O discurso de Bush: mensagem carregada de ameaças aos povos

27/11/2003
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O presidente norte-americano George Bush escolheu a Inglaterra como palco para fazer um novo pronunciamento definidor das linhas estratégicas do imperialismo estadunidense no atual quadro internacional. Não teve pudor de defender a guerra, justificar as tropelias e crimes que tem cometido, a despeito de sua visita ser considerada indesejável pelo povo britânico e das combativas e maciças manifestações de massas contra a sua presença no país e de seu anfitrião, o primeiro-ministro Tony Blair, ser alvo de forte oposição interna. Já antes da deflagração da guerra contra o Iraque, a capital inglesa se destacou como cenário das maiores passeatas e concentrações populares nas memoráveis datas de 15 de fevereiro e 15 de março deste ano. Assim, se é carregada de simbolismo a escolha da Inglaterra por Bush para falar urbi et orbi sobre a nova política imperialista, também o é a manifestação da repulsa do povo inglês ao tirano. Foi muito significativo que Bush iniciasse seu discurso mencionando o ex-presidente norte-americano Woodrow Wilson, sobre quem pesa o julgamento de não ter sabido conquistar para os norte-americanos o domínio do mundo após a primeira Grande Guerra (1914-1918), mas que sem dúvida se distinguiu pela visão fundamentalista e messiânica com que mirava o destino e a missão dos EUA "Os EUA – dizia – têm em si uma energia espiritual que nenhuma outra nação possui para contribuir à libertação da humanidade". Tenhamos sempre presente que Bush reiteradas vezes tem invocado a "predestinação divina" para referir-se à missão do império que dirige. No discurso pronunciado ontem no Palácio de Buckingham, o presidente norte-americano referiu-se ao juramento de Woodrow Wilson, ali formulado em 1918 durante recepção oferecida pelo monarca britânico George V, de que "o direito e a justiça tornar-se-iam as forças predominantes no controle do mundo". Eis que o chefe do imperialismo norte-americano anda em busca de fundamentação ideológica para justificar sua maneira própria de conceber e praticar a reconfiguração da ordem mundial. Vale a pena lembrar ainda, a propósito de Woodrow Wilson, que ele foi eleito em 1916 com o lema da "Paz sem vitória", prometendo assim manter os EUA distantes do conflito mundial em curso. A população estadunidense opunha-se tenazmente à entrada do seu país na guerra. Uma vez entronizado, Wilson montou uma fabulosa engrenagem propagandística para fomentar a histeria chauvinista destinada a convencer a população da necessidade de atacar os alemães. "Multilateralismo" sob hegemonia americana Depois de baralhar fatos para identificar a existência de um nexo único entre os atentados de 11 de setembro de 2001 e diferentes tipos de ações sucedidas nos últimos dois anos em Bali, Jacarta, Casablanca, Bombaim, Mombassa, Najaf, Jerusalém, Bagdá e Istambul, com o claro objetivo de criar um clima alarmista e demonstrar que o terrorismo ameaça a tudo e a todos indistintamente, Bush apontou o que considera os "três pilares sobre os quais repousam a paz e a segurança das nações". O primeiro deles seria o papel das organizações internacionais para o "enfrentamento dos desafios do nosso mundo". Depois de ter vilipendiado o sistema multilateral e menoscabado as Nações Unidas, eis que vem agora a superpotência que persegue a primazia dos seus interesses transformando o unilateralismo na norma principal da sua política exterior e o militarismo no instrumento básico de sua ação internacional, proclamar que tudo fará para evitar que a ONU "escolha solenemente a sua própria irrelevância, aceitando o destino da Liga das Nações". Há pouquíssimos meses, às vésperas de atacar o Iraque, o secretário de Estado Colin Powell foi quem declarou perante o Conselho de Segurança, quando este negou autorização à ação bélica, que a ONU acabava de demonstrar a sua "irrelevância". Agora, o imperialismo norte-americano, no discurso de Bush, adota o termo "multilateralismo" e levanta a necessidade de dar "resposta global à ameaça terrorista", o que só pode significar a determinação de submeter a ONU ao seu ditame e a renovação de um esforço, inaugurado imediatamente após os atentados de 11 de setembro, de criar uma frente de governos sob sua direção, mediante ameaças: "Ou estão conosco ou contra nós", sentença formulada em 20 de setembro de 2001. Nesse sentido, mereceu destaque no discurso em Buckingham a tentativa de enquadramento da Europa e de reafirmação do papel da OTAN, "a instituição multilateral mais eficiente da história". Ao tempo em que saudou a evolução da União Européia, deu o sinal de que não admite outro alinhamento militar que não seja a Aliança Atlântica. Violência, método principal da política dos EUA Ao enunciar o "segundo pilar da paz e da segurança em nosso mundo", Bush uma vez mais consignou uma clara mensagem sobre a natureza violenta de sua política: "O segundo pilar da paz e da segurança em nosso mundo é a boa vontade das nações livres, quando se esgota o último recurso, de refrear a agressão e a maldade, pelo uso da força... O povo nos concedeu o dever de defendê-lo e às vezes, para cumprir essa tarefa é necessário refrear com violência o homem violento. Em alguns casos, o uso controlado da força é o que nos protege de um mundo caótico regrado pela violência". Tais considerações sobre o uso da força nas relações internacionais, para justificar o militarismo e o belicismo vêm acompanhadas de ameaças à Coréia do Norte e ao Irã, além de uma declaração peremptória de que a ocupação militar do Iraque permanecerá, revelando não passar de falácia e encenação o anúncio de que em seis meses o poder será devolvido à soberania iraquiana. Expansão da "democracia" em nome do primado americano O fecho do pronunciamento do presidente estadunidense é uma dissertação sobre o "terceiro pilar" da segurança: "o compromisso com a expansão da democracia global". Nesse ponto pronuncia-se com maior nitidez a determinação do imperialismo de fazer valer e cumprir o seu "destino manifesto" e para todos os efeitos fica já patenteado o pretexto para novas ações intervencionistas, que se podem transformar em guerras contra países e povos. Às vésperas do ingresso dos Estados Unidos no ano eleitoral, o discurso de Bush em Buckingham tem o mérito de deixar claras as suas intenções – levar a cabo a sua estratégia de domínio mundial por meio do "multilateralismo" forçado, sob direção norte-americana, ou por meio da guerra. O mundo não é indiferente à escolha que o povo norte-americano fará, muito embora as limitações do sistema político em cujos marcos tal escolha será feita. Para os povos, a mensagem de Bush exala ameaças, o que determina vigilância e preparação para uma luta que será necessariamente multifacética e prolongada. Para que o mundo não ingresse numa era de caos e barbárie.
https://www.alainet.org/pt/articulo/108887?language=es
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