Análise de Conjuntura – maio 2004
24/05/2004
- Opinión
- Texto de estudo apresentado ao CONSEP em 25 de maio de
2004 –
— Não é documento oficial da CNBB —
Apresentação
Esta Análise, um pouco mais longa do que a habitual, tem 4
temas focais: assuntos da conjuntura mundial que raramente
aparecem na grande mídia, uma crítica à política econômica e seu
impacto na relação Sociedade e Estado, a rearticulação do quadro
democrático-popular e uma apreciação de temas em pauta no
Congresso.
1 . Mudanças "invisíveis" no mundo atual
A mídia seleciona as notícias que chegarão a nós, e é
normal que assim seja, pois não poderíamos acompanhar tudo que
se passa no mundo. Os critérios de seleção, porém, não são
explicitados. Em geral, notícias sobre guerras, catástrofes e
mudanças políticas recebem destaque, enquanto outras, que
refletem mudanças mais processuais, raramente aparecem no
noticiário. Por isso, tomamos aqui três notícias relevantes que,
por falta de espetacularidade, pouco aparecem na grande mídia.
A reunificação da Europa
A palavra "reunificação" é mais apropriada que o termo
"alargamento". Acolhendo 10 novos membros, a União Européia
reintegra essa parte de si mesma 'seqüestrada' durante a guerra
fria. O 1º de maio, data da reunificação, foi uma vitória sobre
a divisão e uma promessa de reconciliação, paz e solidariedade.
A Europa ocidental reencontra a Europa central e oriental. Para
ser ela mesma, a Europa precisava respirar com seus dois
pulmões.
O primeiro tratado da construção européia foi assinado em
maio de 1950. No começo, eram 6 países. Outros se juntaram;
nenhum saiu. É que a União funciona como uma federação de
Estados Nações. Respeita-se a soberania de cada país, e estes
delegam parte de sua soberania à União. Foram mais de 50 anos de
negociação contínua para ampliar e aprofundar a integração.
Neste processo de avanços e recuos os países da União se
tornaram mais abertos, parceiros e prósperos: 15 países, agora
25, aceitaram livremente articular seus destinos.
Mas a reunificação carrega desafios imensos, riscos reais
para o futuro da União. Ela é muito mais que um projeto
econômico (mercado) ou financeiro (moeda). Ela é um projeto
também político, social e ético, cuja integração é mais complexa
e lenta que o já conseguido até agora. Alguns consideram que a
União deve se limitar à integração econômica e financeira,
enquanto outros querem prosseguir o projeto inicial dos "pais
fundadores" (Robert Schuman, Konrad Adenauer e Alcides de
Gasperi, aliás três cristãos convictos).
O desafio maior será o do poder de decisão. Se era difícil
chegar a acordos entre quinze; muito mais o será entre vinte
cinco. As diferenças econômicas e sociais são agora bem maiores,
e os fundos de solidariedade para ajudar os mais pobres são
menores.
Gigante comercial, a União ainda é um anão político. O seu
peso internacional é mínimo. Vários países não querem se engajar
numa política externa e de defesa comum. No entanto, a Europa
tem um conjunto de valores tradicionais ricos. O Tratado
Constitucional em discussão (peça central para seu futuro), não
conseguiu avançar no campo da política externa.
A União é bastante liberal no seu funcionamento interno. Um
dos seus pilares é a livre circulação dos capitais, dos bens,
dos serviços e também das pessoas. Desafortunadamente, aberta
para dentro, a União européia parece ser uma fortaleza de países
privilegiados bem pouco preocupados em estabelecer uma
verdadeira parceria com os países do Sul.
A União Européia representa a mais avançada experiência de
integração regional, permitindo seus membros defender sua
identidade, seus valores, sua influência internacional e seus
interesses comuns.
Pode-se aplicar sua experiência à América Latina? Aqui, a
situação é complexa, pois os EUA controlam o conjunto da região
e a consideram como o seu quintal (proposta da ALCA). O
Mercosul, ampliado, poderia representar um início de integração
regional. Existem condições favoráveis; ainda faltam muitas
vezes a audácia e a vontade política.
África abandonada; até quando?
