Londres contra Bush
17/10/2004
- Opinión
Foi um encontro contra George W. Bush, Tony Blair e a ocupação
do Iraque. Nem o combate a privatização, nem a questão
ambiental, nem os direitos dos trabalhadores, o racismo, a fome
do Terceiro Mundo ou o poder crescente das finanças: nenhuma
dessas questões e capaz de reunir, com tanta paixão e de maneira
unânime, os movimentos sociais que participaram do III Forum
Social Europeu, realizado em Londres entre os dias 15 e 17.. Em
uma cidade com alto numero de imigrantes como Londres – a maior
parte deles vinda do lado oriental do globo --, capital de um
país chocado com as mentiras e a com subserviência aos EUA de
seu primeiro-ministro, Tony Blair, o Fórum tornou-se um grande
canal de expressão do descontentamento com o envio das tropas
britânicas ao Iraque.
Já no primeiro dia de debates, os ânimos se mostraram exaltados.
Convidado para a plenária "Fim da Ocupação do Iraque", Subhi Al
Mashadani, secretário geral da Confederação Sindical do Iraque,
teve que ser retirado, enquanto falava ao público, por motivo de
divergências. Minutos antes do início da plenária, manifestantes
mais radicais já gritavam "Fora Mashadani". Criticavam o fato de
ele ser ligado ao Partido Comunista do Iraque, que participou do
governo interino organizado sob proteção dos invasores após a
derrota de Saddan Houssein. Embora fosse uma minoria, o barulho
foi tão grande que as reuniões que aconteciam nas salas ao lado,
separadas por divisórias, tiveram que ser interrompidas
momentaneamente.
Raiva contra o "lacaio"
Esta talvez seja a principal diferença entre um Fórum Social na
Europa e os Fóruns Sociais Mundiais no sul do mundo. Enquanto as
manifestações contra a guerra que aconteceram em Porto Alegre e
Mumbai tiveram um espírito festivo e de celebração -- sem deixar
de ser
combativas e enfáticas -- a de Londres pareceu ter uma raiva
contida contra os políticos que declararam a chamada "guerra ao
terror": na verdade uma guerra contra os muçulmanos. É provável
que nenhum líder mundial tenha sido tão ridicularizado como
George W. Bush. Em vídeos, posters, bottons, faixas, camisetas,
ele foi retratado ora como "Terrorista numero 1", ora idiota,
primata, ora como amante do dinheiro e do petróleo. Em montagens
ou desenhos que o colocam em posições ou com expressões infames,
sua imagem foi a mais vista em Londres. Em seguida veio Tony
Blair, com seu rosto sempre acompanhado de palavras como
"mentiroso" ou "lacaio".
Mas não foi só de manifestações pacifistas que se fez o Fórum
Social Europeu. Como todos os Fóruns, este também foi uma mina
de ouro para quem quer saber o que pensam, como se organizam e
que problemas enfrentam os movimentos sociais. Algumas das
organizações presentes foram muito competentes em mostrar como
os problemas locais na verdade se relacionam com questões mais
amplas como o poder crescente das finanças e das
corporações – que em muitos casos supera o dos Estados. O ETC
Group, por exemplo, que atua sobre os impactos sociais da
tecnologia, reuniu em um só debate nanotecnologia, transgênicos
e patentes sobre softwares. Isso para mostrar como existe um
movimento de concentração e apropriação do conhecimento nas mãos
de grandes empresas, com fins monopolísticos. Da mesma forma, a
invasão do Iraque foi vista em diversas outras reuniões como
conseqüência do alto poder das corporações do petróleo sobre o
governo Bush.
Desorganização foi ponto fraco
Fracos foram o planejamento e a organização do evento. Londres é
uma cidade caríssima, o que dificultou a vida dos participantes.
Mesmo contando com o apoio do prefeito da cidade, Ken
Livingstone, a organização não conseguiu a infraestrutura
necessária. Vários participantes passaram horas vagando, em
busca de atividades distantes umas das outras e muito mal
sinalizadas. Até no credenciamento houve tumulto, quando 6 mil
delegados se agruparam em um pequeno prédio. No local das
atividades principais, que ficava a mais de uma hora do centro
da cidade, também faltou estrutura. Plenárias e seminários
aconteceram em um mesmo grande salão, muito mal dividido, com o
som de uma atividade vazando para a outra e prejudicando os
debates.
Os problemas, entretanto, não foram suficientes para atrapalhar
o sucesso do evento, que se tornou, seja em sua versão mundial,
seja nos encontros continentais, o maior ato de resistência
popular à globalização neoliberal. Que venha, agora, Porto
Alegre.
Outras palavras
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