Questionamentos Internacionais sobre os Impactos Ambientais da Expansão da Agricultura na Amazônia

05/12/2006
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1. Introdução

O Ministério das Relações Exteriores do Brasil informa que as suas unidades de representação nos países desenvolvidos vêm recebendo freqüentes interpelações a respeito das condições de sustentabilidade do desenvolvimento das atividades agropecuárias na Amazônia.

Especificamente tem sido cobrado do Brasil esclarecimentos sobre as condições de sustentabilidade da expansão, naquela região, da produção de grãos (nomeadamente, da soja, milho e algodão), e da pecuária.

Em que pese as duvidosas inspirações políticas por trás das indagações dos países ricos, o fato é que a sensibilidade política do assunto exige posicionamento qualificado à resposta do Brasil.

A mera recusa à negatividade desse nexo, conforme sugerem setores da área agrícola do governo e entidades de representação do agronegócio no Brasil, além de insustentável, no mérito, e até por isto, não contribui para os devidos esclarecimentos sobre as cusas reais desse processo. Tampouco, tem utilidade  para informar sobre a co-responsabilidade dos países ricos e, em consequência, para argumentar sobre a legitimidade da demanda de ações políticas solidárias, no plano internacional, para o enfrentamento do problema.

Como premissa de fundo cumpre admitir que enquanto importadores e consumidores de produtos agrícolas, no caso, esses países têm, sim, legitimidade para questionar a origem dos produtos que demandam no mercado internacional. Da mesma forma, constitui atitude contemporânea a preocupação com a preservação do meio ambiente em escala mundial e, no caso em apreço, das suas inter-relações com o comércio.

Portanto, a despeito de eventuais propósitos inconfessos dessas iniciativas com vistas à legitimação do protecionismo agrícola ou à pavimentação de pretensões políticas sobre o território da Amazônia, ainda mais ousadas, opinamos pela legitimidade dessas indagações, mas, exclusivamente, quando circunscritas ao campo do exercício dos direitos dos consumidores e da defesa do meio ambiente.

Convém, pois, de plano, manifestação condenatória a eventuais inspirações de ingerência política em assuntos que digam respeito à soberania do país na definição das suas políticas para o uso e a preservação dos recursos naturais da Amazônia.

2. A Expansão, na Amazônia, dos Produtos Questionados

Para a percepção básica das condições do processo recente de avanço, na Amazônia, dos produtos especificados, sintetizamos, a seguir, alguns dos seus parâmetros produtivistas, o que possibilitará, também, o diálogo com pontos de mérito sustentados pelos agronegócio no Brasil:

É verdadeira, em parte, a afirmação que a competitividade da agricultura brasileira se explica pela extensão de terras propícias à atividade, pelas condições climáticas e por elevados investimentos em tecnologia, máquinas e formação de capital humano. No entanto, afora esses fatores, outros, menos virtuosos, contribuem enormemente para que enfrentemos, com folga de competitividade, um mercado internacional violentamente distorcido pelos subsídios e protecionismo agrícola. Destacamos:

(i) o baixíssimo preço da terra comparativamente aos padrões internacionais o que estimula o processo de concentração fundiária;

(ii) a exploração intensiva e extensiva de recursos naturais, neste caso, propiciada pela elasticidade da fronteira norte;

(iii) as condições aviltantes de remuneração do trabalho na agricultura.Tomando-se um exemplo para a agricultura empresarial, enquanto um trabalhador tratorista no Brasil recebe, em média, 300 dólares mensais, na mesma atividade agrícola, nos Estados unidos e na Europa, o tratorista recebe, em média, 3.000 dólares mensais;

(iv) os incentivos tributários concedidos pela Lei Kandir, que isenta do pagamento de ICMS as nossas exportações de produtos primários, caracterizando subvenção de 17%, em média, sobre o valor das exportações de commodities;

(iv) o uso abusivo e sem controle de agrotóxicos, que reduzem custo de mão-de-obra, com alto custo ambiental, e com produtos muitas vezes proibidos em muitos outros paises.

Da mesma forma, não procede o discurso dominante sobre o virtuosismo das condições de expansão da agropecuária na Amazônia[1]. Com o respaldo das estatísticas disponibilizadas pela Companhia Nacional de Abasteciomento-Conab (http://www.conab.gov.br/conabweb/index.php?PAG=134) apresentamos, a seguir, quadro comparativo sintético entre as safras 1999/2000 e 2005/06[2], sobre a evolução, naquela região, da produção, produtividade e área dos produtos destacados no expediente do MRE:

GRÃOS - no período em consideração, a produção experimentou crescimento de 65%, passando de 16.5 milhões de toneladas, para 27.2 milhões de toneladas.