A África raramente aparece em nossa análise de conjuntura.
Falamos dela em novembro de 2003, por causa da viagem de Lula. É
uma região marginalizada. Não pesa nada. Só as catástrofes
interessam a opinião pública: guerras civis e pandemia de Aids.
A África está no centro duma globalização desigual. Depois
da independência, a soberania dos jovens Estados era muito
frágil. A atuação das multinacionais e as políticas forçadas de
ajustamento estrutural acabaram de destruir o pouco que sobrava
de poder público em alguns países. O marco neoliberal impôs
privatizações selvagens, num programa de ajustes incoerentes e
drásticos. A exploração da mão de obra é vergonhosa; os preços
das matérias primas são derrisórios e os contratos comerciais
desvantajosos. A explosão das dívidas bloqueia qualquer
desenvolvimento. Isso, sem mencionar as ambições e a falta de
visão política a longo prazo de seus dirigentes, a corrupção dos
pequenos e grandes funcionários e o tráfico de armas, além de
outros males que atormentam o continente.
O PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento)
menciona uma degradação sem precedente dos indicadores do
desenvolvimento humano. Todos os PIBs se deterioraram. O
crescimento baixou de 3,5% em média no ano 1975 para 2% em média
no ano 2.000. A Aids, que em alguns lugares atinge 35% dos
adultos, dizima as populações. Em muitos países a esperança de
vida diminuiu 20 anos.
Golpes de estado e guerras civis, com a participação de
grupos estrangeiros, se multiplicam. A situação é tão instável
que é difícil entender. Apenas na África ocidental no último
ano, houve golpes de Estado na Guiné Bissau e São Tomé e
Príncipe; levante militar em Burquina Faso e Mauritânia;
derrubada de Charles Taylor na Libéria e perturbação política no
Senegal e Costa de Marfim. A situação não é melhor noutras
regiões: o continente todo sofre uma grave desestabilização
política e social devida à globalização.
Muitas vezes, os conflitos étnicos correspondem aos
interesses de Estados estrangeiros ou de multinacionais. A
exploração do petróleo, do ouro, do diamante e outras riquezas
naturais traz enormes lucros para as companhias, não traz
benefícios para a maioria das populações. A ONG inglesa Global
Witness publicou recentemente um relatório detalhado mostrando
que o subsolo se transforma em maldição para a população da
República do Congo, Angola e Guiné Equatorial. Imensa quantidade
de dinheiro, que deveria ir para os cofres públicos, vai para os
bolsos de uns poucos. A ONG pede "transparência" e desafia as
Companhias petrolíferas: "publiquem o que pagam!".
A desestabilização dos Estados africanos se inscreve na
lógica duma ordem mundial desigual, que desacredita a coisa
pública.
O Haiti sem rumo, nem soberania.
Um dos países mais pobres do mundo, com um PIB per capita
de menos de um dólar; alta densidade populacional (8 milhões de
pessoas num pequeno território, 80% delas iletradas), o Haiti
parece condenado à infelicidade desde sua independência. O dia
1º de janeiro de 2004 celebrou o bicentenário de sua
independência; pouco depois o país mergulhava de novo no caos.
De um lado, o poder totalmente desacreditado de Jean-Bertrand
Aristide, do outro, uma rebelião armada associada a oficiais do
ex-ditador Raoul Cedras, que derrubou Aristide em 1991.
Pilhagens e violência se estendiam. Para evitar maior banho de
sangue, os EUA, a França e o Canadá abandonaram o presidente
eleito, forçado a renunciar, e colocaram um governo provisório.
Uma grande esperança acompanhou a primeira eleição de
Aristide em 1990. Exilado em 1991, foi reempossado pelos EUA em
1994. Foi reeleito presidente em 2.000. Mas o país todo está
minado pelo narcotráfico (o Haiti é uma plataforma de
transferência da droga entre a Colômbia e os EUA), corrupção,
autoritarismo, violência de agentes das cruéis ditaduras que
assolaram o país durante mais de 40 anos, falta total de
recursos, e pela incapacidade de seus dirigentes políticos.
