Com o suor do rosto
09/05/2004
- Opinión
O mês de maio - dedicado às mães e às noivas, tempo de temperatura amena e de flores nas árvores - abre a contagem de seus dias com a comemoração ao trabalhador. O primeiro dia do mês de maio é o dia do trabalho. Não pode ser das mais alegres, no Brasil de hoje, a celebração do 1º de maio, Dia do Trabalhador. Os números, a cada levantamento divulgado, são mais alarmantes. Nas grandes capitais, a proporção do desemprego chega a 20%. Em outras regiões, embora os números sejam menores, há que ver o que se chama de trabalho: exploração da mulher e da criança em trabalho quase escravo, subemprego, bóias-frias, enfim, toda a realidade infernal em que se transformou em muitas partes do mundo, mas muito particularmente neste momento em nosso país, a necessidade primeira de ganhar a vida seja de que maneira for. A desqualificação das profissões é talvez um dos reflexos mais surpreendentes desta situação. Jovens que se prepararam ao longo de vários anos para serem engenheiros, ou professores, ou arquitetos, vêem-se de repente ao volante de um táxi, ou sendo babás de crianças ricas, ou cozinheiras de famílias abastadas ou até mesmo passam horas na fila buscando desesperadamente uma vaga de lixeiro que, com o adicional de insalubridade, paga até um salário razoável. Não há nenhum trabalho menos nobre que o outro e não queremos dizer com isso que quem se engaja em tais profissões tenha que ser olhado com menos consideração. No entanto, é frustrante perceber que as novas gerações perderam o direito de escolher para onde desejam direcionar sua vida; que o sentido de vocação, de carreira, de investimento profissional deixou longe sua razão de ser e possibilidade de existir em um mundo onde trabalho já não há e é preciso agarrar com unhas e dentes o que aparece - qualquer que seja - para ter algo que levar para casa e alimentar a família. Por trás deste panorama sombrio está o sistema neoliberal que alimenta e engorda a jogatina do capital, o qual passa a noite em determinado lugar e corre apressado para outro, onde o mercado paga mais, em vez de ser canalizado para o veio produtivo e a geração de empregos. Estão as desumanas reengenharias que fusionam empresas inteiras, fazendo sobrar na marginalização do desemprego milhares de seres humanos, alguns já em idade na qual não conseguirão mais uma posição que lhes permita terminar dignamente sua vida ativa. Está o império absoluto do lucro, que se constrói sobre os escombros das vidas humanas, não importando muito a maneira como será obtido. O trabalho faz parte da vida humana desde que o mundo é mundo. A Bíblia já reflete sobre isso e fala do trabalho como conseqüência da queda original. Querendo ser deuses, Adão e Eva comeram do único fruto proibido em toda a criação feita para seu deleite e fecundidade. Perderam a gratuidade do que lhes era dado paternalmente pelo Criador. E a partir daí a vida - embora sendo sempre dom de Deus - passou a ter um preço para que a humanidade aprendesse que não é divina: o preço de ser ganha com o esforço e com o suor do rosto. No seu imenso amor e no seu desejo de vida, o Criador não mata nem elimina da face da terra sua desobediente criatura. Mas oferece-lhe novamente a vida, convidando-o a participar ativamente de seu processo, ganhando-a com a força de seu braço e o cansaço de seu corpo. Por isso, trabalho não é castigo, como muitas vezes pensa uma errada teologia. Trabalho é resgate de dignidade, é valor, é possibilidade de ser e viver a graça infinita de ser imagem e semelhança do próprio Deus que, segundo palavras de Jesus, o Filho Encarnado, trabalha sempre ("Meu Pai trabalha sempre e eu também trabalho", João). Pelo trabalho, o homem e a mulher se sentem co-responsáveis de um mundo sempre a transformar, experimentam-se co-criadores da obra divina que, desordenada pelo pecado, reordena-se paulatinamente pelo trabalho digno e criativo do ser humano. É triste, portanto, que celebremos o Dia do Trabalhador contemplando a realidade angustiante de tantos brasileiros que dele hoje estão privados. Privados da dignidade que ele traz. Privados de viver da obra de suas mãos, do fruto de seu esforço, do produto de sua labuta. Privados de poder olhar nos olhos sua família e saber que podem prover o seu sustento, ainda que pobremente, porém dignamente. No Dia do Trabalhador, do coração de toda a nação, brota um desejo profundo feito prece e pedido ao Criador, para que o monstro do desemprego seja derrotado e que seja permitido ao povo brasileiro a simples e básica dignidade de poder ganhar o pão com o suor do próprio rosto. VISITE O NOSSO SITE - wwwusers.rdc.puc-rio.br/agape.
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