Contrastando com a afirmativa do documento do MRE sobre o incremento de produtividade como fator impulsionador do crescimento da produção agrícola no Brasil, esse aumento da produção de grãos na Amazônia se deveu basicamente à expansão da área que saltou 54%, passando de 7 milhões de hectares, para 10.8 milhões de hectares. No mesmo período, a produtividade cresceu 19%.

A participação da região na produção nacional de grãos, evoluiu de 20%, para 23%, ocorrendo, na safra 2005/06, uma forte redução em relação à safra anterior quando essa proporção chegou a 27%;

SOJA – a produção cresceu 101% (de 9 milhões de toneladas, para 18.2 milhões de toneladas). De novo, o fator preponderante para esse incremento da produção foi o crescimento de 124% na área plantada (3 milhões, para 7.8 milhões de hectares), enquanto a produtividade da cultura cresceu somente 4%.

Na safra 2005/06, a região passou a responder por 34% da produção nacional do produto contra 28% na safra 1999/2000;

MILHO – no período, a produção expandiu de 2.8 milhões de toneladas, para 5.2 milhões de toneladas (84%), neste caso, sob proporções equivalentes de incremento de área e produtividade. A área plantada passou de 1.5, para 2.0 milhões de hectares (28%), enquanto os ganhos de produtividade forma de 26%. De 9% na safra 199/00, a região passou a responder por 13% da produção nacional de milho, na safra 2005/06;

ALGODÃO – a produção total, basicamente concentrada em Mato Grosso, teve incremento de 49%, passando de 874 mil toneladas, para 1.3 milhão de toneladas. Também no caso do algodão, a expansão da área plantada com a cultura (35%), tem sido o principal fator responsável pelo incremento da produção regional. A produtividade da cultura cresceu 9% no período;

PECUÁRIA - nos anos mais recentes o rebanho bovino na Amazônia tem crescido a uma taxa extraordinária de cerca de 11% ao ano. De 2000 a 2005, o rebanho bovino regional cresceu 69%, passando de 47.5 milhões de cabeças, para 80.2 milhões.

Os dados acima indicam a escala excepcional de incorporação de áreas pela atividade agropecuária na Amazônia no curto período considerado que abarca o início e o declínio do mais recente boom do agronegócio internacional.

A argumentação segundo a qual a agricultura na Amazônia tem se expandido sobre o bioma cerrado, o que, portanto, invalidaria nexos desse processo com danos ambientais, não resiste a mais primária análise de consistência factual de mérito ambiental. Primeiro porque não podemos desprezar o fato de que o cerrado também tem sido objeto de fortes e irreparáveis impactos ambientais com a penetração da agricultura produtivista. E, segundo, porque esse processo de expansão da fronteira agrícola, especialmente com a soja e pecuária, inegavelmente tem alcançado, também e fortemente, a floresta amazônica. Tanto pela conversão agrícola direta da floresta (soja), como pelo ciclo de transição convencional dessa conversão (pecuária/soja).

3. Os Eixos Políticos para a ‘Defesa’ do Brasil

Avaliamos que sob a perspectiva do Brasil a explicação do fenômeno envolve três esferas de contextualização:

num prisma histórico há que se afirmar que não apenas o período recente de expansão da atividade agropecuária na Amazônia, mas o processo de ocupação/integração daquela região tem sido acompanhado, sim, de tensionamentos sociais e ambientais;

na visão histórica sugerida, constata-se o co-protagonismo direto, de empresas, sociedades e governos dos próprios países industrializados. Ou seja, tem sido evidente a co-responsabilidade histórica direta desses países na configuração do quadro que agora questionam;

observam-se os esforços que o Ministério do Meio Ambiente do Brasil vem desenvolvendo para provocar a inflexão dessa tendência histórica, por meio do maior vigor das medidas de comando e controle da política ambiental e do empenho pela definição de políticas proativas, via estímulos econômicos, visando a indução da sustentabilidade sócio-ambiental da atividade produtiva, em geral, com destaque para a agricultura na Amazônia. Neste caso, em que pese a ineficácia das mesmas, até então, face as dificuldades de processamento das medidas no âmbito da área econômica do governo.

Para a fundamentação dos eixos propostos, oferecemos as reflexões, na seqüência.

O processo espoliativo dos recursos naturais, de transferência de riqueza para o exterior e regiões mais ricas do país, e de exclusão social, têm sido as marcas da história econômica da Amazônia.