Já em 2002 e 2003 houve manifestações contra o presidente
Aristide e seu partido (com maneiras de atuar bem pouco
democráticas); a oposição política, de linha social-democrata,
pedia sua renúncia. Líderes rebeldes esperavam do outro lado da
fronteira a oportunidade para intervir e restabelecer à força
seus interesses. Durante 40 anos, nem os EUA nem a França
intervieram contra as ditaduras da família Duvalier, que
protegia os interesses estrangeiros. O país todo se descompunha
aos poucos. E não ajudaram Aristide a sair do marasmo político,
econômico e social, pois o presidente se opunha à privatização
de empresas de serviços públicos. Aliás, a preparação desta foi
'recomendada' como prioridade ao governo provisório. O novo
governo que será indicado pelos três (EUA, França e Canadá) e
"democraticamente eleito" em 2004 ou 2005, deverá realizar esta
tarefa. A não-intervenção frente à rebelião visava também
prevenir um êxodo massivo dos haitianos para os EUA.
A partir de junho, um grupo de 4.000 homens (1.200
brasileiros) sob o controle da ONU deverá atuar para reforçar a
segurança e tranqüilidade no país e criar um clima propício para
as eleições. Se essas forças de paz não forem apenas defender
interesses estrangeiros, mas contribuir para tirar o Haiti dos
tormentos aos quais parece condenado, tal intervenção militar
poderá justificar-se. Toda ajuda externa, desde que em favor do
povo haitiano, pode criar uma nova esperança.
2 . O "endividamento sustentável" e vôo do besouro: é
possível crescer?
O governo vem apresentando dados para alimentar a esperança
de crescimento econômico. Material disponibilizado pelo governo,
entrevistas e discursos do ministro Palocci, procuram explicar
que se busca um "crescimento sustentável", num ciclo de longa
duração, e não apenas "bolhas" de crescimento, que, como
explicamos em análise anterior, são o efeito de um reajuste na
economia e não duram mais do que um ou dois anos. O Presidente
Lula tem dito que seu ministro da Fazenda é extremamente claro e
lógico em suas explicações. Uma análise acurada dos dados
apresentados, porém, coloca em evidência antes uma macroeconomia
voltada para o "endividamento sustentável", isto é, uma
convivência harmoniosa entre o Estado e seus credores, internos
e externos.
Para o equilíbrio das contas externas, o horizonte da
política econômica vigente é o apoio incondicional ao
agronegócio (novo nome para o antigo motor de crescimento da
República Velha - "Brasil, país essencialmente agrícola").
Acoplado ao "endividamento sustentável", o agronegócio garante
aos credores externos que não faltará ao Tesouro divisas para
honrar as dívidas em moedas fortes .
O "endividamento sustentável" se concretiza a partir de 3
condições básicas: o alongamento do perfil da dívida, a
diminuição da parcela da dívida interna denominada em dólar e da
porção pública da dívida externa, e a redução dos juros da
dívida externa. Essas diversas frentes funcionam como parâmetros
do "sucesso" da política, que, em última análise, busca domar a
dívida e conviver equilibradamente com ela.
O tripé de sustentação dessa política é, como já se disse
outras vezes: a) substancial superávit primário para demonstrar
o esforço em vista ao pagamento dos juros; b) inflação sob
controle; e c) juros nominais elevados, para freiar a inflação e
seduzir capitais externos. Seus resultados, no primeiro
trimestre deste ano, deixam a desejar. Apesar do superávit
primário de 5,4% do PIB (R$ 20,5 bilhões), o controle da
inflação por meio dos juros altos provoca recessão e só atrái
capitais especulativos. Ou seja, vai ficando evidente que, nas
condições vigentes, não há como sustentar nem mesmo o
endividamento.
Assim, diminui a aprovação ao governo Lula, de quem se
esperava medidas para fomentar o crescimento e criar empregos,
mudando a lógica que privilegia os credores e priorizando o
resgate das dívidas sociais, isto é, em saúde, educação,
transporte, previdência e habitação. Ao assumir a teoria
"monetarista" que determina o que a equipe econômica (Banco
Central, Ministério da Fazenda e do Planejamento) pode ou não
fazer, o governo Lula fica impedido de resgatar aquela dívida
social. O aumento ridículo do salário mínimo e a manutenção da
taxa de juros a 16%, para remunerar dinheiro parado no over
night, são uma dolorosa conseqüência do rigoroso cumprimento dos
postulados daquela teoria.
