro Jobim e a ANAC investigam as causas do acidente. A Reali Táxi Aéreo ofereceu suporte às vítimas em um primeiro momento, mas agora a psicóloga que assistia Laís e sua família não é encontrada pelo telefone. O coração de Laís, no entanto, bate ao compasso da dor de Cláudia. Enquanto houver gente como Laís, sempre haverá quem cuide de Cláudia. Enquanto houver pessoas que pensam mais nos outros que em si mesmas, toda dor e solidão, por maior que sejam, encontrarão amparo e alívio.
- Maria Clara Lucchetti Bingemer , teóloga, professora e decana do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio. Autora de "Simone Weil - A força e a fraqueza do amor” (Ed. Rocco).
No quarto de Cláudia, de 16 anos, Laís conversava sobre “coisas de meninas”, segundo seu próprio relato. Foi quando a casa começou a tremer e as coisas a voarem. Lais viu que tudo explodia e percebeu-se no meio do fogo e da poeira. Pensava, com dor e tristeza, que não queria morrer enquanto sentia o armário e os tijolos cobri-la de peso e de pó.
Ouvindo os gritos da amiga, a voz do avô que por ela chamava, Laís começou a sair de suas trevas de escombros pela voz dos bombeiros que lhe diziam para respirar fundo. Por entre o ar escasso e empoeirado, seus pulmões foram se abrindo para a vida quase perdida e felizmente reencontrada. Resgatada com vida e ferimentos no lábio e nos olhos, Laís já teve alta e passa bem.
Sua infância, no entanto, ficou para trás, perdida no momento anterior à explosão que a tudo destruiu: a casa pobre, humilde e digna da família de Cláudia. E as vidas das oito pessoas que constituíam toda a sua família. O cotidiano despreocupado e sintonizado em namoricos e conversinhas de meninas chegou até ali. A proximidade da morte trouxe consigo prematuramente a idade adulta.
Pré-adolescente, Laís ouvia as confidências amorosas de Cláudia e guardava bem guardados os segredos da amiga. O acidente, além de ferir-lhe o lábio e os olhos, atirou-a irremissivelmente para o lado maduro e responsável da vida.
Desde o momento em que, com impressionante coragem, elogiada inclusive pelos próprios bombeiros, participou de seu próprio resgate, Laís só pensa em uma coisa: o que acontecerá com Cláudia? A amiga perdeu toda a família, está sozinha no mundo. Quem vai cuidar dela? O mesmo carinho e solidariedade que a faziam ouvir os relatos dos namoros de Cláudia e guardar segredo absoluto; a mesma amizade que a fez desobedecer ao avô e sair de casa para repassar a Cláudia a matéria perdida pela ausência escolar tomam hoje conta de Laís. Ela esquece seus ferimentos e dores no pescoço e nas costas para pensar na amiga.
Cláudia continua internada e ainda corre risco de vida. De saúde física e psíquica frágil, ela não tem ainda plena consciência que está sozinha no mundo e que perdeu a mãe, o pai, a irmã, a avó, além de um sobrinho de nove meses. Seu futuro ainda é incerto. A família de Laís se dispõe a adotá-la. Mas parentes distantes manifestam o mesmo desejo. Cláudia não deve ficar desamparada.
No entanto, mesmo que não houvesse parentes nem perspectiva de adoção, Cláudia não estaria sozinha. O coração de Laís, que é grande e bate além de seu pequeno peito, estaria sempre aí, presente, para preocupar-se amorosamente e perguntar: Quem vai cuidar de Cláudia?
Em meio à dor e à fatalidade do acidente, a pequena Laís com sua capacidade de amar é um facho de luz e esperança. Mostra que o amor e a compaixão superam tudo, inclusive a dor, o sofrimento e a morte. Em lugar de se lamentar pelo trauma que sofreu e os ferimentos que ainda a incomodam, Laís só pensa em Cláudia.
O ministro Jobim e a ANAC investigam as causas do acidente. A Reali Táxi Aéreo ofereceu suporte às vítimas em um primeiro momento, mas agora a psicóloga que assistia Laís e sua família não é encontrada pelo telefone. O coração de Laís, no entanto, bate ao compasso da dor de Cláudia. Enquanto houver gente como Laís, sempre haverá quem cuide de Cláudia. Enquanto houver pessoas que pensam mais nos outros que em si mesmas, toda dor e solidão, por maior que sejam, encontrarão amparo e alívio.
- Maria Clara Lucchetti Bingemer , teóloga, professora e decana do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio. Autora de "Simone Weil - A força e a fraqueza do amor” (Ed. Rocco).
https://www.alainet.org/pt/articulo/124172?language=es
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