A pena de morte volta à discussão

17/01/2006
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Era inevitável que a vitória do NÃO no referendo sobre o Desarmamento, em outubro de 2005, trouxesse de volta velhas questões relativas à violência, à justiça e à morte como solução para a diminuição da criminalidade. Ressurge, assim, a discussão sobre a pena de morte. Recentemente, vieram a público, por parte do governo britânico, as anotações feitas por Norman Brook, vice-ministro do Gabinete de Guerra britânico, íntimo colaborador do grande e admirado estadista Winston Churchill. A narrativa de Brook põe mais lenha na fogueira do debate sobre o tema. Segundo ele, Churchill tinha a firme intenção de eletrocutar Hitler assim como todos os líderes nazistas, caso estes fossem capturados pelas forças aliadas. A respeito da greve de fome do líder indiano pacifista Mahatma Gandhi, Brook faz novas revelações espantosas. Gandhi iniciou uma greve de fome enquanto estava detido, em 1942, por opor-se ao envolvimento da colônia na Segunda Guerra Mundial e conclamou a sociedade à desobediência civil. Segundo Brook, Churchill queria deixar Gandhi morrer de fome se persistisse em sua ação de protesto. Felizmente, os ministros britânicos foram mais sensatos. Em 1944, Gandhi foi libertado diante do temor de que sua saúde frágil pudesse provocar sua morte ainda sob custódia britânica. Vemos, portanto, que a solução da pena de morte tem sido considerada até mesmo pelos líderes e estadistas que são figuras paradigmáticas no mundo Ocidental. Mas a discussão sobre o assunto é mais antiga. Os argumentos éticos e religiosos e as motivações pragmáticas são discutidos há décadas. E o caminho para continuar a reflexão de maneira serena e profunda permanece o de percorrer com persistência os argumentos, verificando sua pertinência e desmascarando sua fragilidade. A conclusão generalizada das pesquisas em âmbito internacional é não haver indícios claros de que a abolição da pena de morte tenha provocado um aumento da taxa de homicídio ou uma queda naqueles países onde foi reintroduzida. Não há igualmente indicação clara nas pesquisas de que a ameaça da execução ­ a eficaz ³intimidação² a que se referem os defensores da pena de morte ­ seja mais eficaz que a ameaça de punição, da prisão imediata. Os fatos apontam na direção contrária: onde a pena de morte é praticada, os índices de criminalidade são os mais elevados. A experiência histórica dos países que ainda têm ou aboliram a pena de morte deve ser revista mais intensamente do que foi até agora. E será uma peça importante no debate público para a avaliação da eficácia da pena de morte para os que não se convencem do argumento ético nem se deixam inspirar pela fé, que declara ser apenas Deus o Senhor da vida. No caso brasileiro, é preciso mais que nunca quebrar a cadeia da violência em que nos encontramos presos pelo menos há vinte anos. Nessas duas décadas especialmente ­ no dizer de especialistas como Paulo Sérgio Pinheiro, membro da Comissão Teotônio Vilela para as prisões e conselheiro da Comissão Justiça e Paz de São Paulo - a principal resposta dada ao crime foi a violência. É hora de romper essa cadeia mortífera e infernal. De nada têm adiantado as milhares de mortes decorrentes da ação policial. Os números superam recordes internacionais. Não existe país no mundo, levadas em conta a população e a taxa de criminalidade, em que tantos criminosos e suspeitos são mortos diariamente, sem processo, como no Brasil. Ou em que a morte de delinqüentes tenha sido tão banalizada como nas prisões brasileiras. Mais sangue derramado de nada serve. A criminalidade continua robusta e intocada, apesar dos cadáveres que se amontoam. Legalizar essas execuções não teria conseqüência melhor. Hoje, graças à incompetência do Estado para lidar com a violência que assola as cidades brasileiras, os criminosos preferem matar a ser presos. A expectativa de uma pena de morte depois não iria dissuadi-los do crime. Quando a arrogância humana entenderá que não comanda os mecanismos da existência e que esta pertence apenas a Deus, Criador e Senhor da vida? Quantas mortes ainda serão necessárias para que se saiba que já se matou demais? Quando o Brasil, maior país católico do mundo, fará jus a seu Batismo, repudiando as estruturas que agridem frontalmente a mensagem do Evangelho de Jesus Cristo? - Maria Clara Bingemer teóloga, professora e decana do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio, é autora de "A Argila e o espírito - ensaios sobre ética, mística e poética" (Ed. Garamond), entre outros livros. (wwwusers.rdc.puc-rio.br/agape)
https://www.alainet.org/pt/articulo/114125?language=es
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