Que esperança para 2002?
30/12/2001
- Opinión
Ultimamente muitos me tem perguntado: que podemos esperar para o ano
2002? Face à dramaticidade dos dias atuais guardei silêncio
constrangedor. Uma entrevistadora me apostrofou: ?Mas o Sr. não é
teólogo? Teólogo sempre tem fé e esperança?. De minha parte poderia ter
recitado a lição do cristianismo: depois que Jesus ressuscitou não nos é
mais permitido perder a esperança. A vida e não a morte foi a última
palavra que Deus pronunciou sobre a tragédia humana. De fato, a esperança
cristã garante o fim bom da história. Mas não nos diz por que caminhos
chegaremos lá. Por isso nem ousei recorrer a essa reserva espiritual de
esperança. Pois, pensei: para que a vida triunfasse foi preciso passar
por ?una noche oscura y terrible?como diriam os místicos. Os textos
sagrados referem que a crise que gestou a vida nova por Jesus
ressuscitado foi tão radical que abalou o que existe de mais consistente
(o firmamento) e atropelou o que há de mais sagrado (o véu do templo). A
esse custo o Sol voltou a brilhar.
Não vivemos tempos semelhantes? É melhor calar reverentemente do
que dizer tagarelices adocicadas. Depois, dando tratos à bola, pensei em
dois pontos que nos poderão trazer alguma esperança: a não lineariedade
do processo evolucionário e o efeito borboleta, argumentos derivados da
cosmologia contemporânea.
O processo da evolução não se faz linearmente, mas por rupturas. A
partir de certo momento, a complexidade aumenta, acumula-se energia que
provém misteriosamente do vácuo quântico até que rompe todas as
barragens, produz uma ruptura, o antigo se desestrutura e o novo irrompe
com força seminal. Surge uma nova virtualidade no universo, na sociedade
ou na biografia de uma pessoa e rasga-se um novo horizonte de esperança.
Não são poucos que vêem na atual situação os sintomas das grandes
viragens que a evolução e a Terra passaram. Elas representam uma
travessia que destrói uma ordem e induz uma nova. Não estamos passando do
local ao global? Do Estado-nação à sociedade planetária? Da sociedade
planetária à sociedade de vida? Da sociedade de vida ao superorganismo
vivo, Gaia? De Gaia ao cosmos? Um novo estado de consciência esta
imergindo, rumo ao que Teilhard de Chardin chamava de noosfera, vale
dizer, a humanidade se reunindo num único lugar, no planeta Terra, com os
corações e as mentes (noos) buscando equilíbrio e harmonia mais altos.
Não estariam a catástrofe de novembro e seus desdobramentos acelerando a
ruptura inevitável e abrindo espaço para o novo emergente, portador de
esperança para a humanidadae? Oxalá 2002 nos leve mais avante nesse
processo. Vale esperar.
O segundo argumento de esperança reside no assim chamado efeito
borboleta. Ele é uma deriva da física quântica que nos ensina: tudo tem a
ver com tudo e somos todos inter-retro-dependentes. Por isso cada
indivíduo é um elo da imensa corrente de energia e de vida e conta muito.
O efeito borboleta representa uma concretização deste princípio. Foi
identificado em l960 pelos que fazem previsões meteorológicas. Nesse
campo como em outros funcionam sistemas caóticos, quer dizer, sistemas
nos quais a imprevisibilidade domina. Como um todo, tais sistemas também
estão submetidos a leis matemáticas passíveis de descrição; mas seu
comportamento concreto não pode ser previsto. Pequenas modificações podem
ocasionar grandes mudanças. Então se disse:?Se uma borboleta em Hongkong
farfalha suas asas, pode provocar uma tempestadade em Nova Iorque?. Ou
como num estádio de futebol: bastam alguns começarem a fazer a Ola e, de
repente,o estádio todo é contaminado e surge uma incomensurável Ola. É o
efeito borboleta: um pequeno gesto pode ocasionar grandes transformações.
Esse gesto pode estar escondido em cada um de nós. E está. Como estamos
ligados a tudo e a todos, ele pode desencadear aquele processo cujo
efeito é uma incomensurável transformação na história. O ano 2002 se
inscreve dentro deste arco e desta esperança possível.
https://www.alainet.org/pt/articulo/105529?language=en
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