Namoro líquido?

09/06/2007
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O grande pensador polones Zygmunt Bauman lançou há pouco tempo mais um livro de sua série, onde analisa a mudança introduzida pela pós-modernidade, a qual, segundo ele, torna tudo líquido. Assim tivemos de sua pena Modernidade líquida, Vida líquida etc.

Agora Bauman nos mostra que nem o amor escapa da liquidez própria a tudo que acontece com o mundo e às pessoas nos dias de hoje. Em Amor líquido, Bauman analisa como se dão as relações amorosas neste tempo de mudança epocal que vivemos, quando tudo que era sólido se desmanchou no ar e o amor, que era para ser sólido e gasoso, se fez líquido e agora escorre implacavelmente entre os dedos, sem que se possa retê-lo e muito menos experimentar sua consistência.

Na véspera de comemorar o Dia dos Namorados e ainda com toda a discussão provocada pela visita do Papa e os debates originados da Conferência de Aparecida, acreditamos ser oportuno fazer algumas reflexões e considerações sobre o amor e o namoro, essa forma de vivê-lo que parecia ter vindo para ficar, mas agora parece que - para pasmo meu e de muitos - também está com os dias contados.

Quem já namorou ou namora segundo os velhos padrões há de concordar comigo: não há nada melhor! Paixão, falta de sono para poder continuar pensando no ser amado. Correr ao telefone feito louca na certeza de que é ele ou ela. E ouvir a voz e suar frio e pegar na mão e suspirar. E desejar que as horas não passem para ficar mais tempo juntos, namorando, namorando e namorando.

E quem como eu acreditou no namoro e o levou para frente viu que nem só de escurinho do cinema vive o namoro, ou de beijos trocados e abraços roubados e juras trocadas...Quando ele se prolonga vêm as dificuldades a serem superadas, a necessidade de apoiar o outro e ficar firme ao seu lado mesmo quando não é gostoso nem fácil. Enfim, vem o compromisso que é sólido e não se desmancha no ar. Ao contrário, vai construindo uma relação que deverá se traduzir posteriormente, se tudo der certo, em uma união estável no casamento e na formação de uma família.

Porém, hoje assistimos ao fenômeno do que Bauman chama de “amor líquido.” Tudo menos solidez, menos compromisso. Hoje estou e amanhã não mais. As relações se fazem e se desfazem com a facilidade de um click do computador. Click...conectei e tem tudo a ver. Outro click e desconectei e não tem mais nada a ver. E vou clicar outro e conectar-me a outro ou a outra. Que amanhã poderá não ter mais nada a ver.

Ontem queria e agora já não quero. Hoje te beijei e amanhã não te conheço. Hoje fui tua e você foi meu, mas amanhã o líquido da relação descartável tomará a forma de outro recipiente, configurando a vida de outra pessoa...pelo espaço de alguns segundos. Pois logo depois já será hora de clicar de novo e mudar de rumo e de pessoa.

Não vamos negar que há uma certa coerência entre os adeptos do namoro líquido. Eles não chamam isso que vivem de namoro. Usam outras palavras: ficar etc. Ainda bem. Não deixa de ser igualmente inquietante. Pois de ficada em ficada parece que são as principais vítimas da liquidez em que transformaram suas vidas. E quando acordam para isso sentem-se dolorosamente vazios, sem sentido para viver. Tudo que era sólido se desmanchou no ar, toda sensação conseguida no sexo da véspera, de mil faces e nomes, se liquefez e escorre apodrecido entre dedos e mãos, deixando sabor amargo na boca e no coração.

Toda a progressão de sentimentos que a vivência de um namoro traz foi roubada e liquefeita no ralo da provisoriedade e não se deixa mais ser buscada e experimentada. Noite de luar, beijos apaixonados, declarações parecem não mais fazer parte do vocabulário dos que tomam esta via. Não conhecem a maravilha do namoro feito de paixão que se transforma em amor feito de carinho, ternura e compromisso, e que vai adquirindo consistência e solidez com a convivência e a entrega mútua.

No Dia dos Namorados desejo aos jovens que namorem. Que experimentem a delícia que é estar apaixonado e desejar passar o resto da vida fazendo feliz uma pessoa, ter filhos e construir juntos um projeto de vida. Projeto feito de seriedade, esforço, perdão e, às vezes, dor. Mas também de alegria, êxtase, prazer: ficar de mãos dadas, cabeça no ombro, segredo no ouvido. E a bendita cumplicidade que permite entender-se com o olhar sem necessidade de nada mais.

Feliz Dia dos Namorados a todos vocês. E a nós também que, embora juntos há muitíssimos anos, ainda achamos graça em jantar a dois, viajar juntos, trocar confidências, dar beijinhos. Tudo porque investimos no sólido e não no líquido ou no gasoso que desmancha no ar. Só posso dizer que vale a pena!

- Maria Clara Lucchetti Bingemer, teóloga, professora e decana do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio, é autora de "A Argila e o espírito - ensaios sobre ética, mística e poética" (Ed. Garamond), entre outros livros. (wwwusers.rdc.puc-rio.br/agape)
https://www.alainet.org/pt/articulo/121647?language=es
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