É inevitável reconhecer que o Brasil atravessa a pior crise
social de sua história republicana, determinada por índices sem
precedentes de desemprego, subemprego e marginalização social,
causados pela política fiscal e monetária agora intensificada.
As taxas de desemprego e subemprego, combinadas, chegam a 26 ou
27% da força de trabalho. Este nível só é comparável ao das
economias industriais durante a "grande depressão" de 1929-30,
às vésperas do fascismo europeu e do new deal nos EUA. Para
enfrentar essa crise, economistas estão propondo uma política
econômica cujo eixo estruturante seja a promoção do pleno
emprego, adaptando para nossa realidade as lições do new deal e
do welfare state, teorizadas por Keynnes. Será possível uma
mudança de tal porte na política macroeconômica?
As experiências da China e da Índia, países de dimensões
continentais que vêm crescendo há anos, com superávites
comerciais que lhes permitem crescimento sustentado sem estarem
estrangulados por dívidas, mostram que os padrões doutrinários
do FMI podem ser contrariados com sucesso. Resposta
aparentemente óbvia, mas derrotista, seria "tudo bem, não
devíamos ter seguido Collor e Zélia neste caminho, mas agora que
entramos, não há como sair. O jeito é tomar o remédio amargo".
Sabendo que o caminho do crescimento e do emprego é incompatível
com as condições atuais de pagamento das dívidas, Lula busca na
articulação com outros países emergentes um apoio para aumentar
o livre comércio, quebrando as barreiras que hoje controlam o
mercado globalizado. A recente viagem à China permite visualizar
um cenário de retomada do crescimento, por meio do comércio
exterior. O otimista pode ver aí o caminho de redenção do
Governo Lula.
Outra experiência é a da Argentina, que esteve em situação
pior do que a nossa, com o agravante de ter um governo eleito
com muito menor legitimidade que o nosso. Não falamos de
legalidade jurídica, mas de legitimidade, ou seja, apoio social
e reconhecimento político. Pois Kirchner, com o apoio da
sociedade, conseguiu negociar politicamente uma moratória que
desafogou a economia e abriu condições favoráveis ao crescimento
da economia.
É verdade, a Argentina tinha mão de obra e equipamentos
parados, o que torna possível um crescimento inicial mais rápido
e por isto mesmo, dá margem ao temor de que este crescimento não
persista, ou não mantenha o mesmo ritmo. A crise energética, que
já se anuncia, mostra que são necessários investimentos para
aumentar a capacidade produtiva e assegurar a continuidade do
crescimento. Em todo o caso, a Argentina voltou a crescer, com
emprego em alta e inflação em queda.
Como o besouro que, se seguisse os princípios da
aerodinâmica, não voaria.
3 . A articulação do quadro democrático-popular e sua
influência no Estado.
A política econômica do governo Lula o está distanciando
dos setores da sociedade que o levaram ao poder. Se num primeiro
momento aceitaram pagar seu alto custo social e econômico para
evitar uma crise pior, hoje cresce o número dos que afirmam já
ser a crise atual pior do que a crise financeira que uma mudança
de rumos acarretaria. Suas duas principais bandeiras são a
política de pleno emprego e a auditoria da dívida pública. A
primeira, propõe substancial redução do superávit primário e da
taxa de juros, combinada com investimento massiço em setores
geradores de emprego, de modo a relançar o crescimento econômico
com inflação baixa e máximo aproveitamento dos recursos do
mercado interno. A segunda, quer tornar efetivo o art. 26 das
Disposições Transitórias da Constituição, afirmando que tal
medida certamente cancelaria muitas dívidas irregulares ou
ilegítimas, diminuindo assim os gastos com o serviço da dívida
pública. Combinada com a baixa de juros, o Brasil aumentaria
muito seus gastos sociais e investimentos públicos, sem ser
obrigado a decretar uma moratória unilateral. Uma bandeira não
se opõe à outra; divergem apenas quanto à melhor estratégia para
mudar os rumos da economia.
