Ainda a santidade
13/11/2006
- Opinión
Acabara de enviar ao jornal o último artigo sobre a santidade para tempos difíceis quando recebi a notícia do brutal assassinato de um jesuíta brasileiro, Pe. Waldyr dos Santos, e da jovem advogada e missionária leiga Idalina Neto Gomes, de 30 anos, em Moçambique. Interpretado pela imprensa portuguesa como retaliação; definido pelo superior jesuíta da região como ato brutal que tenta intimidar e desestabilizar as instituições religiosas ali atuantes, o crime deixou perplexos a opinião pública e os meios eclesiais.
Conheci Pe. Waldyr há muitos anos. Jesuíta brasileiro de 69 anos, servia na África há algum tempo, apesar da saúde delicada. Atendeu ao apelo da província de Moçambique, que precisava de reforços. Lá viveu, lá morreu a serviço do povo africano. Não conheci Idalina, mas hoje seu rosto sorridente e jovem é o que me inspira.
Idalina era natural de Fonte de Arcadinha, Aguiar da Beira. Formada em Direito, trabalhara por algum tempo em um escritório e tinha diante de si, aberto e promissor, o caminho do sucesso profissional e a perspectiva de uma vida tranquila e confortável. A Associação Leigos para o Desenvolvimento, ligada aos jesuítas, entrou em sua vida como um sedutor chamado. Idalina deixou tudo para trás, seguiu a formação que a Associação propunha e foi para Moçambique.
Lá, segundo testemunhos dos que a conheceram, fazia de tudo: geria um projeto agrícola, trabalhava no campo, dava aulas, catequese e ajudava a aldeia de Fonte Boa, onde estava a missão, em seus problemas econômicos e sociais. Conhecida como “a advogada dos pobres”, sentia-se feliz e realizada em Moçambique, dando o melhor de sua juventude e forças para ajudar o sofrido e pobre povo moçambicano.
Cabelos escuros, pele clara, sorriso transparente e cândido, Idalina tentou fugir quando os assaltantes entraram na residência da missão jesuíta pelo telhado. Foi alcançada, esfaqueada, asfixiada e espancada até a morte. A terra quente de Moçambique, por ela tão amada, bebeu seu sangue de mulher jovem, ceifada na flor da idade e no auge da vida.
Que força tão forte e poderosa é essa que faz uma bela jovem voltar resolutamente as costas às mais legítimas alegrias e caminhar em direção a uma vida de serviço humilde, gratuito e obscuro? Que amor tão ardente é esse que realiza uma mulher na força de seus 30 anos a ponto de fazê-la preferir a pobreza, o sacrifício e o perigo à vida confortável que seus conhecimentos e sua capacidade profissional poderiam proporcionar-lhe?
Idalina encarna aquela santidade que o mundo de hoje tanto necessita: a que se vive nas encruzilhadas da vida, onde a pobreza livremente abraçada é o preço da solidariedade para com aqueles e aquelas que nela nascem e crescem, sem outra escolha possível. Assumindo a comunhão com as vidas daquele povo, a jovem portuguesa assumiu também a comunhão com seu destino incerto, sendo barbaramente assassinada no lugar onde servia.
O assalto que ceifou a vida de Idalina é apenas um entre muitos que vêm vitimando religiosos naquela região de Moçambique. Como sempre ocorreu, o ódio do mundo persegue os que amam sem medida e em nome do amor entregam suas vidas até o fim, para além de todos os limites.
Humanamente, a brutalidade do acontecido nos silencia no respeito e na impotência. Mas nos enche também de esperança de que tão generosa entrega possa gerar frutos que beneficiem os pobres que vivem na periferia do mundo, aqueles que Waldyr e Idalina tanto amaram a ponto de por eles darem a vida.
- Maria Clara Lucchetti Bingemer, teóloga, professora e decana do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio, é autora de "A Argila e o espírito - ensaios sobre ética, mística e poética" (Ed. Garamond), entre outros livros. (wwwusers.rdc.puc-rio.br/agape)
Conheci Pe. Waldyr há muitos anos. Jesuíta brasileiro de 69 anos, servia na África há algum tempo, apesar da saúde delicada. Atendeu ao apelo da província de Moçambique, que precisava de reforços. Lá viveu, lá morreu a serviço do povo africano. Não conheci Idalina, mas hoje seu rosto sorridente e jovem é o que me inspira.
Idalina era natural de Fonte de Arcadinha, Aguiar da Beira. Formada em Direito, trabalhara por algum tempo em um escritório e tinha diante de si, aberto e promissor, o caminho do sucesso profissional e a perspectiva de uma vida tranquila e confortável. A Associação Leigos para o Desenvolvimento, ligada aos jesuítas, entrou em sua vida como um sedutor chamado. Idalina deixou tudo para trás, seguiu a formação que a Associação propunha e foi para Moçambique.
Lá, segundo testemunhos dos que a conheceram, fazia de tudo: geria um projeto agrícola, trabalhava no campo, dava aulas, catequese e ajudava a aldeia de Fonte Boa, onde estava a missão, em seus problemas econômicos e sociais. Conhecida como “a advogada dos pobres”, sentia-se feliz e realizada em Moçambique, dando o melhor de sua juventude e forças para ajudar o sofrido e pobre povo moçambicano.
Cabelos escuros, pele clara, sorriso transparente e cândido, Idalina tentou fugir quando os assaltantes entraram na residência da missão jesuíta pelo telhado. Foi alcançada, esfaqueada, asfixiada e espancada até a morte. A terra quente de Moçambique, por ela tão amada, bebeu seu sangue de mulher jovem, ceifada na flor da idade e no auge da vida.
Que força tão forte e poderosa é essa que faz uma bela jovem voltar resolutamente as costas às mais legítimas alegrias e caminhar em direção a uma vida de serviço humilde, gratuito e obscuro? Que amor tão ardente é esse que realiza uma mulher na força de seus 30 anos a ponto de fazê-la preferir a pobreza, o sacrifício e o perigo à vida confortável que seus conhecimentos e sua capacidade profissional poderiam proporcionar-lhe?
Idalina encarna aquela santidade que o mundo de hoje tanto necessita: a que se vive nas encruzilhadas da vida, onde a pobreza livremente abraçada é o preço da solidariedade para com aqueles e aquelas que nela nascem e crescem, sem outra escolha possível. Assumindo a comunhão com as vidas daquele povo, a jovem portuguesa assumiu também a comunhão com seu destino incerto, sendo barbaramente assassinada no lugar onde servia.
O assalto que ceifou a vida de Idalina é apenas um entre muitos que vêm vitimando religiosos naquela região de Moçambique. Como sempre ocorreu, o ódio do mundo persegue os que amam sem medida e em nome do amor entregam suas vidas até o fim, para além de todos os limites.
Humanamente, a brutalidade do acontecido nos silencia no respeito e na impotência. Mas nos enche também de esperança de que tão generosa entrega possa gerar frutos que beneficiem os pobres que vivem na periferia do mundo, aqueles que Waldyr e Idalina tanto amaram a ponto de por eles darem a vida.
- Maria Clara Lucchetti Bingemer, teóloga, professora e decana do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio, é autora de "A Argila e o espírito - ensaios sobre ética, mística e poética" (Ed. Garamond), entre outros livros. (wwwusers.rdc.puc-rio.br/agape)
https://www.alainet.org/pt/articulo/118168?language=es
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