Muros e discriminações: mobilizações e resistência
02/05/2006
- Opinión
"Nada os detém,
saltam muros, cavam buracos,exploram túneis, viajam de trem,
ocultos em caminhões, em frágeis lanchas,
caminham de noite, mudam de nome, nacionalidade,
clima, sotaque, amigos e família.
Vão dispostos a tudo, mesmo contra todas as limitações que enfrentam
no caminho: guardas, ladrões, gatos e coiotes.
Tem todo o direito de migrar.
Nada é ilegal".
(Mesa Nacional de Migrações - Guatemala) Há um total de 87 milhões de migrantes nas Américas e Caribe, sendo que 57 milhões estão nos EUA. Constata-se que, se por um lado, existe um sistema internacional para controlar e garantir os direitos para as mulheres, crianças e povos indígenas, por outro, não há nenhum sistema de proteção, nem mecanismos para garantir os direitos humanos dos migrantes. Desta forma, os migrantes são uma das categorias de pessoas mais vulneráveis no mundo atual. Só nos meses de janeiro e fevereiro de 2004, foram 38 mil migrantes deportados do México para a Guatemala. Foram 6.500 mortos tentando a travessia nos anos de 1992 a 2003. Em El Salvador, no ano de 2004, foram deportados 34 mil dos EUA e os mortos somam 51. O total de todos os deportados no mundo, em 2004, é de 450 mil migrantes. Não é à toa que ao longo dos três mil quilômetros de fronteira México/EUA, posicionam-se 11 mil agentes federais. No Brasil, a migração, muitas vezes, apresenta-se como a única saída. Além dos mais de 40 milhões de migrantes internos, há mais de 3 milhões de brasileiros que emigraram para outros países, sendo que 1 milhão estão nos Estados Unidos, 300 mil no Paraguai, 300 mil no Japão e dezenas de milhares em Portugal, Espanha, Itália, Alemanha, França e Inglaterra. Apesar dos muros e das legislações restritivas, a tendência mundial é o crescimento do número de imigrantes irregulares. O caso do Brasil é paradigmático. Segundo o Jornal Folha de São Paulo, de 1999 a 2004 foram presos 21.654 imigrantes brasileiros tentando entrar nos Estados Unidos. No mês de abril de 2004, foram 443 e no ano todo, 17.063. Já em abril de 2005, os brasileiros detidos na fronteira México/Estados Unidos, foram 4.802, 160 por dia. Embora na maioria dos países a mão de obra dos migrantes seja necessária, ela é extremamente descriminada. Muitas vezes esta discriminação assume formas físicas como no caso do muro da fronteira México/EUA, ou na Espanha, divisa com Marrocos, onde existe um muro “baia” em Ceuta e Melila. Outras vezes a discriminação é velada. Se dá através de policiais “a minga”, cães, o frio do deserto à noite ou o calor do dia, podem até ser grupos caçadores de imigrantes, como já foi noticiado na imprensa. Mas nada os detém... Mesmo assim, “eles saltam muros, cavam buracos, exploram túneis, viajam de trem, ocultos em caminhões, em frágeis lanchas, caminham de noite, mudam de nome, nacionalidade, clima, sotaque, amigos e família “. Bem diz Dom Demétrio Valentini, presidente do Serviço Pastoral dos Migrantes da CNBB, quando se refere aos migrantes como os “profetas da mudança”. “Na história, os migrantes sempre foram profetas de grandes transformações. No contexto atual, eles estão apontando o caminho da economia solidária”. O potencial transformador dos imigrantes tem aparecido em diversas ocasiões nos últimos tempos. Tanto na França como nos EUA as manifestações tem obrigado os governos a recuarem de iniciativas desastrosas. Neste 1º de maio, as manifestações ocorridas nos Estados Unidos, denominadas de “Um dia Sem Imigrantes”, revelou a imensa força que eles detém. Foram mais de um milhão e meio de pessoas que saíram às ruas para apoiar os direitos dos imigrantes. Sem trabalhar ou estudar, foram realizadas grandes manifestações em dezenas de cidades. Só em Chicago foram mais de 700 mil pessoas que saíram às ruas para protestar. Em Denver, 75 mil, o que representa 1/6 da população da cidade. Na Flórida foram 50 mil e em Nova York, mais de 100 mil pessoas. Muitos comércios fecharam suas portas em sinal de solidariedade e muitos estudantes também apoiaram as manifestações, demonstrando que o conjunto da sociedade está sensível à necessidade de reconhecer os direitos da população migrante. Fica cada vez mais evidente que não são com muros, com fechamento de fronteiras, com polícias, cães ou ainda com legislações restritivas que o problema das migrações no mundo será resolvido. Menos