O Brasil e a ALCA
02/09/2002
- Opinión
Em várias oportunidades, tenho deixado claro que a proposta da ALCA significa na
prática uma espécie de anexação das economias latino-americanas à economia dos
Estados Unidos, causando enormes prejuízos à nossa indústria, agricultura,
comércio, serviços - e à nossa própria cultura. A situação atual, de agravamento
da crise econômica, revela mais uma vez o quanto o nosso país está vulnerável e
enfraquecido. Dá para imaginar como ficaria se aderisse à ALCA nas condições que
está sendo proposta?
O Brasil, se depender da nossa vontade, não vai sofrer nenhum processo de
anexação. O caminho é bem outro: temos de reafirmar nossa soberania e realizar as
nossas potencialidades em nível mundial. Para isso, é preciso acreditar na nossa
capacidade, na tenacidade do nosso povo, na incrível capacidade criativa que
temos para enfrentar e vencer dificuldades.
Os EUA representam cerca de 25% de nossas exportações. Queremos mantê-las e, se
possível, aumentar as nossas vendas. Mas queremos negociar em condições de
igualdade, como deve acontecer entre parceiros comerciais. O Brasil precisa
pensar na nossa indústria e no nosso desenvolvimento. Para que se tenha uma
idéia, enquanto os produtos americanos, com raras exceções, entram livremente no
Brasil, 60% das exportações brasileiras encontram algum tipo de obstáculo para
entrar nos Estados Unidos. Ou são taxas exageradas, como a do aço e a do suco de
laranja, ou são cotas de importação, que limitam a quantidade de açúcar, por
exemplo, que podemos vender. E existem vários outros bloqueios que reduzem o
potencial das exportações brasileiras.
Um estudo feito pela embaixada brasileira em Washington constatou que as
exportações brasileiras para os EUA pagam uma tarifa média de 45%, enquanto as
americanas para o Brasil pagam em média 15%. E a administração Bush quer discutir
a ALCA sem colocar na mesa de negociações essas limitações impostas a
praticamente todos os produtos nos quais o Brasil é mais competitivo. O que vamos
discutir, então? Apenas a redução da TEC (Tarifa Externa Comum, do Mercosul) ou
da Lei de Informática, que acabamos de aprovar? O comércio tem de ser uma estrada
de mão-dupla, onde todos saiam ganhando e não somente alguns. O governo Bush tem
tomado medidas protecionistas que ferem os interesses dos outros países e isso
não pode ser consolidado num acordo geral de livre comércio.
A cada dia novos estudos demonstram que praticamente todos os setores da economia
do Brasil perdem mais do que ganham aderindo à ALCA, nas condições até agora
propostas, principalmente no segmento de produtos industrializados e de serviços.
Essa integração, especialmente se for acelerada, levará também à redução de
direitos sociais e trabalhistas, reforçando o desemprego e a precarização das
condições de trabalho, já que as empresas terão que enfrentar maior competição
reduzindo custos rapidamente.
É por isso que defendemos uma verdadeira integração política, econômica e
cultural dos países latino-americanos para poder negociar em melhores condições
com os Estados Unidos. É por isso que defendemos o fortalecimento e a ampliação
do Mercosul. É por isso também que defendemos uma posição de efetiva
solidariedade à Argentina e aos demais países que vêm sendo tragados pela grave
crise das políticas neoliberais.
Sem o Brasil a ALCA não existe. Vamos combater o protecionismo dos Estados
Unidos, tentar abrir mercado para os produtos brasileiros e, sobretudo, defender
nossa soberania. Para o Brasil, portanto, é mais interessante neste momento
defender o Mercosul, que passa por uma crise, mas já foi muito importante para a
dinamização do comércio entre seus membros, do que simplesmente aderir a um
acordo sob a hegemonia dos Estados Unidos. Reforçar o Mercosul significa atrair
os países andinos para dentro do acordo, estreitar os laços com a União Européia,
e ampliar o comércio com a China, Índia, com a Ásia de modo geral, com a África
do Sul, e com todos os países onde haja espaço para crescer.
Esclarecer essas questões junto ao povo brasileiro é fundamental para a mudança
de rumo que o nosso país precisa. Elas demarcam nitidamente o campo entre quem
defende a continuidade das políticas neoliberais, de modo claro ou disfarçado, e
quem apresenta alternativas concretas para a construção de um novo projeto de
nação.
O PT vai dar continuidade à luta contra a ALCA e em defesa de uma integração
soberana e democrática das Américas, independentemente do plebiscito que está
sendo convocado e dirigido por importantes entidades da sociedade, sem a
participação institucional de partidos políticos. Para isso, produziremos e
divulgaremos instrumentos próprios de debate e mobilização.
* Luiz Inácio Lula da Silva é presidente de honra do Partido dos Trabalhadores e
conselheiro do Instituto Cidadania
https://www.alainet.org/pt/articulo/106332?language=es
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