Poder e ignomínia: ofuscados por Israel, cegos em Gaza
06/08/2014
- Opinión
O Senado norte-americano vota de modo unânime para defender Israel, incluindo o senador Bernie Sanders, de Vermont. Não acredito que ele tenha feito por dinheiro. É um membro assíduo do PETEI (“Progressistas em Tudo, Exceto Israel”), o segmento liberal da sociedade norte-americana que não é progressista em muitas coisas, incluindo Israel.
Tomemos, como exemplo, o caso do “coronel” Sanders. Eu pensava que meu finado amigo Alexander Cockburn às vezes era muito duro com Sanders, mas eu me enganei. Sanders leva muito tempo sendo um puxa-saco, tal como nos informou Thomas Naylos, desfazendo os mitos que rodeiam o senador no artigo do CounterPunch em setembro de 2011:
“Ainda que possa ter sido socialista no passado, nos anos 1980, quando era prefeito de Burlington [Vermont], hoje socialista é o que ele não é. Ele mais se comporta como um tecnofascista disfarçado de liberal, que respalda todas as repugnantes guerrinhas do presidente Obama no Afeganistão, Iraque, Líbia, Paquistão, Somália e Iêmen. Dado que sempre “apoia as tropas”, Sanders nunca se opõe a qualquer projeto de lei de gastos com Defesa. Respalda todos os contratistas militares que levam a Vermont postos de trabalho muito necessários.
O senador Sanders raramente perde a oportunidade de fazer foto com as tropas da Guarda Nacional de Vermont quando elas são enviadas ao Afeganistão ou ao Iraque. Está sempre no Aeroporto Internacional de Burlington quando elas voltam. Se Sanders apoiasse de verdade as tropas de Vermont, votaria rapidamente para acabar com todas as guerras”.
Um voto unânime no Senado é raro. Portanto, o que explica o fato de ele ser mais leal a Israel do que o são vários judeus críticos desse mesmo país? Um fator importante é, sem dúvida, o dinheiro. No ano de 2006, quando a London Review of Books publicou um artigo (encarregado e rechaçado pelo Atlantic Monthly) dos professores Walt e Mearsheimer sobre o grupo de pressão israelense, produziu-se a habitual agitação dos suspeitos habituais. Não do defundo Tony Judt, que defendeu publicamente a publicação do texto e que se viu submetido a violentas ameaças e a odiosas correspondências por parte de já sabemos quem.
A New York Review of Books, por acaso envergonhada de sua falta de determinação nessa questão, entre outras coisas, encomendou um texto a Michael Massing que apontava alguns erros do ensaio de Mearsheimer/Walt, mas, ao mesmo tempo, proporcionava algumas cifras interessantes. Seu artigo merece ser lido como um todo, mas o seguinte trecho ajuda a explicar o voto unânime de apoio à atuação israelense:
“Os defensores do AIPAC [Comitê de Ação Política Norte-americano-Israelense] gostam de defender que seu exército se explica por sua capacidade de explorar as oportunidades que dispõe na América do Norte democrática. Até certo ponto, é verdade. O AIPAC dispõe de uma formidável rede de apoio dos EUA. Seus 100 mil membros – aumentaram em 60% nos últimos 5 anos – têm controle das nove oficineas regionais do AIPAC, suas dez oficinas satélite, e uma equipe em Washington de mais de cem pessoas pessoas em Washington – entre elas, gestores, pesquisadores, analistas, organizadores, publicitários, respaldados por um orçamento de 47 milhões de dólares... Essa descrição, no entanto, não abarca um elemento-chave do êxito do AIPAC: o dinheiro. O mesmo AIPAC não é um Comitê de Ação Política [entidades que recolhem dinheiro para campanha política nos EUA]. Após avaliar o histórico de voto e as declarações públicas, elas proporcionam informações a esses comitês, que dão dinheiro aos candidatos. O AIPAC as ajuda a decidir quem são os amigos de Israel de acordo com os critérios do AIPAC. O Center for Responsive Politics, um grupo apartidário que analisa as contribuições políticas, recolhe uma lista de um total de 36 pró-israelenses, que no conjunto doaram 3,14 milhões de dólares aos candidatos nas eleições de 2014. os doadores pró-israelenses dão muito mais milhões. Nos últimos cinco anos, por exemplo, Robert Asher, junto de vários de seus parentes (um mecanismo habitual para maximizar os aportes), doou 148 mil dólares, sobretudo me somas de mil ou 2 mil dólares, a um ou outro candidato.