O período de ‘modernização autoritária’ da economia regional conduzido pelos governos do ciclo militar de 1964 visou dois objetivos estratégicos que, em ambos os casos, resultaram no acirramento das tensões sociais e ambientais na Amazônia. Objetivou-se, (i) a integração da região ao desenvolvimento capitalista do país, já sob a égide do capital monopolista nacional e internacional, via a desoligarquização da estrutura de poder sobre a Amazônia com a sua conseqüente centralidade no governo federal; (ii) e o estabelecimento de ações geopolíticas sobre as quais aportamos comentários, na sequência.

A base institucional que orientou o processo de integração da Amazônia ao desenvolvimento capitalista brasileiro foi garantida pela chamada "Operação Amazônia", cujos principais instrumentos, foram: o fortalecimento da política de incentivos fiscais, a política de terras e a de infra-estrutura básica.

No caso dos incentivos fiscais, sem dúvidas, grandes empresas dos EUA, da Europa e do Canadá destacaram-se entre os seus maiores beneficiários. Agraciados com fartas renúncias fiscais internas, entre outros, esses grupos se apropriaram de verdadeiros territórios na Amazônia e passaram a ser responsáveis diretos pela aceleração do processo de devastação ambiental da região através das atividades pecuária e madeireira. Neste caso, basicamente para fins de exportação para os países de origem cujos consumidores só recentemente passaram a expressar inquietações com os seus padrões de consumo pouco sustentáveis de produtos da Amazônia.

Apenas para efeito simbólico da co-responsabilidade dessas empresas dos países ricos nos processos de devastação da Amazônia recorde-se a repercussão internacional da queima simultânea de mais de 100 mil Ha de floresta amazônica, pela Volkswagen, no Sul do Pará (detectada por satélites europeus e americanos), para a instalação de projeto incentivado de pecuária de corte, na década de 1970.

Na realidade, o alvo da empresa com o empreendimento financiado com recursos dos contribuintes brasileiros foi a atividade paralela de devastação das ocorrências de mogno na área do projeto, totalmente destinado para exportação para a Alemanha.

Findo o prazo de gozo dos incentivos, a empresa abandonou o projeto. A área, transformada em latifúndio improdutivo, foi declarada de interesse para fins de desapropriação para reforma agrária, no final dos anos 90.

Auditoria do TCU (TC-005.708/94-0) sobre o FINAM (Fundo de Investimento da Amazônia), envolvendo o período de 1988 a 1993, concluiu por extensa lista de empresas estrangeiras, as quais, além das responsabilidades nos passivos sociais e ambientais com projetos pecuários na Amazônia, foram declaradas em situação de anormalidade na execução dos respectivos projetos com recursos públicos brasileiros.

Entre tais empresas, citamos: Comp. Souza Cruz Ind, Com, Chase Manhattan Adm. Serv. S/A, IBM Brasil Ind. Maq. e Serv. Ltda, Texaco do Brasil S/A, Dist. Lloyds Bank de Tit. e Val. Mob. S/A, Mercedes Benz do Brasil S/A, TNT Skypark do Brasil Ltda, Robertshaw do Brasil S/A, Nippon Amazon Aluminium CO. Ltda, Banco Fiat S/A, Poligran do Brasil Ltda, Elevadores Schindler do Brasil S/A,  Montreal Bank Serv. Adm. e Cart. Ltda, Banco de Montreal, Montrealbank S/A D.T.V.M, Montrealbank Finam S/A Cred. Financ. Inv, Bekum do Brasil Ind. e Com. Ltda....

Além de contar com todo o apoio e assessoramento dos estrategistas de Washington, a política dos governos militares, sob tais inspirações, concebeu e desenvolveu programa de colonização da região, que resultou em escalada extraordinária de destruição ambiental da Amazônia.

E isto, com o objetivo principal de ação preventiva contra a suposta infiltração, em território brasileiro, de movimentos de guerrilha oriundos de países da fronteira amazônica a exemplo das FARC e Sendero Luminoso. Floresta em pé, na concepção militar da época, em sintonia com o pensamento dos estrategistas americanos, era tida como ameaça à segurança nacional. Remonta, dessa época e dessa concepção, a metodologia dos órgãos de financiamento que passou a atribuir à floresta destruída, maior valor econômico que a floresta em pé, concepção que desde sempre prevaleceu nos projetos FINAM.

