Direitos Humanos no Brasil, 2001

24/01/2002
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A Rede Social de Justiça e Direitos Humanos, em colaboração com outras 27 organizações, lançou recentemente o relatório Direitos Humanos no Brasil 2001, contendo um amplo panorama dos direitos fundamentais no País. O livro retrata um triste cenário de violações dos direitos civis, políticos, econômicos, sociais, culturais e ambientais. Uma das principais constatações, presente em todo o texto, é de que as principais vítimas dessa violência representam os setores mais oprimidos e marginalizados de nossa sociedade. Um artigo do Pe. Ricardo Rezende descreve, por exemplo, como trabalhadores migrantes, vítimas da seca e da miséria no Piauí, são escravizados em grandes latifúndios na região entre os rios Araguaia e Xingu. O trabalho escravo é tema de outros dois textos, do escritor Frei Betto e da jornalista Evanize Sydow, que trazem dados impressionantes. Segundo a Comissão Pastoral da Terra, foram encontrados 991 trabalhadores em situação de escravidão, de janeiro a outubro de 2001, no Sul do Pará. Esses números demonstram que os casos de trabalho escravo triplicaram no Brasil, em comparação ao ano anterior. O relatório denuncia também o desvio de verbas de combate à seca. Somente durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, foram liberados R$ 673 milhões para obras que continuam inacabadas. Enquanto isso, assistimos imagens de crianças na beira das estradas, esperando por esmolas para matar a fome. Os trabalhadores sem terra continuam a sofrer diferentes formas de repressão. A Comissão Pastoral da Terra documentou 23 casos de assassinatos de trabalhadores rurais, de janeiro a setembro de 2001. Além disso, ocorreram oito assassinatos no Sul do Pará, de setembro a novembro. De abril a julho, 126 lavradores sofreram prisões arbitrárias— a maior média histórica. A situação dos povos indígenas é retratada por Rosane Lacerda, assessora jurídica do Conselho Indigenista Missionário (CIMI). Ela constata que, até 31 de julho, 442 áreas indígenas permaneciam sem demarcação. De janeiro a setembro, o CIMI registrou nove casos de assassinatos de indígenas no País, dos quais pelo menos três foram atribuídos a policiais militares. Outro tema polêmico, que tem sido ignorado pela maioria dos meios de comunicação, se refere ao deslocamento de populações rurais em função da construção de grandes barragens. Segundo Glenn Switkes, diretor da organização International Rivers Network e assessor do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), um milhão de pessoas já sofreram esse tipo de impacto no Brasil. A atual crise energética agravou essa situação e serviu como justificativa para que o governo aprovasse a Medida Provisória 2147, que estabelece um prazo de apenas seis meses para o licenciamento da construção de barragens. O ministro Pedro Parente justificou a medida, dizendo que “questões ambientais atrasam os projetos”. A maioria desses projetos estão localizados na região amazônica e contam com financiamentos do Banco Mundial e do Banco Interamericano de Desenvolvimento. Somente no rio Xingu está prevista a construção de seis barragens, inclusive em territórios Indígenas. Uma delas, a Belo Monte, pode vir a ser a segunda maior barragem do mundo. Além disso, existem 14 obras previstas nos rios Tocantins e Araguaia. A remoção forçada de comunidades rurais é denunciada também pelo antropólogo Alfredo Wagner Berno de Almeida, em um artigo que trata da ameaça imposta pela base de lançamento de foguetes em Alcântara, no Maranhão. Organizações locais, como o Sindicato de Trabalhadores rurais de Alcântara, o Centro de Cultura Negra do Maranhão e a Sociedade Maranhense de Direitos Humanos alertam para a destruição do território étnico de Alcântara, caso o governo brasileiro estabeleça um acordo de utilização da base pelo governo dos Estados Unidos. Esse acordo prevê o deslocamento de dezenas de povoados remanescentes de quilombos. A ocupação da base de Alcântara faz parte da estratégia de militarização imposta pelos Estados Unidos na América Latina, através do Plano Colômbia. O relatório dedica um capítulo à análise da conjuntura nacional e internacional, principalmente após os ataques terroristas de 11 de setembro, que serviram como justificativa para uma série de violações de direitos humanos por parte do governo dos EUA. Em um artigo intitulado “Globalização e Direitos Humanos”, o escritor Frei Betto afirma: “Os atentados de 11 de setembro de 2001 foram uma hedionda resposta à seqüência de violações de direitos humanos praticadas pela política estadunidense ao longo de sua história”. A professora Cecília Coimbra, vice-presidente do Grupo Tortura Nunca Mais/RJ, lembra que “Diante do horror e da barbárie provocados pelos atos terroristas contra o povo norte-americano, ocorridos no dia 11 de setembro, deve-se lamentar, se solidarizar e se unir à dor dos familiares das vítimas. Entretanto, não se pode aceitar a escalada terrorista a nível mundial, encabeçada pelo governo dos Estados Unidos, que vem ferindo profundamente os direitos dos cidadãos”. A luta contra a discriminação racial, a xenofobia e a intolerância, também é tema do relatório. O Brasil é um dos países com maior grau de desigualdade no mundo, onde 34% da população negra vive abaixo do nível da pobreza. A taxa de analfabetismo chega a 22% e apenas 2,3% dos negros concluem o curso superior. Com o objetivo de reverter esse quadro, organizações do movimento negro presentes na Conferência Mundial Contra o Racismo, na África do Sul, como a Articulação de ONGs de Mulheres Negras Brasileiras, apresentaram uma série de propostas e cobraram a implementação de políticas públicas de combate ao racismo por parte do governo. O relatório Direitos Humanos no Brasil 2001 denuncia ainda a discriminação contra homossexuais, a violência policial, a tortura nas Forças Armadas, a espionagem do Exército contra movimentos sociais, a situação dos moradores dos cortiços em São Paulo, a violência contra mulheres e crianças. Um caso emblemático trata de 21 homicídios de meninos entre 9 e 15 anos, que tiveram seus órgão genitais extirpados, no Maranhão. Nessa análise sobre direitos humanos no Brasil, que apresenta um quadro de tantas violações, os aspectos positivos se situam justamente na luta e dedicação de muitas organizações e movimentos sociais, que nos indicam as saídas, servindo de inspiração e cultivando nossa esperança. * Maria Luisa Mendonça é diretora da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos e membro do Comitê Organizador do Fórum Social Mundial.
https://www.alainet.org/pt/articulo/105567?language=es
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