É preciso?
17/07/2001
- Opinión
É preciso matar camponeses, porque a intocável estrutura rural não
permite que tenham acesso à terra.
É preciso matar crianças pobres, porque não serão nem os consumidores
de luxo, nem os trabalhadores altamente qualificados que o mercado
requer.
É preciso matar jovens nas periferias, porque atentam contra a
sagrada propriedade privada.
É preciso matar mendigos, porque sua presença torna insuportável a
circulação dos bem-postos pela cidade.
É preciso cortar recursos das políticas sociais, porque a ditadura do
equilíbrio orçamentário acertada com o FMI impõe.
É preciso esperar para diminuir a pobreza pela metade até 2015,
porque o ministro da Fazenda, zeloso cumpridor dos mandamentos do
capital financeiro, assim o ditou.
É preciso fazer pagar os idosos, porque o presidente da República tem
que pagar os juros da dívida externa que seu plano gerou.
É preciso agradar os poderosos, porque eles são poderosos.
É preciso tratar bem os ricos, porque são eles que financiam as
campanhas eleitorais.
É preciso tratar mal os pobres, porque eles são pobres e são muitos.
É preciso sorrir, para dar a impressão que a situação está sob
controle.
É preciso gastar muito dinheiro em propaganda, para diminuir o
descontentamento.
É preciso buscar sistematicamente bodes expiatórios, para que se
pense que são eles os responsáveis pelos problemas do país.
É preciso ser fraco com os fortes, porque eles são fortes, e forte
com os fracos, porque eles são fracos.
É preciso dizer que todas as crianças estão nas escolas, para que se
pense que é verdade.
É preciso adiar a resolução dos problemas, para que o país sempre
precise de salvadores.
É preciso retribuir os favores dos que financiam as campanhas
eleitorais e ser implacáveis com os que se opõem.
É preciso calar sobre a violência prepotente das grandes potências
nos conflitos mundiais, porque o presidente tem medo delas.
É preciso culpar os trabalhadores pelo seu desemprego, os pobres pela
sua pobreza, as vítimas pela sua fraqueza e os excluídos pela sua
exclusão.
É preciso dizer sempre que o que tinha que ser feito foi feito, que o
governo é honrado e que a crise vem de fora.
É preciso falar, falar muito, fazer como se o país estivesse em boas
mãos, como se cada um devesse se virar para sobreviver e deixar o
governo para os governantes.
É preciso liberar os ricos de pagar impostos, para que façam o que
bem entendam com o seu dinheiro, porque disso eles entendem.
É preciso cobrar impostos dos assalariados, porque é do trabalho que
vem a riqueza, inclusive do Estado.
É preciso viajar muito, para dar a impressão que a imagem externa do
país é boa, falar em vários idiomas para fazer passar que se é culto,
fotografar-se com estadistas para contrabandear que se é um deles e
falar bem da globalização, para agradá-los.
É preciso falar mal do Brasil e dos brasileiros, dizer que são
caipiras, não gostam de trabalhar, só querem saber de aumento de
salários, querem se aposentar cedo, para baixar a auto-estima de
todos e favorecer a desarticulação da nacionalidade em favor de
padrões de consumo do norte.
É preciso dizer que há milhões de ''inimpregáveis'', para que esses
milhões se resignem à sua sorte e não culpem o governo.
É preciso dizer que o desemprego é ''tecnológico'', para que ninguém
pense em diminuir a jornada de trabalho, a fim de que todos trabalhem
menos para que todos trabalhem.
É preciso fingir que se lê, mas desprezar a cultura, colocar
ministros e seus auxiliares como se fossem da área cultural, mas que
sejam ineptos, enquanto se desqualifica o debate.
É preciso desqualificar o debate, para que não se saiba que há
alternativas, melhores que a atual.
É preciso ser de direita, fingindo que se é de esquerda ou, se não é
mais possível, dizer - como faz a direita - que já não há direita e
esquerda.
É preciso não ir ao enterro do Florestan e do Betinho, para evitar
manifestações de desagrado.
É preciso empurrar a crise para baixo, para que os estados e
municípios paguem por ela e o governo federal possa pagar as contas
do FMI.
É preciso ser cínico e imoral, pregar a ética da responsabilidade em
detrimento das convicções.
É preciso ser amigo de ACM, de Roberto Campos, de Inocêncio Oliveira,
para tentar se manter no poder.
É preciso não fazer a reforma agrária, para não desagradar os aliados
e chamar um ex-comunista para fazer frente aos sem-terra.
É preciso deixar os pobres analfabetos, sem cultura e sem informação
veraz, para que sigam pobres.
É preciso dotar os ricos de informações privilegiadas, para que sejam
mais ricos e mais amigos.
É preciso, é preciso. Será mesmo preciso?
https://www.alainet.org/pt/articulo/105254?language=en
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