Depois daquela terça

Mudou o mundo ou mudamos nós?

18/09/2001
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Já nunca mais seremos os mesmos depois daquela terça-feira? Outras vezes a humanidade se colocou essa pergunta: depois da primeira guerra mundial, quando as nações que se consideravam as mais "civilizadas" da época – Inglaterra, Alemanha, França, EUA, entre outras – se engalfinharam no mais violento conflito bélico até então e produziram milhões de mortos. O acelerado – e até então inquestionado progresso da ciência – havia sido utilizado para fins de destruição e de conquista imperial. E se tratava – segundo se dizia então – da última guerra, da "guerra para acabar com todas as guerras", que ia demorar pouco e se arrastou por longos quatro anos. De novo Auschwitz e o projeto frio e "cientificamente" calculado de extermínio de raças – judia e cigana – consideradas inferiores, fez com que o filósofo alemão Theodor Adorno dissesse que já não era mais possível pensar o mundo e as coisas da mesma maneira depois de tudo aquilo a que o homem – no centro da "civilização’ havia produzido. O horror das cenas daquela terça nos recordaram que a guerra de 1914 inaugurou um período da história em que a grande maioria das mortes violentas são resultado de homens matando homens – na criminalidade cotidiana, no trânsito, mas sobretudo nas guerras. Os dois "livros negros" – do capitalismo e do socialismo – buscam fazer a macabra estatística das vítimas, mas qualquer que seja o diagnóstico, foram vítimas de potências com pretensões imperiais e dos desdobramentos que elas provocaram – de que as duas guerras mundiais são o exemplo mais flagrante. Antes daquela data, era a natureza e suas catástrofes a responsável pela grande maioria das mortes violentas. Com o controle da natureza pelo homem, as causas se transferiram para a história humana. Mudamos nós e mudou o mundo, embora mais aqueles do que este depois daquela terça. Os EUA eram a única super-potência mundial e se encarregam de reafirmar que continuam sendo. As ações de violência tem como resposta mais violência – verdade tão insofismável quanto a anterior. A mídia norte-americana diz como são as coisas e quem é quem para a grande maioria da opinião pública mundial. A economia dos EUA continua a ser a referência dominante no mundo. Então o que mudou? O mundo se tornou mais inseguro? A insegurança já era uma característica da vida da grande maioria das pessoas antes daquela terça. Insegurança e medo de perder o emprego, de ser assaltado, medo de pegar algum vírus, de comer comida estragada, medo da guerra, meda da fuga de capitais e da desestabilização que provoca. O que mudou é que nenhum lugar do mundo agora pode se considerar protegido, nem as capitais vencedoras da globalização – Seattle ou Nova York. Globalizaram- se a insegurança e o medo. Mudou mais o clima do mundo, do que o mundo mesmo. O mundo não é menos injusto, não exclui menos gente, nem discrimina menos do que antes daquela terça. Ao contrário, discrimina mais, exige mais força nas mãos dos poderosos, provoca mais imigrações, sofrimento e miséria dos mais pobres. Mas o mundo pode mudar a partir daquela terça, refletindo sobre o que passou, por que passou e o que fazer para que não volte a passar. Depois que nenhum rincão do mundo pode se sentir seguro, podemos pensar que ou há segurança para todos ou não haverá para ninguém. Da mesma forma que, quando os EUA se tornarem vítimas do fugaz capital especulativo – por exemplo, com uma fuga maciça dos capitais japoneses de suas bolsas de retorno a seu país de origem -, eles deixarão de ser aproveitadores da especulação financeira, para se somarem às vítimas. Nessa hora talvez seja possível taxar esse capital maligno e restabelecer um clima de certa confiança, estabilidade e crescimento econômico no mundo. Quando até as até ali tranqüilas ruas de Nova York não estão a salda da insegurança e do medo, a humanidade tem uma nova oportunidade de mudar suas formas de vida, de convivência e assim mudar o mundo para um lugar seguro e com menos medo para todos. Infelizmente a humanidade não tem um governo. O sistema político internacional é governado por alguns países – ainda assim, um mais que os outros – e é esse sistema concentrado de poder que segue dominando o mundo depois daquela terça-feira, fazendo com que o que muda em nós sirva até aqui pouco para mudarmos o mundo.
https://www.alainet.org/pt/articulo/105355?language=es
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