Pacote de socorro

24/01/2005
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Os cariocas que amam sua cidade e sofrem profundamente por vê-la nas condições em que se encontra ainda não estão acreditando na notícia que a mídia veiculou no último dia 17. A de que o Rio de Janeiro será prioridade do governo Lula. O Presidente finalmente parece haver-se comovido com a desgraça e o abandono em que jaz a Cidade Maravilhosa e o estado ao qual está relegada e resolveu socorrê-la. A notícia fala de um ³pacote de socorro² que estaria sendo preparado para socorrer a cidade e a região que são, diante do mundo inteiro, o retrato do Brasil. Por todo lugar onde se vá, falar em Brasil é imediatamente associado ao Pão de Açúcar com seu bondinho que sobe e desce, enquanto na baía de Guanabara o barquinho vai e a tardinha cai... Ou ainda o majestoso e belo Corcovado com o Cristo Redentor de braços abertos em gesto de amor e carinho por sobre a bela cidade que tem a seus pés. Mas, se por um lado a imagem que se tem do Brasil é a beleza natural do Rio, imbatível maravilha, delírio de criatividade e desperdício de generosidade por parte do Criador, por outro é verdade, tristemente verdade, que o coração (ou seria a falta de coração?) e a mão humanos têm feito o possível para estragar aquilo que Deus tão escandalosamente deu ao Rio. Campeão de beleza natural, de praias e montanhas, de mares e bosques, o Rio de Janeiro infelizmente vem ganhando também muitos outros tristes campeonatos: de quantidade de menores abandonados e que vivem nas ruas; de favelas que se multiplicam e crescem assustadoramente, onde a violência do tráfico é rainha e dita a lei no morro e sobre a cidade; de assaltos a mão armada, nos quais turistas desavisados e pacíficos cidadãos são despojados de seus bens, sua dignidade e sua vida; de turismo sexual desenfreado, onde a exploração de jovens cariocas é feita despudoradamente por uma verdadeira indústria que enriquece à custa do aviltamento alheio. Tem razão o Presidente ao preocupar-se e tomar providências. Porque, como ele sabiamente intui e diz, o Rio de Janeiro ainda é a vitrine do Brasil. E tudo que acontece aqui repercute lá fora negativamente, ensombrecendo e obscurecendo a imagem de toda uma nação. Sobretudo a questão da violência, que gera medo e insegurança nos moradores da cidade, mas também e não menos naqueles que pretendem aqui passar suas férias e que são afugentados pelo sentimento de inquietação quando se anda nas ruas, pelas notícias alarmantes do número de mortos, vítimas de um furor desenfreado que baniu a paz e a tranqüilidade, sobretudo dos pontos turísticos mais procurados, como as praias, a bela subida das Paineiras, o tradicional e deslumbrante bairro de Santa Teresa e outros tantos lugares onde a beleza da cidade pode ser desfrutada com mais brilho e esplendor. Uma série de atitudes negligentes, de descasos, de jogos políticos e de poder deixaram o Rio chegar a este ponto. Portanto, se os responsáveis diretos não conseguem resolver o imenso problema em que se converteu o Rio de Janeiro hoje dentro do Brasil, é hora de o governo federal se pronunciar e ajudar. É hora de a própria Presidência da República declarar o Rio sob estado de calamidade pública e encará-lo como prioridade número um do país. A declaração de Lula vem recheada de boas intenções e cordialidade. O Presidente declara-se disposto a superar problemas políticos, desavenças ou desentendimentos havidos ou por haver com os governantes do estado e da cidade. Promete priorizar a região, repassando verbas e enviando ajuda, organizando, enfim, o que chama um ³pacote de socorro² para atender emergencialmente às necessidades mais urgentes dessa que é hoje talvez a maior chaga no coração do país. Para atender à gravíssima questão da violência, mobiliza o ministro Thomaz Bastos. Este deverá enfrentar toda a complexa trama de elementos e circunstâncias que hoje faz do Rio certamente uma das cidades mais violentas do planeta. A declaração do Presidente nos alegra. É como se finalmente um olhar mais lúcido pousasse sobre o crescente estado de insegurança e desespero em que vive a população carioca. É como se sentíssemos que, por fim, se toma conhecimento do que vem acontecendo aqui há tantos anos e que já havíamos desesperado de ver resolvido ou pelo menos melhorado. Com esperança ainda tímida no coração calejado por tantas promessas não cumpridas, tantas expectativas defraudadas, ousamos levantar os olhos e olhar para a frente. O Cristo Redentor, que há tempos vinha chorando sobre nossa cidade como chorou sobre a Jerusalém assassina de profetas, desejando reunir seus filhos dispersos em gesto de maternal carinho, parece esboçar um sorriso em sua divina face. Vamos acreditar e esperar. E ajudar no que for preciso. Conte conosco, Presidente. * Maria Clara Lucchetti Bingemer, teóloga, professora e decana do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio
https://www.alainet.org/pt/articulo/111310?language=es
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