Europa unida: o sonho acabou?

03/07/2005
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Primeiro foi a França, que com todo o seu peso no conjunto da Europa, disse ”não”. Depois foi a Holanda, convicta e com toda a sua tradição. De nada serviu que a Espanha houvesse dito “sim“ e outros países também. O sonho da Europa unida encontra-se agora seriamente ameaçado com o “não” pronunciado mais de uma vez sobre sua Constituição. O episódio que vive o velho continente nos diz algo importante sobre nossa dificuldade de perseguir sonhos e utopias intrinsecamente ligados à nossa dificuldade de conviver com as diferenças recíprocas. A Europa é um conjunto nada homogêneo em termos de cultura, idioma, religião, potencialidade financeira etc. Talvez nenhum continente tenha uma tal variedade em seu tecido. As duas Américas, a Latina e a do Norte, têm uma certa homogeneidade idiomática e cultural, cada uma provinda de uma raiz, embora o "melting pot" no norte e a imigração variada no sul quebrem algo dessa homogeneidade. No entanto, ela existe, assim como a da Ásia, que é uma homogeneidade de origem; e a da África, que é de raça. Na Europa, a homogeneidade e a igualdade são escassas, para não dizer ausentes. Cada país é um mundo à parte e até há pouco tempo funcionava mesmo como um universo à parte. Com sua língua, sua cultura, sua particularidade. O sonho de unir a Europa resultou em uma moeda forte, que superou mesmo o todo poderoso dólar e que dá o tom no mercado financeiro internacional. Também esmaeceram as fronteiras existentes entre os diferentes países, fazendo com que o trânsito entre uns e outros fosse mais fluido e livre. Ao turista que se aventurava pela velha e sempre fascinante Europa, agora era dada a possibilidade de ir e vir entre suas belezas e riquezas, sentindo-se em uma grande casa onde as paisagens naturais e culturais mudavam sem a barreira de fronteiras, passaportes, alfândegas. E eis que o “não” da intolerância se levanta como uma interdição a essa utopia e esse sonho. Ainda não será desta vez que a Europa terá uma constituição única. E o mais triste é que o fator que gera isso é mais que nada econômico e financeiro. O medo de que trabalhadores dos países do Leste Europeu venham ainda em maior número para a rica e afluente Europa ocidental, ocupando as vagas laborais dos jovens europeus ocidentais e onerando sua sociedade com o peso de sua escassez ávida de oportunidades, parece ter sido o fator determinante que fez com que o “não“ fosse dito em vez do ”sim “. O “sim” que abriria generosamente as portas do velho continente para ser uma só comunidade. Dizem as ciências sociais que o homem é um animal gregário, social. E a filosofia, a teologia, também dizem que o ser humano é um ser relacional, que só existe e se autocompreende a partir da relação. Só o outro, o diferente, pode nos dizer quem somos e ajudar-nos a sermos nós mesmos. Grandes filósofos europeus, justamente, como Emmanuel Levinas e Paul Ricoeur, trabalharam belamente e a fundo esta questão da alteridade. E nos disseram que a alteridade e a diferenta são fundamentais em nossas vidas e existências. No entanto, ao que parece, a Europa está muito disposta a abrir as portas à alteridade desde que não afete sua economia, sua abundância, a riqueza enorme em que se encontra mergulhada. Pobre Europa, já tão machucada por guerras e tempos de desolação e penúria profunda. Pobre Europa, que apesar de tudo o que passou e sofreu, ainda assim parece não haver aprendido que só a solidariedade e a disponibilidade de acolhimento do outro, do diferente, ainda que signifique mais partilha e menos abundância em nossas vidas, pode construir e levar-nos a algum caminho fecundo de abertura e vida em plenitude. Diante da séria ameaça ao sonho da Europa unida, esperemos que ainda seja tempo. Esperemos que este Continente, para o qual o mundo inteiro olha como uma alternativa de modelo sócio-economico-político que conserva características humanas como estilo de viver, reflita e reconsidere suas posições. Esperemos que o “não” da intolerância ceda lugar ao sim que abre fronteiras e instaura uma verdadeira comunhão de diferentes dentro deste mundo tão egoísta e individualista. - Maria Clara Lucchetti Bingemer, teóloga, professora e decana do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio wwwusers.rdc.puc-rio.br/agape
https://www.alainet.org/pt/articulo/112378?language=es
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