Essa mudança vem sendo defendida pela intelectualidade
ligada aos movimentos sociais, mas percebe-se que eles não sabem
como tornar efetiva a sua proposta. O governo Lula, por suas
próprias forças, certamente não terá condições de imprimir essa
mudança de rumo. Só tendo a certeza de contar com um forte apoio
da sociedade brasileira, Lula poderá tomar tal decisão, que
coloca em risco seu futuro político. Como levar ao governo esse
apoio? Este é um dado novo da conjuntura; merece, pois, que nos
debrucemos sobre ele.
Nos Estados de democracia representativa, como o
brasileiro, cabe aos Partidos políticos a mediação entre a
Sociedade civil e o Estado. Essa mediação é necessária porque a
lógica do Estado não é a lógica da Sociedade. O agir do Estado
tem caráter obrigatório (impõe impostos, ordena gastos e atua
por ofício mediante servidores públicos), enquanto o agir da
Sociedade tem caráter voluntário (só tem o poder de motivar e
mobilizar as pessoas). É por meio dos partidos que a sociedade
escolhe quem, em nome dela, tomará as decisões no âmbito dos
Poderes Legislativo e Executivo. Foi justamente por não
reconhecer nos partidos oriundos do regime militar, canais
adequados para sua representação política, que os Movimentos
Sociais fundaram o PT. Diferentemente de outros partidos de
esquerda, cuja tradição leninista tornava os Movimentos e
organizações sociais uma "correia de transmissão" do partido, o
PT nasceu da relação dialética entre os dois pólos. Ambos têm a
mesma inspiração e utopia, mas atuam em campos diferentes: os
movimentos sociais lutam na sociedade civil por uma causa
específica, ao Partido compete, na esfera política, exercer o
poder de Estado. Enquanto os Movimentos Sociais fazem
mobilização popular, o Partido político leva a questão para o
âmbito parlamentar ou Executivo. Esta mediação foi crucial para
o êxito da Constituição cidadã de 1988: os movimentos
mobilizavam a sociedade em defesa de seus direitos, enquanto os
partidos do quadro democrático-popular (embora em minoria no
Congresso) os inscreviam na Carta Magna.
Chegando à Presidência da República, o PT traz consigo
aquele projeto político oriundo dos Movimentos Sociais, mas, ao
assumir a lógica do Estado, torna-se partido do governo e
distancia-se da Sociedade. Com isso, os Movimentos sociais
perdem o seu canal de representação perante o Estado. Neste
impasse estamos hoje. O quadro democrático-popular articulado
desde a campanha das Diretas, foi desarticulado nos anos 90 e
agora perdeu seus principais canais de expressão no âmbito do
Estado. Continua atuando, como força de pressão da sociedade,
mas sua força é apenas de pressão moral, por falta de Partidos
que o representem. Alguns dirão, com razão, que a força moral é
mais forte que qualquer outra, mas por si só ela é incapaz de
modificar as normas legais. O que pode fazer a sociedade, se o
Congresso decide, por exemplo, abrandar a lei 9840 para
facilitar a impunidade por corrupção eleitoral, aumentar o
número de vereadores, ou liberar os jogos de azar? O que pode a
sociedade fazer, se o Executivo se recusar a homologar a Terra
Indígena Raposa-Serra do Sol como área contínua?
Nesse contexto de rearticulação do quadro democrático-
popular, a 4ª Semana Social Brasileira é um espaço importante,
por propiciar o encontro de igrejas, movimentos, entidades e
organizações muito diversas. Seu lema é justamente "Mutirão por
um novo Brasil", e sua função primeira é juntar forças
aparentemente difusas e confusas. É o que diz, aliás, seu tema
central: articulação das forças sociais participando na
construção do Brasil que queremos. Mobilizar estas forças e
potencializar seu significado político é um dos grandes desafios
que a difícil situação do país nos apresenta. Por ser um espaço
de discussão política aberto e plural e não partidário, a 4ª SSB
pode ajudar a superar a perplexidade dos grupos de esquerda.
