Entre mãe e filhos

25/03/2007
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Tive mãe, sou mãe e minha filha em breve será mãe. Por tudo isso creio que algo entendo sobre a relação entre mãe e filhos. É verdade que essa relação vem mudando nas últimas décadas, graças à psicanálise e outras descobertas das ciências humanas. As mães passaram a ser acusadas de muitos erros que os filhos cometem. E elas mesmas se sentem às vezes culpadas e divididas quanto aos filhos.

Não impede que a relação de mãe com aqueles que nasceram de seu ventre ainda contenha algo de perenidade, algo de único. Afinal, o processo da gestação, parturição e nutrição sempre foi assim com os seres humanos. O protagonismo da mãe em todo esse processo é único e indiscutível. Pelo menos até onde sabemos. E por isso se diz que mãe só há uma.

O fato de ter nascido do ventre de uma mulher é – ademais de saber que um dia morreremos – uma das poucas certezas que temos nesta vida. É ela que me diz quem sou. E tem o poder – pelo simples fato de sua maternidade - de configurar a vida e a personalidade dos filhos. Podemos brigar, renegar, afastar-nos, mas mãe é mãe. E a gente a ama mesmo que esteja errada. Briga com ela, mas ai dos outros se abrem a boca para emitir algum comentário desabonador. O sentimento filial aflora e somos capazes de defender com unhas e dentes aquela de quem antes discordávamos.

É mais ou menos isso que acontece entre nós católicos e nossa querida Igreja. Desde que abrimos os olhos para a vida de fé soubemos que não éramos órfãos. Tínhamos uma mãe: a comunidade eclesial, a quem pedimos que fosse mediadora da graça da fé na qual fomos batizados. Foi essa mãe que nos ensinou a falar a linguagem da fé.
Ensinou-nos a dizer “Creio”, “Pai Nosso”, “Senhor Jesus”, “Amém”. Acolheu-nos em seu seio materno e aí crescemos, nos desenvolvemos e nos tornamos adultos.

Trata-se portanto de uma relação profunda, visceral com aquela que chamamos de Santa Mãe Igreja. Sabemos que ela é santa e pecadora, já que composta de homens e mulheres fracos e limitados como nós mesmos. Mas a santidade que vem do Espírito que a preside tem precedência e toma a frente quando, tomados de um santo orgulho, a chamamos de Mãe e a sentimos como tal.

Sucede que às vezes a Mãe Igreja, através daqueles que têm a missão de governá-la, faz e diz coisas que não entendemos tão bem e a respeito das quais tendemos a não concordar. Calamos-nos por respeito, como faríamos com nossa mãe de carne e osso. Mas fica por dentro um saborzinho amargo de discórdia que nos deixa tristes demais.

Pior ainda é quando a palavra e a prática da Igreja começam a ser objeto de crítica contundente, nem sempre muito bem intencionada ou muito caridosa por parte de alguns, de muitos: mídia, intelectuais, enfim todas as instancias que detêm a formação de opinião na sociedade. Sentimos então uma sensação de muita solidão e mal-estar. Como nestes últimos dias, entre declarações, documentos, notificações e reações que enchiam o noticiário.

É como se nossa mãe estivesse sendo desvendada, exposta, criticada sem misericórdia. No fundo, até temos a tentação de achar que algumas das críticas são pertinentes. Mas como nos incomoda o fato de que outros o tragam a público e façam disso matéria de comentários pouco elegantes e escarnecedores!

Nestes momentos sentimos, filhos que somos, que só há uma atitude a tomar: a fidelidade que permanece contra toda intempérie e o amor que prevalece sobre todo mal-estar. A dor que nos machuca o peito dá testemunho do muito amor que temos por essa que nos gerou e nutriu e que continua sendo nossa mãe, aconteça o que acontecer. O que nos permite continuar amando é a certeza de que o Espírito Santo, que preside a Igreja, não pode enganar-se nem enganar-nos. E se é assim, em algum momento a luz virá, vencendo todas as obscuridades. Por isso vale a pena continuar crendo, esperando e amando. Vale a pena continuar sentindo na Igreja, como filhos dedicados sentem com a mãe que os gerou para a vida.

- Maria Clara Bingemer, teóloga, professora e decana do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio, é autora de "Deus amor: graça que habita em nós” (Editora Paulinas), entre outros livros. www.users.rdc.puc-rio.br/agape
https://www.alainet.org/pt/articulo/120207?language=es
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