Um salto histórico daquele período, para o momento recente de expansão da atividade agrícola na Amazônia evidencia a manutenção da absoluta cumplicidade dos países, sociedades e empresas americanas e européias nas mazelas sociais e ambientais daquela região. Inclua-se, nessa fase mais recente, a atuação massiva de grupos asiáticos na exploração predatória dos recursos madeireiros da Amazônia, fato que motivou a criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito na Câmara dos Deputados.

Por que esses países têm responsabilidade nos impactos ambientais do recente processo de expansão da atividade agrícola na Amazônia?

Primeiro, porque face os efeitos de um sistema assimétrico de comércio, conseqüente da imposição dos interesses dos países industrializados vem se consolidando divisão internacional do trabalho que relega países como o Brasil à condição preponderante de fornecedores de produtos primários, agrícolas e não agrícolas, no primeiro caso, notadamente de proteína vegetal e carnes.

Este fato, combinado com as políticas econômicas internas subordinadas à administração do endividamento remete o Brasil, no caso, à aposta cega na geração de divisas pelo agronegócio exportador.

Oportunizando as vantagens comparativas da agricultura brasileira, antes comentadas, a saída para as dificuldades econômicas internas derivadas das restrições externas, tem sido a máxima exploração dessas vantagens com o deslocamento da atividade agrícola para a fronteira. Isto, com vistas a conquistas de mercados e divisas proporcionadas pelo recente boom do comércio agrícola internacional mediante uma certa frouxidão dos controles do Estados sobre o patrimônio ambiental, finalmente rompida em boa medida no atual governo.

Some-se, ainda, que essa fase recente de aquecimento da demanda agrícola internacional teve como principais fatores propulsores básicos, a intensificação da demanda por carne e soja pelos países ricos, em decorrência dos efeitos do ‘mal da vaca louca’, e da dioxina, e de demandas preventivas dos países do oriente médio por conta das ações militares dos EUA naquela região.

Deve-se sublinhar, também, que a expansão da atividade de grãos na Amazônia, como de resto, em todo o país, não teria sido possível sem o papel determinante de 03 grandes empresas multinacionais (Cargil, ADM,           e BUNGE), que monopolizam o processo de comercialização das commodities agrícolas no mercado internacional e atuam como grandes financiadoras da produção desses produtos na Amazônia e em todo o país.

Enfim, o consumidor europeu que tanto aprecia o ‘boi verde’ produzido na Amazônia por lhe garantir consumo saudável, sem os riscos do ‘mal da vaca louca’, agora nos responsabiliza por danos ambientais na produção da sua sofisticada e saudável dieta alimentar.

Em que pese o cenário de pressão sobre o meio ambiente derivado desse processo de expansão da agricultura no Norte, o atual governo brasileiro vem operando de maneira vigorosa para a reversão desse quadro.

Por meio da maior intensidade e eficácia nas ações de comando e controle da política ambiental, o governo tem obtido performance auspiciosa nos indicadores de gestão ambiental na Amazônia. Destaque-se a multiplicação da criação de unidades de conservação e já pelo segundo ano consecutivo observou-se a redução das taxas de desmatamento na região.

As operações conjuntas, Polícia Federal e Ibama, têm apresentado resultados expressivos, jamais experimentados, no combate aos crimes ambientais.

 Afora essas ações, o Ministério do Meio Ambiente vem discutindo internamente no governo a edição de um conjunto de medidas visando o estímulo econômico às atividades produtivas tipificadas como bens e serviços ambientais.

Sistematizadas em proposta de Medida Provisória chamada ‘MP do Bem Ambiental’, as proposições do MMA na área do crédito prevêem subsídios de 35% nos financiamentos da agricultura na Amazônia para atividades caracterizadas como ambientalmente sustentáveis.

Com a eficácia das medidas acima, a política de Incentivos Fiscais para a Amazônia que historicamente tem sido o mais importante vetor do processo de devastação passará a premiar o financiamento de projetos tidos como bens e serviços ambientais. Intenta-se a instituição, também, do Imposto de Renda Ecológico através do qual os bens e serviços ambientais serão incluídos entre as atividades objeto dos gastos tributários da União.

As proposições do MMA envolvem a definição de política agrícola diferençada para a Amazônia cuja essência está centrada para a reorientação da expansão da agricultura na Amazônia para as suas áreas já antropizadas.

- Gerson Teixeira
, Diretor de Economia e Meio Ambiente do MMA


[1] Compreende Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima, Tocantins e parte do Maranhão(oeste do meridiano de 44º). 

[2] Estimativa

https://www.alainet.org/pt/articulo/118519?language=es
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