Em diversos pontos do país, as discussões em torno à Semana
Social ajudam seus militantes e lideranças a fazer uma crítica
mais fundamentada e amadurecida, e a passar a ações mais
conseqüentes. Está claro que não existe salvador da pátria e que
as mudanças não dependem apenas de vontade política. Mas neste
momento crítico, é necessário avaliar com lucidez o personalismo
e o voluntarismo tão presentes em nossa cultura política. Isso
talvez possibilite redirecionar os métodos, estratégias e
horizontes das práticas sociais e políticas, especialmente entre
os cristãos, cujas práticas seguem mais o moralismo voluntarioso
do que uma avaliação correta das possibilidades e da correlação
de forças em jogo no cenário político.
Em conseqüência dessa avaliação, e mais conscientes do
risco de uma nova onda salvacionista, os movimentos sociais
partem para sua função específica que é conscientizar, organizar
e mobilizar as massas. A tendência é voltar às lutas de
reivindicação, sem receio de melindrar o "companheiro Lula".
Também aqui, a Argentina nos dá lições como a das "Mães da Praça
de maio", entidade-símbolo da resistência. Certamente, mais do
que a ação do Presidente Kirchner à frente do Estado, está
contribuindo para reerguer a Argentina a ação dos movimentos
sociais no quadro da Sociedade.
Desafio urgente é repensar o Estado, em vista de colocá-lo
a serviço do interesse público, libertando-o da blindagem que
lhe foi imposta pelos interesses privados dos grupos dominantes.
Nesta perspectiva, as eleições deste ano poderão fazer do
município um laboratório de renovação política.
4 . Informações sobre Projetos em destaque no Congresso
Nacional:
1. Confisco de terra em caso de trabalho escravo
A comissão especial da Câmara aprovou, por unanimidade, o
Projeto de Emenda Constitucional (PEC) que prevê o confisco da
terra onde for constatada a exploração de trabalho escravo. O
relator, deputado Tarcísio Zimmermann, acatou uma emenda da
bancada ruralista que permite também o confisco de imóveis
urbanos onde houver exploração de mão de obra escrava. Pelo
texto aprovado, as terras serão expropriadas sem qualquer
indenização e serão destinadas preferencialmente para a reforma
agrária. O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB),
Roberto Bussato, declarou que a aprovação da PEC do trabalho
escravo "é um presente à sociedade brasileira às vésperas do Dia
da Abolição da Escravatura", 13 de maio. Se aprovada, no
plenário da Câmara, a parte relativa ao trabalho escravo rural
já poderá ser promulgada. O dispositivo que trata da questão nas
cidades será remetida ao Senado para nova deliberação
2. Critérios para definir o número de vereadores
Os deputados aprovaram no dia 12.05, em primeiro turno, as
emendas constitucionais que alteram critérios para a composição
das Câmaras Municipais. Uma das alterações é a redução de 09
para 07 o número mínimo de vereadores. Com isso, cairá o número
total de vereadores de 60.311 para 55.138 mil vereadores. Pelo
texto aprovado, o número de vereadores vai oscilar entre sete -
para cidades com até sete mil habitantes - e 55 vereadores, para
cidades com mais de 10 milhões de habitantes. O ideal, segundo o
relator, é que a lei esteja promulgada até o dia 10 de junho,
data em que começam as convenções partidárias.
Nem todos os deputados/as, no entanto, estão de acordo com
o Projeto. Um grupo de Deputados o contesta numa Declaração de
Voto, preferindo "a decisão do TSE, que tinha fixado o número
geral de vereadores em 51.636 para todo país - número a nosso
ver, legítimo e razoável . A matéria, portanto, merece ser
analisada com mais calma e profundidade. Nossa esperança é que o
Senado não cometa o grande equívoco de elevar ainda mais essa
representação. Nas democracias substantivas de alta intensidade,
quantidade não quer dizer, necessariamente, qualidade".