ainda criminalizando os migrantes e os que os apóiam, como pretende a lei dos Estados Unidos. Migração não é caso de polícia; é sim uma questão social, uma questão de justiça. É um problema que deve envolver a todos os países, sejam os receptores ou de origem. É preciso atacar as causas profundas que provocam tantos e volumosos êxodos. A causa profunda é uma “globalização que não distribui riquezas, que globaliza o acesso livre aos mercados, mas não é solidária; elimina barreiras comerciais, mas impede a circulação das pessoas, defende o livre mercado como um direito, mas dificulta ainda mais o acesso aos direitos básicos.” (Declaração de Bruxelas, junho de 2002). Globaliza-se a miséria, porém não o progresso, a dependência e não a soberania, a competividade e não a solidariedade (Manifesto do Grito dos Excluídos - 2002). Migração, portanto, tem a ver com políticas que não geram postos de trabalho nos países de origem, com a ausência de uma profunda reforma agrária; tem a ver com a falta de um desenvolvimento sustentável. Enfim, com a sangria que os juros e serviços da dívida provocam nos países pobres. Por que não perdoar a dívida e investir nos países de origem dos imigrantes? Por quê não se pensar na cidadania universal como muito bem apontou o 1º Fórum Social Mundial das Migrações? Cidadania Universal e Direitos Humanos Para debater toda esta realidade, é que se realizará, na Espanha, nos dias 22 a 24 de junho de 2006, o II Fórum Social das Migrações. Um espaço de debate democrático de idéias, reflexão, formulação de propostas, intercambio de experiências e articulação dos movimentos sociais, redes, ONG e outras organizações da sociedade civil que estão em oposição à globalização neoliberal dirigida pelas grandes cooperações transnacionais e para quem sofre as conseqüências do seu domínio: a restrição do reconhecimento da cidadania e os direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais através de uma livre circulação de capitais que não é acompanhada pela liberdade na circulação das pessoas. - Luiz Bassegio e Luciane Udovic são da secretaria continental do Grito dos Excluídos e da organização do II Fórum Social Mundial das Migrações
saltam muros, cavam buracos,exploram túneis, viajam de trem,
ocultos em caminhões, em frágeis lanchas,
caminham de noite, mudam de nome, nacionalidade,
clima, sotaque, amigos e família.
Vão dispostos a tudo, mesmo contra todas as limitações que enfrentam
no caminho: guardas, ladrões, gatos e coiotes.
Tem todo o direito de migrar.
Nada é ilegal".
(Mesa Nacional de Migrações - Guatemala) Há um total de 87 milhões de migrantes nas Américas e Caribe, sendo que 57 milhões estão nos EUA. Constata-se que, se por um lado, existe um sistema internacional para controlar e garantir os direitos para as mulheres, crianças e povos indígenas, por outro, não há nenhum sistema de proteção, nem mecanismos para garantir os direitos humanos dos migrantes. Desta forma, os migrantes são uma das categorias de pessoas mais vulneráveis no mundo atual. Só nos meses de janeiro e fevereiro de 2004, foram 38 mil migrantes deportados do México para a Guatemala. Foram 6.500 mortos tentando a travessia nos anos de 1992 a 2003. Em El Salvador, no ano de 2004, foram deportados 34 mil dos EUA e os mortos somam 51. O total de todos os deportados no mundo, em 2004, é de 450 mil migrantes. Não é à toa que ao longo dos três mil quilômetros de fronteira México/EUA, posicionam-se 11 mil agentes federais. No Brasil, a migração, muitas vezes, apresenta-se como a única saída. Além dos mais de 40 milhões de migrantes internos, há mais de 3 milhões de brasileiros que emigraram para outros países, sendo que 1 milhão estão nos Estados Unidos, 300 mil no Paraguai, 300 mil no Japão e dezenas de milhares em Portugal, Espanha, Itália, Alemanha, França e Inglaterra. Apesar dos muros e das legislações restritivas, a tendência mundial é o crescimento do número de imigrantes irregulares. O caso do Brasil é paradigmático. Segundo o Jornal Folha de São Paulo, de 1999 a 2004 foram presos 21.654 imigrantes brasileiros tentando entrar nos Estados Unidos. No mês de abril de 2004, foram 443 e no ano todo, 17.063. Já em abril de 2005, os brasileiros detidos na fronteira México/Estados Unidos, foram 4.802, 160 por dia. Embora na maioria dos países a mão de obra dos migrantes seja necessária, ela é extremamente descriminada. Muitas