ALCA e a "Cegueira".
21/08/2002
- Opinión
"A responsabilidade de ter olhos quando os outros os perderam" é tema
central da obra de José Saramago, "Ensaio sobre a cegueira", Nóbel da
literatura em 1998. E é exatamente neste espírito que este ano milhares de
ativistas, das mais diversas correntes de pensamento, das mais diversas
organizações da esquerda latino-americana, e setores da Igreja
progressista, realizarão um plebiscito para que a população decida se o
sub-continente deve aderir ou não à ALCA.
O plebiscito será realizado na "Semana da Pátria", e pretende mobilizar os
povos da América Latina no sentido de impedir que este ataque do
imperialismo sobre o continente seja efetuado.
É bem verdade que muitas pessoas tem assistido os noticiários globais e
acreditado nas falácias propagandeadas por estes meios, como se a ALCA
fosse trazer benefícios para os povos latino-americanos. Tal cegueira é
resultado por um lado da falta de informação que a maioria da população tem
em relação ao tema, e por outro, da escandalosa informação distorcida que a
mídia têm veiculado sobre o assunto. O que os EUA pretendem com a ALCA é
submeter econômica, política, militar e culturalmente todo o nosso
continente a sua hegemonia. O secretário de estado do governo Bush, General
Colin Powell, sintetizou assim : " O nosso objetivo com a ALCA é garantir
para as empresas norte-americanas, o controle de um território que vai do
Pólo Norte até a Antártida e livre acesso, sem nenhum obstáculo ou
dificuldade, de nossos produtos, serviços, tecnologia e capital em todo o
Hemisfério!".
É de uma cegueira absurda a comparação que muitos tentam fazer entre a
integração ocorrida na Europa, a União Européia, com a ALCA. A Alemanha,
principal economia européia, representa 26% daquele continente, seguida
pela França, 20%, enfim, há um equilíbrio relativo entre as economias;
enquanto que os EUA representam 76% da economia do continente Americano.
Assim, não pode haver acordo entre desiguais, e sim a submissão total de
todos aos interesses norte-americanos.
Não iremos ser cidadãos americanos, com livre circulação nos EUA, como
ocorre na comunidade européia, e quem tiver qualquer dúvida é só lembrar do
"Muro da Vergonha", que separa toda fronteira do México da "terra da
liberdade".
A mesma mídia que faz a propaganda eufórica da ALCA é a mesma que noticia o
protecionismo ianque contra o aço, laranja, soja etc.
A ALCA vem acompanhada da submissão financeira com dolarização das
economias, da militarização do continente e do intervencionismo político. O
pequeno país da América Central, o Equador já teve a sua moeda extinta em
detrimento do dólar. Não podemos esquecer da Argentina, que praticamente
dolarizou a economia no começo da década passada e, para utilizar o
linguajar neo-liberal, "fez o dever de casa". O resultado todos estamos
vendo.
Na Colômbia os ianques intervém militarmente com o famigerado Plano
Colômbia; sob a alegação de combate ao narcotráfico, os EUA (maior
consumidor de cocaína do mundo) garantem os lucros de sua indústria
armamentista através da colaboração do subserviente governo de Pastrana.
Aqui no Brasil, tentam colocar os seus tentáculos com uma base militar em
Alcântara (MA), com a ajuda, é claro, do governo do "príncipe da
sociologia".
Na Venezuela, um golpe articulado na embaixada americana, com o apoio da
mídia e da burguesia venezuelana, quase pôs abaixo o governo de Hugo
Chavez, não fosse a mobilização do heróico povo venezuelano.
A nossa responsabilidade como estudantes de História de uma universidade
pública, paga com os impostos do povo, é cada vez maior. A dívida social
que temos deve ser paga com o não-conformismo, com o engajamento, com a
ação prática, e principalmente, com a responsabilidade dos que tem "olhos"
devem ter para com os cegos.
* Demian Melo é coordenador de formação política do CAMMA
https://www.alainet.org/pt/articulo/106284?language=en
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