A eleição que não terminou
- Opinión
A saída do ministro Waldir Pires trouxe à tona a verdade sobre a cobertura dita jornalística da tragédia de São Paulo: a imprensa não admite que perdeu as eleições. Não foi o candidato do PSDB, nem o partido que não o apoiou, nem o Estado que ele governou. Quem perdeu as eleições foi a mídia. E não assimilou a derrota. A cada tentativa de derrubar o presidente, euripidianamente, nova frustração. A cada expectativa de um índice que dê esperança à sanha, nova derrota com o resultado das pesquisas. Desesperada, abriu os microfones para a classe média contrariada, que usou o espaço com um discurso agressivo, vaiou na abertura dos Jogos e culpou o presidente pela tragédia. Aumentou a solidão.
Como se trata de paixão e a opinião pública não assumiu o discurso iconoclasta, pessoal e hidrofórico, a mídia ficou cada vez mais solitária, falando para menos gente e sem encontrar eco ao seu discurso. Com os déficits, o desespero aumentou, enquanto as verbas governamentais seguiram outro destino. O descontrole dos colunistas ganhou espaço em editoriais agressivos, em suspeitas infundadas, em acusações levianas. Algumas o governo sequer contestou, como demonstrou Mauro Carrara.
O "animus furiandi" resultante da rejeição afetiva a fez sofrer a ameaça de perda de espaço e de "status", com a estruturação da TV pública. O caos está deixando o país sem alternativa. Emir Sader divulgou uma lista de jornais virtuais, em diversas línguas, inclusive espanhol, para quem quer se informar. Ou se cansou da ilusão de ética da mídia controlada pelas grandes empresas, preterida pelo grande público e sem verbas de comunicação do governo. Mesmo a informação democratizada pela internet não conteve a raiva da derrota acachapante.
O movimento migratório de telespectadores, ouvintes e leitores das emissoras de Rádio e TV comerciais para as públicas pode ser saudável. Esse fato que acontece aqui é o mesmo ocorrido com as TVs em diversos países da Europa. Ele se acentua com a internet e se alimenta do cansaço com o consumo de informação controlada, distorcida e maquiada. Sem saber, essa mídia está ajudando no amadurecimento do público consumidor de informação. A mais dura lição da derrota eleitoral da mídia, não foi a maior votação da história do país, dada pela população, mas quando ela, sentindo-se ofendida e usada, tranferiu milhões de votos do seu candidato ao presidente eleito, no segundo turno.
A raiva intensa, explosiva como em qualquer paixão antiga quando a relação se esgarça, avança no mesmo ritmo da perda de credibilidade. Como em abraço de afogado, juntam-se as mídias concentradas no eixo Rio-São Paulo, para punir a sociedade por sua escolha. A última forma foi o acidente aéreo. Nem o momento de dor imensurável das famílias, da sociedade e de um setor da economia, obteve trégua. Pires tem razão, é uma sanha que não leva nada em consideração, um desejo indômito de atingir o governo, mesmo que acabe com a sociedade que o elegeu.
Aos 80 anos Pires sabe identificar a insanidade. Especialmente quem exerce funções públicas há 50. O humor do noticiário se altera com a acentuação da crise. Agora jornalistas de expressão precisam rir ao anunciar as vaias ao presidente, não escondem a raiva, mesmo sofrendo desgastes na imagem e enfrentando perda de credibilidade. Não se sabe se crêem no que escrevem. Nem na recompensa salarial.
Como no caso de amor não correspondido, a maior dor é o novo amor do ser amado. Mesmo que a rejeição cause dor intensa, que cresça com os gestos espetaculares em troca da atenção, em vão, e sofra tal desgaste no desespero da conquista impossível, por fim não suporta o sofrimento e acaba. Paixão é mortal. No caso dessa, o que a mídia não consegue aceitar é a popularidade do presidente, nem que os ciclos se encerrem e, mais desatroso, que surjam novos modelos de mídia e informação, e se inaugurem formas civilizadas de relacionamento com os poderes. Eis o drama, que a tragédia acabou por mostrar.
Antonio Carlos Ribeiro é teólogo e jornalista.
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