Resoluções de ano novo

10/01/2006
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Este ano me comprometo a desenvolver em mim mesma um novo estilo de olhar. Procurarei que meu olhar seja mais amoroso, mais pousado e repousado. Olharei procurando realmente ver ­ e não somente atravessar ou roçar levemente ­ a natureza, a criação e, sobretudo, os outros. Tentarei ver suas qualidades e virtudes por baixo da casca muitas vezes opaca ou mesmo antipática e repugnante de sua aparência. Procurarei ter um olhar contemplativo que enxergue nas outras coisas e nas outras pessoas ali onde só o olhar do Criador alcança. Procurarei também, neste ano que começa, estender meu olhar além do imediatamente visível. Não apenas ler a letra, mas o espírito das coisas. Ler os sinais dos tempos, ler as mensagens invisíveis a olho nu enviadas pelos que estão angustiados, calados, amordaçados pela opressão, a pobreza e a violência. Prometo manter olhos mais abertos para ver mais fundo e olhar mais longe. Este ano prometo abrir mais os ouvidos e deter-me para ouvir. Ouvir sem pressa os ruídos da criação que me querem falar da presença divina em seu meio. Ouvir detida e atentamente o que me dizem os lábios alheios quando falam de vida e alegria, amor e esperança, mas também quando contam tristezas profundas e até inconfessáveis. Ouvir as palavras eloqüentes e os silêncios dolorosos. Mas, sobretudo comprometo-me a ouvir os clamores dos que sofrem: pobres, órfãos, viúvas, estrangeiros, excluídos de toda sorte, que clamam incessantemente com seu falar, mas sobretudo com sua vida. E para que todo este ouvir não se perca nem seja em vão, comprometo-me a mergulhar com profundidade virgem e intocada, a cada dia, fielmente, no silêncio povoado e habitado da oração, onde sussurra e fala o Espírito, Mestre Interior e Senhor da História. Ali ouvirei o mais importante, na voz que ressoará dentro de mim mesma. Ali ³perderei² meu tempo na gratuidade ineficaz que nada produz, mas a tudo transforma. Ali sentirei a força que mantém de pé, o sopro que põe a caminho, a serenidade que faz sentir-se amado e que permite realmente amar. Este ano prometo tratar meu corpo com carinho e misericórdia. Cuidar da saúde e da vida. Não deixar que o excesso de trabalho me rompa e me destroce nervos e forças. Dar importância aos exercícios físicos que mantêm o corpo ágil para saltar e abraçar as oportunidades de crescer e servir. Permitir-me momentos de lazer e gratuidade. Estar com a família, sentar no chão e brincar com as crianças, passear a pé olhando as árvores, mergulhar na água e sentir sua carícia refrescante percorrendo a pele. Acordar mais tarde e sem culpa nos fins de semana, voltar para casa nos dias úteis em tempo hábil para refazer as forças para o dia seguinte. Estar com a mente mais fresca e disponível para ver, ouvir e captar o que a vida e os vivos querem dizer-me. Este ano prometo lutar para não deixar que o desânimo e o desalento tomem conta de mim e se transformem em amargura com gosto de fel em minhas entranhas. Prometo tentar humildemente aprender com os erros e as decepções do ano que passou, acreditando que este aprendizado será capaz de ajudar-me a construir uma visão mais lúcida e, sobretudo um agir mais adequado. Prometo lutar tenazmente para não deixar que a fuga na alienação ou na ingenuidade tome conta da leitura que faço e farei da vida e do mundo e sobretudo dos acontecimentos à minha volta. Prometo continuar lutando pela paz e o desarmamento apesar da vitória do NÃO no infeliz referendo do ano passado. Prometo continuar acreditando que é importante votar e fazer política, apesar das decepções com o cenário político brasileiro que povoaram de forma cruel os sombrios dias de 2005. Prometo continuar acreditando que um outro mundo é possível e que a humanidade é muito melhor do que parece ser, já que há pessoas que a todo o momento estão dando a vida pelos outros, mas não são notícia de jornal, enquanto as tragédias e genocídios o são. Este ano, em suma e acima de tudo, prometo continuar a acreditar, e acreditar mais que nunca no amor. Acreditar que o verdadeiro amor existe e que só o amor é digno de fé. Amor que não se constitui apenas de palavras fugazes e efêmeras, mas se visibiliza ³em atos e em verdade². Portanto, este ano, prometo abrir-me ao amor e recebê-lo gratamente de braços abertos. E prometo também, o mais possível e de todas as maneiras, amar sem retorno e sem descanso. - Maria Clara Bingemer, teóloga, professora e decana do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio.é autora de " Os Dez Mandamentos² (Editora PUC-Rio/Edições Loyola), entre outros livros. (wwwusers.rdc.puc-rio.br/agape)
https://www.alainet.org/pt/articulo/114078?language=es
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