Mísseis com dedicatória

06/08/2006
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A tragédia do Líbano vem provocando a circulação de recados e mensagens pela internet, enviados por amigos ou conhecidos, ou listas de chat. Assim, além da grande imprensa e da mídia em geral, recebem-se informações mais específicas. Nem sempre a fonte destas é muito confiável, mas às vezes o é. E pode trazer elementos impressionantes sobre um fato já de por si impressionante como a guerra desigual entre Israel e o Líbano. A mensagem que recebi vem assinada por uma jovem libanesa casada com um brasileiro. Mostra criancinhas israelenses de Kyriat Shmona, perto da fronteira do Líbano, escrevendo mensagens com canetinhas coloridas nos mísseis israelenses que quase seguramente serão usados para bombardear o território libanês. O lugar onde as fotos foram feitas é um posto avançado de artilharia e a entrada de crianças em tal lugar só pode ter se realizado com uma autorização especial do exército. De fato, em uma das fotos se vê um soldado em cima de um tanque olhando placidamente as crianças escreverem seus recados endereçados ao lado de lá do conflito. Alguns dos recados estão em inglês e nas fotos em power point que compõem a mensagem se pode ler o que vários meninos e meninas escreveram: “De Israel com amor”. A mensagem afirma que as crianças estão sendo ensinadas a aceitar com naturalidade o fato de que seu país bombardeie outros quando considera seu território ameaçado. O fato de serem estimuladas a escrever recados nos mísseis seria uma das técnicas pedagógicas usadas com esse fim. Não posso saber e não quero crer que assim seja. Parece-me uma autêntica barbaridade que tudo isso seja parte de uma estratégia montada para fazer a cabeça das crianças no sentido de uma visão banalizada da violência. No entanto, há alguns dados comprovados e de fonte segura que tornam o fato retratado nestas imagens mais bárbaro e cruel do que já parece à primeira vista. Segundo a ONU, um terço das vítimas do Líbano são crianças. Ou seja: enquanto de um lado há crianças que se divertem mandando recados escritos sobre armas letais, de outro há crianças massacradas por estas mesmas armas. A única diferença será que alguns dos mísseis que lhes estraçalharem a cabeça e os corpos virão com dedicatória de suas companheiras da mesma raça semita e da mesma árvore abraâmica, que são ensinadas a se acostumar com a presença das armas e da guerra em suas vidas. Todo o episódio desta guerra cruel e sangrenta é absurdo e sem sentido. Mas não há certamente nada mais sem sentido e mais cruel do que usar crianças para ornamentar e protagonizar o conflito cruel e sem quartel que encontra teoricamente sua raiz no seqüestro de um soldado, mas que tem suas origens ensangüentadas em ódios muito antigos, com tintas de uma rivalidade e uma violência ancestrais. Tão triste quanto o Estado de Israel estar bombardeando com seu poderoso arsenal um país quase desarmado é o fato de os países árabes não aceitarem o Estado de Israel, o direito ao povo israelense de ter uma terra. Ambas as intolerâncias estão na raiz deste conflito, do qual as vítimas mais fatais acabam sendo as crianças, tanto as que escrevem dedicatórias nos mísseis quanto as que por eles são assassinadas quando haviam apenas começado a viver. - Maria Clara Lucchetti Bingemer, teóloga, professora e decana do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio, é autora de "A Argila e o espírito - ensaios sobre ética, mística e poética" (Ed. Garamond), entre outros livros. (wwwusers.rdc.puc-rio.br/agape)
https://www.alainet.org/pt/articulo/116467?language=es
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