Estratégias contra a Globo

03/10/2007
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Concordo que a mídia, e particularmente a Rede Globo, tem grande parcela de responsabilidade nos males do país

Tenho perdido tempo num dilema. Atacar frontalmente a mídia ou trabalhar a contra-informação? Quem acompanha esse blog sabe que venho optando preferencialmente pela segunda alternativa, embora inúmeras vezes tenha também deixado me levar pela emoção e partido para a agressão direta. Em legítima defesa, claro.

Concordo que a mídia, e particularmente a Rede Globo, tem grande parcela de responsabilidade nos males do país. Em nossa história recente, o papel da mídia foi decisivo em momentos chave. O golpe militar de 1964, por exemplo, não teria sido possível sem a vigorosa participação da mídia nacional. A interferência da imprensa no processo democrático não deveria ser uma coisa necessariamente negativa. Mas no Brasil tem sido e ainda é, devido à super-estrutura viciada de nossa realidade sócio-econômica.

Outra noite, discuti intensamente com um amigo sobre a conveniência ou não de questionarmos a renovação da concessão pública para a TV Globo. Por quê não questionar, me perguntava ele. Pois é. Também acho que poderia haver um questionamento. Mas tenho minhas dúvidas. O partido da mídia conseguiu, com sucesso, transmitir à sociedade brasileira uma série de preconceitos-clichês sobre "tendências autoritárias" do governo Lula, os quais estariam simplesmente aguardando uma oportunidade de virem à luz.

Tenho minhas dúvidas, repito, porque não acho que seja inteligente iniciarmos uma guerra que, de antemão, não poderíamos vencer. Neste caso, é melhor nem começá-la. A blogosfera tem sido a grande arma anti-mídia. Os canais fechados e, futuramente, a tv digital, também podem e poderão se tornar instrumentos para diluir o poder arbitrário de algumas empresas de comunicação.

Na minha opinião, a Globo é negativa, por uma série de motivos. Para outros milhões (alienados, ingênuos ou não), é um excelente canal de TV. Eu não gostaria de ver a Globo se fazendo de mártir da democracia. Se pensarmos bem, a Globo não é nada. Quem faz a Globo são seres humanos que ali trabalham, jornalistas, roteiristas, marketeiros. Existem indivíduos por trás. Vendidos, sufocados, honestos, inocentes, ambiciosos, gente. Prefiro atacar especificamente os indivíduos, as opiniões reais que eles expressam, do que atacar genericamente a Rede Globo.

Outro motivo que me leva a preferir a estratégia da contra-informação é saber que, em outras partes do mundo, a situação é similar, inclusive em países desenvolvidos. Talvez aqui seja pior, talvez aqui a nossa mídia tenha, particularmente, um histórico golpista, mas o fato é que, nos últimos anos, ela perdeu diversas vezes e parcela importante da sociedade conseguiu construir um aparato crítico intelectual bastante eficaz.

O que acontece hoje? A nossa imprensa continua explorando essa infelicidade congênita, patológica, de nossas classes médias, transformando-a em energia para atacar seletivamente seus desafetos políticos. O caso Renan Calheiros é emblemático. Mas o problema não está apenas na imprensa. E o PSOL, porque faz o jogo da mídia? Porque alguns políticos, como o Aloísio Mercadante, por exemplo, com 10 milhões votos, parecem tão titubeantes em dizer o que pensam e atacar essa ditadura da opinião?

A resposta talvez seja a mais simples. Eles têm medo. O Mercadante tem medo. O governo tem medo. Mas o medo não é necessariamente um sentimento negativo. Ao contrário, ter medo também é sinal de inteligência. O medo é uma de nossas intuições mais antigas e poderosas. Os cientistas detectaram medo até em organismos unicelulares. É uma intuição natural que nos empurra para longe do perigo. Mesmo contra a nossa vontade. O medo nos fez sobreviver até aqui.

Mas o medo é triste. A coragem é o que nos dá alegria. Há momentos em que o medo deixa de ser um instrumento de sobrevivência e se torna um sentimento degradante. Para vencer guerras, por exemplo, carece coragem. Para ter coragem, todavia, é preciso sentir-se forte. Daí a importância de criarmos um sistema de defesa consistente. Precisamos de mais anti-corpos.

Acho que uma das saídas para reduzir a vulnerabilidade dos indivíduos à manipulação midiática seria incluir nos currículos escolares e universitários diversos textos que pensem o papel da mídia na democracia. Textos que discutam o que fez a mídia no tempo de Vargas, na ditadura, nas eleições recentes. Esses textos estamos produzindo agora.

Na internet, essas discussões vêm ocorrendo de forma intensa. A luta é sobretudo ideológica - no sentido mais profundo e humanista do termo, inevitavelmente classista - e, como tal, envolve ciências, artes, humor e muita inteligência.

Miguel do Rosário é autor do blog Óleo do Diabo 

(http://oleododiabo.blogspot.com)

Fonte: Brasil de Fato

http://www.brasildefato.com.br

https://www.alainet.org/pt/articulo/123567?language=en
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