Um antigo membro do AIPAC me descreveu como esse sistema funciona. Um candidato entra em contato com o AIPAC e expressa suas fortes simpatias por Israel. O AIPAC informa que não patrocina candidatos, mas se oferece a apresentar pessoas que podem apoiá-los. O candidato será apresentado a um associado ao AIPAC para que este atue como uma pessoa de contato. Reunirão cheques de 500 ou mil dólares provenientes de doadores pró-israelenses e enviarão ao candidato com uma clara identificação com as opções políticas dos doadores (tudo isso é perfeitamente legal). A isso se acrescentam reuniões para arrecadar fundos em diversas cidades. Frequentemente, os candidatos vêm de Estados com uma população judia insignificante.
Um membro do pessoal do Congresso me contou o caso de um candidato democrata de um estado montanhoso que, desejoso de ter acesso ao dinheiro pró-israelense, contatou o AIPAC, que lhe designou um executivo de Manhattan ansioso por ascender na organização do AIPAC. O executivo organizou uma reunião para arrecadar fundos em seu apartamento do Upper West Side, e o candidato saiu dali com 15 mil dólares. No reduzido mercado de anúncios televisivos e de imprensa em seu estado, essa soma demonstrou ser um fator importante. Assim o congressista se transformou em um dos vários membros nos quais se pode confiar para votar seguindo os desígnios do AIPAC (a pessoa em questão me deu o nome do congressista, mas me pediu que não o dissesse para evitar a vergonha).
Tudo isso é possível graças à política oficial norte-americana desde 1967. Se os EUA chegasse algum dia a modificar sua posição sobre esse assunto, os votos unânimes seriam impossíveis. Mas nem sequer nos EUA chegaram a proibir as manifestações públicas que se opõem à brutalidade israelense e o consequente desdobramento do terror estatal.
Em um fim de semana (18-19 de julho de 2014) no qual houve manifestações em diversas partes do mundo, o governo francês proibiu uma marcha em Paris organizada por inúmeros grupos – entre eles, várias organizações judias não sionistas da França. Desafiaram a proibição. Vários milhares de pessoas se vieram em meio a gases lacrimogêneo lançados pelas odiadas CRS (as Companhias Republicanas de Segurança). O primeiro-ministro Manuel Valls – desesperado oportunista e neocon, açoite dos romanos na França, que compete com Le Pen pelo volto da direita, e é um enfeite, nada surpreendentemente, de um Partido Socialista Francês que continua o modelo de um desavergonhado embusteiro e criminoso de guera (Tony Blair) – explicava a proibição em razão de “não fomentar o antissemitismo” etc. O controle do grupo de pressão de Israel na França é total. Domina a cultura dos meios de informação franceses e as vozes críticas a Israel (tanto judias como não judias) ficam efetivamente caladas.
O poeta e crítico israelense Yitzhak Laor (cujas obras, que retratam a brutalidade dos soldados israelenses, foram às vezes proibidas em seu próprio país) descreve a nova ascensão do eurossionismo em termos mordazes. A “ofensiva filossemita” é ahistórica:
Seria simplista considerar essa cultura memorial como uma crise tardia da consciência internacional, ou um sentido da justiça histórica que tardou tanto tempo em se materializar...
A maioria dos membros da Assembleia Geral das Nações Unidas surgiram de um passado colonial: são descendentes dos que sofreram genocídios na África, Ásia ou América Latina. Não deveria haver razão alguma para que a comemoração do genocídio implementado pelos judeus levasse a bloquear a memória desses milhões de africanos ou indígenas americanos assassinados pelos civilizados invasores ocidentais de seus respectivos continentes.