vezes esta discriminação assume formas físicas como no caso do muro da fronteira México/EUA, ou na Espanha, divisa com Marrocos, onde existe um muro “baia” em Ceuta e Melila. Outras vezes a discriminação é velada. Se dá através de policiais “a minga”, cães, o frio do deserto à noite ou o calor do dia, podem até ser grupos caçadores de imigrantes, como já foi noticiado na imprensa. Mas nada os detém... Mesmo assim, “eles saltam muros, cavam buracos, exploram túneis, viajam de trem, ocultos em caminhões, em frágeis lanchas, caminham de noite, mudam de nome, nacionalidade, clima, sotaque, amigos e família “. Bem diz Dom Demétrio Valentini, presidente do Serviço Pastoral dos Migrantes da CNBB, quando se refere aos migrantes como os “profetas da mudança”. “Na história, os migrantes sempre foram profetas de grandes transformações. No contexto atual, eles estão apontando o caminho da economia solidária”. O potencial transformador dos imigrantes tem aparecido em diversas ocasiões nos últimos tempos. Tanto na França como nos EUA as manifestações tem obrigado os governos a recuarem de iniciativas desastrosas. Neste 1º de maio, as manifestações ocorridas nos Estados Unidos, denominadas de “Um dia Sem Imigrantes”, revelou a imensa força que eles detém. Foram mais de um milhão e meio de pessoas que saíram às ruas para apoiar os direitos dos imigrantes. Sem trabalhar ou estudar, foram realizadas grandes manifestações em dezenas de cidades. Só em Chicago foram mais de 700 mil pessoas que saíram às ruas para protestar. Em Denver, 75 mil, o que representa 1/6 da população da cidade. Na Flórida foram 50 mil e em Nova York, mais de 100 mil pessoas. Muitos comércios fecharam suas portas em sinal de solidariedade e muitos estudantes também apoiaram as manifestações, demonstrando que o conjunto da sociedade está sensível à necessidade de reconhecer os direitos da população migrante. Fica cada vez mais evidente que não são com muros, com fechamento de fronteiras, com polícias, cães ou ainda com legislações restritivas que o problema das migrações no mundo será resolvido. Menos ainda criminalizando os migrantes e os que os apóiam, como pretende a lei dos Estados Unidos. Migração não é caso de polícia; é sim uma questão social, uma questão de justiça. É um problema que deve envolver a todos os países, sejam os receptores ou de origem. É preciso atacar as causas profundas que provocam tantos e volumosos êxodos. A causa profunda é uma “globalização que não distribui riquezas, que globaliza o acesso livre aos mercados, mas não é solidária; elimina barreiras comerciais, mas impede a circulação das pessoas, defende o livre mercado como um direito, mas dificulta ainda mais o acesso aos direitos básicos.” (Declaração de Bruxelas, junho de 2002). Globaliza-se a miséria, porém não o progresso, a dependência e não a soberania, a competividade e não a solidariedade (Manifesto do Grito dos Excluídos - 2002). Migração, portanto, tem a ver com políticas que não geram postos de trabalho nos países de origem, com a ausência de uma profunda reforma agrária; tem a ver com a falta de um desenvolvimento sustentável. Enfim, com a sangria que os juros e serviços da dívida provocam nos países pobres. Por que não perdoar a dívida e investir nos países de origem dos imigrantes? Por quê não se pensar na cidadania universal como muito bem apontou o 1º Fórum Social Mundial das Migrações? Cidadania Universal e Direitos Humanos Para debater toda esta realidade, é que se realizará, na Espanha, nos dias 22 a 24 de junho de 2006, o II Fórum Social das Migrações. Um espaço de debate democrático de idéias, reflexão, formulação de propostas, intercambio de experiências e articulação dos movimentos sociais, redes, ONG e outras organizações da sociedade civil que estão em oposição à globalização neoliberal dirigida pelas grandes cooperações transnacionais e para quem sofre as conseqüências do seu domínio: a restrição do reconhecimento da cidadania e os direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais através de uma livre circulação de capitais que não é acompanhada pela liberdade na circulação das pessoas. - Luiz Bassegio e Luciane Udovic são da secretaria continental do Grito dos Excluídos e da organização do II Fórum Social Mundial das Migrações
https://www.alainet.org/pt/articulo/115060?language=es
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