Hipóteses pós-neoliberais na América Latina
23/08/2005
- Opinión
As conseqüências de décadas de exercício das políticas neoliberais no continente latino-
americano foram notórias: comprometimento das soberanias nacionais e debilitamento das
democracias e autonomias das nações, agravamento do endividamento e da dependência do fluxo
de capitais especulativos, estagnação econômica, ampliação da miséria e da exclusão social e a
desconstituição dos Estados enquanto instâncias provedoras de condições de desenvolvimento
sustentável e justo.
As promessas não cumpridas de redenção democrática com desenvolvimento pujante no
continente, que fizeram parte do teatro do fim da história e da chegada ao nirvana neoliberal,
fizeram com que as ilusões do neoliberalismo fossem sendo substituídas por um sentimento
crítico e uma consciência clara acerca da incapacidade intrínseca ao capitalismo na sua etapa
neoliberal em resolver as necessidades existenciais básicas da população.
A crise da hegemonia neoliberal, que se comprovou em termos objetivos com a falência das
fórmulas dos (des)ajustes estruturais desajustadores levados a efeito de modo clássico em países
como a Argentina nos anos 1990, se acentuou sobremaneira nos últimos anos a partir do
crescimento de um sentimento social amplo que ansia por mudanças e pela superação do modelo.
Neste cenário, nos últimos anos se verificou o avanço de formas sociais de representação
institucionalmente concebidas em redes e campanhas da sociedade civil que permitiram a
formulação de plataformas consensuais em torno de alternativas continentais ao neoliberalismo.
Os reflexos do amadurecimento dessas condições são, por exemplo, a recusa ao projeto da ALCA
- Área de Livre Comércio das Américas e as conquistas eleitorais progressistas em vários países,
como o Brasil, Venezuela, Uruguai e Argentina, cujas situações abrem novas perspectivas para a
implementação de projetos nacionais distintos, como também de projetos de integração
simétricos e solidários entre as nações.
A ALBA - Alternativa Bolivariana para as Américas nasce neste contexto, e, para além de
contrapor-se à ALCA - representa uma hipótese concreta de integração em moldes pós-
neoliberais; assume, em razão dos aspectos envolvidos nestes acordos (saúde, educação,
abastecimento e energia), um caráter de exemplaridade quanto às possibilidades de integração
fundadas na generosidade, no humanitarismo e na viabilização de soluções para os graves
problemas enfrentados pelos nossos povos.
A Telesur, outra iniciativa que se desenrola num cenário fecundo para a gestação de alternativas
integradoras, igualmente tem um sentido revolucionário e singularmente importante para a
educação política não pasteurizada e para a reconstituição da cultura de irmandade dos povos
latino-americanos.
Todas estas iniciativas, assim como o combate ao terrorismo e a luta pela paz - em que a
deportação do criminoso Posada Carriles é peça fundamental - ganham importância
transcendental no atual momento geopolítico na América Latina, se compreendidas como partes
de uma estratégia superadora do padrão neoliberal e imperial de dominação, que experimenta sua
principal crise de hegemonia na região.
Tal conjuntura continental requer dos governantes, dos parlamentares, da sociedade civil, dos
partidos políticos e de todos os movimentos sociais, envolvimento protagonista, articulado e
integrado, de forma que as iniciativas e alternativas propostas ou em curso possam resultar,
efetivamente, em ganhos democráticos, para a soberania das nações, para avanços nas políticas
públicas e para a afirmação política e econômica do continente latino-americano.
Nunca a conjuntura do hemisfério esteve tão favorável às possibilidades de construção de
paradigmas pós-neoliberais e anti-imperialistas, em que pese as gigantescas contradições vividas
no Brasil e as incertezas que cercam determinados processos nacionais. Somente com a ação
concreta da militância de esquerda, com a unidade de classe entre os subalternos e com a clara
consciência e defesa de um programa democrático e popular poderão fazer com que a balança
penda para o lado dos oprimidos do continente.
- Jeferson Miola é integrante do IDEA - Instituto de Debates, Estudos e Alternativas de Porto -
Alegre, foi Coordenador-Executivo do 5º Fórum Social Mundial.
https://www.alainet.org/pt/articulo/112799?language=en
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