Reconciliação: convocação a todos

19/01/2004
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Após a celebração do Dia Mundial da Paz, a 1º de janeiro, temos trazido aos leitores desta coluna algumas reflexões sobre este que nos parece o problema primordial e que mais está na ordem do dia: a superação da violência e a construção da paz. Há dois caminhos concretos que podem conduzir a essa paz tão desejada e necessária nos dias de hoje, quando o mundo não consegue mais administrar seus conflitos em nenhum nível - pessoal, familiar, coletivo, político. E esses caminhos são: o perdão, sob o aspecto mais pessoal. E a reconciliação em nível mais comunitário, coletivo e social. Na perda, há um gesto gratuito que parte daquele que foi ofendido ou agredido e que escolhe persistir doando, persistir amando, apesar de tudo e contra tudo, sem saber qual será a reação da outra parte. A reconciliação, por outro lado, toca mais as conseqüências sociais da violência ou da agressão. Portanto, inclui e exige o ato do reparo das conseqüências do mal feito. Em todo caso, a reconciliação implica que uma das partes esteja disposta a ficar com um déficit, a perder, a não ganhar sempre e a ceder. Além disso, exige uma atitude desarmada e disposta ao diálogo; significa depor as próprias armas e caminhar sem defesas nem proteção ao encontro do outro, ainda que este outro seja o agressor, o autor da violência. Ao dar início ao jubileu do ano 2000, a Igreja propôs a seus fiéis esse processo de reconciliação em termos de uma purificação da memória. Esta consistiria no processo destinado a libertar a consciência pessoal e coletiva de todas as formas de ressentimento ou violência que a herança de culpas do passado pudesse haver deixado, mediante uma renovada avaliação histórica e teológica dos acontecimentos implicados que conduzisse ao correspondente reconhecimento de culpa e responsabilidade, contribuindo para um real caminho de reconciliação Semelhante processo poderia incidir de modo significativo no presente, justamente porque as culpas passadas fazem freqüentemente sentir ainda o peso das suas conseqüências e permanecem como outras tantas tentações também hoje. E aqui e agora, quatro anos depois do jubileu, sentimos que esse processo de purificação e reconciliação não terminou de fazer-se em nossas consciências e corações. A reconciliação clama por acontecer diante de toda a violência que assola a vida da humanidade, em nível macro e em nível mesmo da cidade e do país. Mas o processo de reconciliação parece tardar. Pois a purificação da memória requer "um ato de coragem e humildade para reconhecer as faltas cometidas e dispor-se a repará-las, e funda-se na convicção de que, todos, sem exceção, não tendo embora responsabilidade pessoal por isso e sem nos substituirmos ao juízo de Deus - o único que conhece os corações -, carregamos o peso dos erros e culpas dos que nos precederam. Em um mundo onde a morte campeia desenfreada, fazendo vítimas a cada momento, ninguém pode pretender-se inocente. Ao contrário, somos todos responsáveis, estamos todos implicados e, portanto, todos convocados a entrar em um grande processo de reconciliação, onde as faltas são reconhecidas e busca-se a reparação das mesmas comunitária e coletivamente, a fim de que a paz e a concórdia possam voltar a reinar entre as pessoas, nas mentes e corações. A essa convocação da Igreja no limiar do milênio, que conserva hoje toda a sua validade, a resposta continua a ser pedida de todos. Ninguém está isento de dever contribuir para essa purificação da memória. Ninguém está isento de um perdão a pedir ou a receber, de uma reconciliação a realizar ou a participar. Estando já avançado o milênio e tendo iniciado deixando o rastro de sangue de 11 de setembro de 2001, cujas funestas conseqüências se prolongam até o dia de hoje, é legítimo esperar que os responsáveis políticos e os povos, sobretudo aqueles envolvidos em conflitos dramáticos, alimentados pelo ódio e pela lembrança de feridas freqüentemente antigas, se deixem guiar pelo espírito de perdão e reconciliação, e se esforcem por resolver as oposições mediante um diálogo leal e aberto. O importante não é ganhar sempre, mas dispor-se a perder para que todos possam ganhar, já que quando a violência abre suas fauces destrutivas, não há quem não perca, quem não seja destruído, quem não seja atingido.
https://www.alainet.org/pt/articulo/109177?language=es
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