3 . Rejeição da Medida Provisória dos Bingos
Com 32 votos contrários, 31 favoráveis e três abstenções, o
Plenário do Senado rejeitou a Medida Provisória que proibia os
bingos e jogos eletrônicos no país. Pelo que se pode acompanhar,
a derrubada da MP é fruto tanto da desarticulação da base
governista como da contestação da oposição ao caso Waldomiro
(expectativa ainda de uma CPI) e, ainda, muitos interesses
financeiros em jogo. Nem o governo nem a oposição querem assumir
a paternidade da derrubada da MP, por causa da péssima imagem
dos bingos, suspeitos de narcotráfico e lavagem de dinheiro. A
solução pode ser um novo projeto de lei. Enquanto isto, as casas
de bingos são reabertas, de forma escancarada, e os casos
julgados no âmbito do judiciário.
4 . A Lei 9. 840/99 está ameaçada
A preocupação das entidades da sociedade civil com a
moralidade pública, sob a liderança da CNBB e da OAB, moveu
montanhas para garantir a conquista da Lei 9840 contra a
corrupção eleitoral. Essa Lei tem o objetivo de contribuir para
a lisura das eleições. Mais de um milhão de eleitores a
referendaram com sua assinatura. Mas um projeto de lei do
Senador César Borges (PFL-BA), com o apoio de vários colegas,
esvaziaria a sua filosofia que cria condições para punir
práticas de corrupção eleitoral. O Projeto foi contestado por
uma série de iniciativas. Uma carta do Presidente da CNBB ao
senador levou-o a responder com uma longa justificativa, mas
também a reconhecer ser polêmico o projeto. Uma conversa do
presidente da OAB com um grupo de senadores, com a presença de
ministros do Superior Tribunal Eleitoral e da CNBB, os convenceu
a admitirem uma Audiência Pública. As comissões de Justiça e Paz
e outras entidades de todo o país se mobilizaram e contaram com
a força dos meios de comunicação. Diante de tudo isto, o Senador
César Borges retirou seu Projeto, por sugestão do senador
Antônio Carlos Magalhães. Uma batalha foi vencida, mas não a
guerra. A cassação do senador Capiberibe ainda está engasgada na
garganta de alguns colegas. Outro projeto similar, assinado por
vários senadores, está sendo articulado; agora, no entanto, em
diálogo com a sociedade civil. Está em marcha um acordo viável,
tudo indica.
5. Código de Ética da programação televisiva
Este projeto de lei ganha espaço. O seu artigo primeiro
reza: "esta lei estabelece o Código de Ética para a Programação
Televisiva Brasileira com o objetivo de oferecer aos
telespectadores alternativas de informação, cultura e lazer, que
consagrem a isenção e a pluralidade, que afirmem a
responsabilidade e o interesse público, que respeitem a
privacidade e protejam os Direitos Humanos". Este projeto do
Código de Ética está fundamentado na experiência da Campanha
"quem financia a baixaria é contra a cidadania". O autor do
projeto, deputado Orlando Fantazzini, opina que os
brasileiros/as querem mudar o perfil dos meios de comunicação .
6. Em favor da descriminação do aborto
Volta sempre à Comissão de Seguridade Social e Família da
Câmara (duas vezes neste ano) o projeto de lei que defende a
supressão do artigo 124 do Código Penal: "provocar aborto em si
mesma ou consentir que outrem lhe provoque terá pena de detenção
de um a três anos".
O autor, deputado Roberto Gouveia, embora se pronunciando
contrário ao aborto, assim justifica seu projeto: "No Brasil,
muitas mulheres, principalmente as mais pobres, após praticar o
aborto, são acometidas de infeccões e complicações secundárias.
Temendo a prisão, retardam o máximo a procura de socorro. Quando
o fazem, inúmeras vezes, ficam mutiladas, perdem o útero,
trompas, ovários. Com isso, perdem a possibilidade de procriar
ou até mesmo a própria vida".
7. Projetos de Lei sobre as Universidades
O anúncio simultâneo do "Programa Universidade para todos -
PROUNI" e do "Projeto que reserva vagas das universidades
federais para alunos da rede pública" divide as águas do debate
sobre a reforma universitária. Apresentados, na quinta-feira
13/05, no bojo do pacote de incentivo ao desenvolvimento
econômico e social, os projetos de lei se apresentam como
potencial para promover inclusão social, mas esbarram na falta
de articulação diante de tantos outros projetos similares
aguardando serem ativados no Congresso. Estes Projetos de Lei
acabam de chegar ao Legislativo. Muitas águas devem ainda passar
por baixo da ponte. As ementas:
1. "Dispõe sobre a Instituição do Programa Universidade para
Todos - PROUNI, e dá outras providências";
2. O outro Projeto de Lei "Institui Sistema Especial de
Reserva de Vagas para estudantes egressos de escolas
públicas, em especial negros e indígenas, nas instituições
públicas federais de educação superior, e dá outras
providências".
