Economia de cassino

08/02/2002
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Há quem procure salvar a ordem capitalista mundial, que fracassou em relação a 2/3 da humanidade, mudando-a de maquiagem, como ocorreu na década de 1930, quando o liberalismo cedeu lugar ao keynesianismo. As teorias de Keynes apresentaram-se como uma espécie de terceira via entre o livre mercado e a planificação centralizada. De fato, estimularam o planejamento estratégico capaz de salvar os interesses privados do grande capital. Não lhe importava a sorte dos pobres. Interessava era disciplinar o jogo capitalista, para que o acirramento da competição não viesse a destruir o próprio sistema. O keynesianismo vinculava investimentos e créditos à esfera produtiva, binômio que alavancou o crescimento econômico das nações industrializadas e favoreceu as políticas de pleno emprego e de distribuição de renda. Graças aos fatores que regulavam a economia centrada na produtividade, a esfera financeira não se contaminou pela febre lotérica de cassinos e Bolsas de Valores. A ordem monetária assegurava a paridade fixa das moedas e a conversão de uma moeda a outra obedecia a certas restrições. Os créditos internacionais eram gerenciados por relações intergovernamentais e, em geral, vinculados a projetos de desenvolvimento. Desde a década de 1970, Keynes emigrou para o limbo dos verbetes de enciclopédias e dos retratos na parede. O capital privado quebrou as algemas que o prendiam à esfera produtiva. E já que dentro de seus respectivos países o capital privado não tinha como despir-se de sua fantasia de bom-mocismo, ele tratou de cair na gandaia internacional, onde não há restrições legais ou é mais fácil burlá-las pelo controle de organismos como o FMI e a OMC, e pela criação do faroeste financeiro em paraísos fiscais. Saiu Keynes, entrou o neoliberalismo. O crédito privado canalizou-se para o feltro verde do mercado de capitais. No cassino global, a especulação superou a produção. E como o capital especulativo não gera capacidade produtiva, aos poucos diminuiu a possibilidade de remunerar o trabalho e aumentou a de concentrar mais renda em cada vez menos mãos. Com tanto dinheiro pirata a percorrer mares e ares do planeta, os países periféricos estenderam seus pires. Quanto mais dinheiro na mão, mais se alargava o buraco no chão (vide Argentina). Na década de 1980, a crise da dívida e(x)terna desvalorizou moedas e jogou os países periféricos nas águas revoltas da instabilidade monetária. No salve-se quem puder, abandonou-se a paridade fixa, e o livre fluxo de capitais impeliu os ventos especulativos, naufragando ainda mais as economias do Terceiro Mundo. Barquinhos puxados pelo galeão do FMI, os países periféricos, afogados por suas dívidas externas, acataram a sugestão de livrar-se de pesos para evitar o naufrágio. Assim, suspenderam suas barreiras alfandegárias e hipotecaram sua infra-estrutura produtiva. Estrangulados, abriram suas portas aos produtos estrangeiros, fortalecendo as empresas transnacionais e enfraquecendo as próprias. Em 1982, a participação das 200 maiores empresas no PMB (Produto Mundial Bruto) era de 24%; hoje, é de 35%. Mais de 50% do PMB estão em mãos de 35 mil empresas transnacionais, segundo Jorge Beinstein (La crisis de la economia global, Buenos Aires, Corrigidor, 1999). Em resumo, o mercado mundial é controlado por empresas transnacionais em detrimento das economias nacionais. É o controle deste mercado que assegura o lucro exorbitante dessas empresas, e não o aumento da produtividade delas. Poderosas, elas forçam governos a privatizarem os patrimônios público e estatal, e submetem a iniciativa privada nacional a fusões e incorporações, de modo a concentrar o capital em cada vez menos mãos. É o ovo de Colombo, enfim posto de pé: obtém-se vantagens por concentrar em poucas mãos a renda mundial, sem fomentar o crescimento dessa renda. Nesse modelo excludente, cada fusão, aquisição ou privatização significa mais cortes de pessoal. Portanto, mais desemprego, menos renda familiar e mais perda de cidadania. A renda acumulada não prioriza os investimentos produtivos, mas os especulativos. É a economia de cassino. Os investimentos não criam necessariamente riquezas e, muito menos, postos de trabalho. As dívidas pública e privada se agravam. Hipoteca-se, assim, o futuro, que inevitavelmente entrará em colapso. Essa economia de cassino tem vida curta. Na Bolsa, a cotação das ações não corresponde ao valor das empresas. O dinheiro virtual não tem respaldo na riqueza real. As Bolsas sobem, os índices sociais descem. O crescimento econômico decresce e, ainda assim, é meramente virtual, pois não se traduz em benefícios à maioria da população (vide Brasil). Keynes evitou o colapso na década de 1930 porque estreitou os vínculos entre investimento e esfera produtiva, favorecendo o emprego e a redistribuição de renda. Uma alternativa pós-capitalista deverá vincular os investimentos à produtividade e adotar uma redistribuição de renda em escala planetária. Pois quanto maior a concentração da renda mundial, menor a demanda. Comparados à maioria pobre da população, os mais ricos destinam uma proporção menor ao consumo. Os assalariados canalizam todos os seus recursos para o consumo. Só a ambição desmesurada impede os donos do dinheiro de perceberem que, quanto maior a concentração de renda, maior a paralisação da demanda. Por isso, o índice de crescimento real do PMB baixou de 5,2%, no período 1966-1973, para 3,4% entre 1974-1980. E caiu de 3,1%, entre 1981-1990, para 2,8% entre 1991- 1999. * Frei Betto é escritor, autor de A Obra do Artista uma visão holística do Universo (Ática), entre outros livros.
https://www.alainet.org/pt/articulo/105598?language=es
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