Os textos dos Projetos foram enviados, como minutas, ao
Presidente da República que, por sua vez, os encaminhou ao
Congresso Nacional. São acompanhados de cartas assinadas pelos
Ministros da Educação e pelos Ministros das áreas afins,
apresentando a justificativa.
A missiva que apresenta o "Programa Universidade para Todos
– PROUNI" insiste que "o Programa visa democratizar o acesso da
população de baixa renda ao ensino superior, pois, enquanto os
alunos do ensino fundamental e médio estão maioritariamente
matriculados em instituições públicas de ensino, o mesmo não
acontece com os alunos matriculados no ensino superior, em que
apenas 30% dos jovens universitários tem acesso ao ensino
gratuito".
A carta que fundamenta o Projeto de "Reserva de Vagas" faz
uma reflexão mais longa. Alguns trechos: "Desde 1967 o Brasil é
signatário da Convenção Internacional sobre a eliminação de
todas as formas de discriminação racial da Organização das
Nações Unidas. Nesta importante Convenção o Estado brasileiro
comprometeu-se a aplicar as ações afirmativas como forma de
promoção da igualdade para inclusão de grupos étnicos
historicamente excluídos no processo de desenvolvimento social".
(...) "Cumpre-nos acrescentar que o presente Projeto de Lei,
adotando a política de cotas, o faz de forma racional
distribuindo-as pela composição étnico racial das unidades
federativas. Ao mesmo tempo, importante salientar a combinação
de critérios de inclusão por razões específicas de etnia com
critérios universais de renda para acesso ao ensino público
superior. Assim também é assegurado o ingresso nas universidades
públicas aos estudantes egressos do sistema público de ensino
fundamental e médio". (...) "Importante salientar ainda que o
processo para construção deste projeto de lei encontra
legitimidade social consistente, vez que contou com a
participação de reitores representando suas universidades,
entidades de classe dos docentes, representação dos estudantes,
além de entidades que desenvolvem cursos preparatórios para
vestibulares entre negros e carentes no âmbito da sociedade
civil".
Colaboraram nesta Análise Pe Bernard Lestienne SJ, Antonio Abreu
SJ,
Ir. Delci Franzen e Pe. José Ernanne Pinheiro
* Pedro A. Ribeiro de Oliveira, professor na Universidade Católica de Brasília, Assessor da
Comissão Episcopal para o Laicato
Para Delfim Netto, a meta é exportar US$110 bilhões e importar US$90 bilhões.
Conforme a Confederação Nacional dos Municípios (CNM), cada parlamentar municipal consome, em média, R$ 76,8 mil
por ano. Na atual situação, com o número de 60.311 vereadores, o gasto total é de R$ 4,6 bilhões. A decisão do TSE, com
o número de 51.636 vereadores, o gasto baixaria para R$ 3,9 bilhões (uma economia de R$ 658 milhões) - cf. jornal ESP-
09/05/04.
A coordenação da Campanha da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara divulgou a lista dos programas
mais desrespeitosos dos direitos dos cidadãos. De 13/01 a 7/05 de 2004, a Comissão recebeu 1.612 reclamações. As
novelas "Celebridade" e "Kubanacan", da Rede Globo, ocupam o primeiro e o segundo lugares na lista dos programas
mais denunciados. O "Programa do Ratinho", exibido pelo SBT, foi classificado em terceiro lugar com denúncias contra
a ridicularização da pessoa humana e exibição de apelo sexual; e também contra sua exibição em horário impróprio. Pelos
mesmos motivos, os telespectadores consideraram o programa "Pânico na TV", da Rede TV, ser desrespeitoso do
cidadão.
https://www.alainet.org/pt/articulo/109987?language=en
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