A explicação de Laor é que, com o desaparecimento da velha dicotomia amigo-inimigo da Guerra Fria, era preciso encontrar na Europa um novo inimigo global:
No novo universo moral do “fim da história”, havia uma abominação – o genocídio judeu – em torno da qual que todos podiam se unir para condenar; e o que é igualmente importante, ficava firmemente no passado. Sua comemoração serviria tanto para consagrar a tolerância liberal-humanista da nova Europa frente ao “outro (que é como nós)” e redefinir “o outro” (que é diferente de nós)” em termos de fundamentalismo muçulmano.
Laor desmonta habilmente os Glucksmann, os Henri-Levy e os Finkelkrauts, que dominam a imprensa escrita e televisiva na França de hoje. Depois de abandonar suas crenças marxistas de juventude no final dos anos 1970, fizeram as pazes com o sistema. O surgimento de uma corrente ultrassionista na França é anterior, no entanto, aos “Novos (sic) Filósofos”. Tal como explicou o professor Gaby Piterburg em sua resenha dos ensaios de Laor na New Left Review:
Igual a dos EUA foi a guerra de 1967, que instou a uma mudança decisiva na consciência judia francesa. Um jovem comunista, Pierre Goldman, descreveu a “gostosa fúria” de uma manifestação pró-israelense no bulevar Saint-Michel, onde se encontrou com outros camaradas, “marxistas-leninistas e supostos antissionistas regozijados pela capacidade de guerra das tropas de Dayan”. Mas a reação política do Eliseu foi oposta à da Casa Branca. Alarmado pelo fato de Israel bagunçar o equilíbrio de poder no Oriente Médio, de Gaulle ordenou a agressão, e descreveu os judeus como “um povo de elite, seguro de si mesmo e dominante”.
As organizações judias francesas que haviam dado como certa uma política exterior pró-israelense começaram a se organizar sobre uma base política, ao passo que Pimpidou e Giscard continuavam o embargo de armas de de Gaulle nos anos 1970.
Em 1976, o Comitê Judeu Ação (CJA) organizou um “dia de Israel”, que mobilizou 100 mil pessoas. Em 1977, o CRIF, conselho representativo de cerca de 60 organismos judeus, anteriormente agradável, elaborou uma nova carta na qual denunciava o “abandono de Israel” por parte da França, publicada pelo Le Monde como documento de fato. Nas eleições presidenciais de 1981, o fundador do CJA, Henri Hajdenberg, fez uma campanha a favor de um voto judeu contrário a Giscard; Mitterrand venceu por uma margem de 3%. Acabara o boicote e Mitterrand se tornou o primeiro presidente a visitar Israel. Ficou assim selada uma cálida relação entre o CRIF e a elite do Partido Socialista, e se cobriu com um discreto voto de silêncio o papel de Mitterrand durante a guerra como funcionário de Vichy.
[Uma breve nota: quando o professor Piterburg (antigo oficial das FDI, o exército israelense) é atacado pelos sionistas em suas intervenções públicas, acusando-o de ser um “judeu que odeia a si mesmo”, ele responde dessa forma: “Não odeio a mim mesmo, mas sim a vocês”.]
O mesmo vale para a França oficial. O país é diferente. As pesquisas de opinião revelam que, no mínimo, 60% dos franceses se opõem ao que Israel está fazendo em Gaza. São todos antissemitas? Não podem influir nos meios de comunicação, certo? Porque estes estão absolutamente a favor de Israel. Será que a população francesa não ignora Hollande, Valls e os ideólogos mercenários que os apoiam?
E o que acontece com a Grã-Bretanha? Aqui tanto o Extremo Centro que governa o país como a “oposição” oficial devidamente apoiaram seus senhores de Washington. A cobertura dos recentes sucessos de Gaza na televisão estatal (BBC) foi tão espantosamente unilateral que houve manifestações em frente aos escritórios da BBC em Londres e Salford. A mínima experiência que eu mesmo tive com a BBC revela quão temerosos e pusilânimes que eles se sentem em seu interior. Conforme contei em meu blog da London Review of Books, aconteceu isto:
Na quarta-feira, 16 de julho, recebi quatro ligações do programa Good Morning Wales, da BBC.
Primeira ligação da manhã: poderiam contar comigo para uma entrevista sore Gaza amanhã de manhã? Respondi que sim.
Primeira ligação da tarde: eu podia contar o que falaria? Disse que (a) Israel é um estado assassino, mimado e malcriado pelos EUA e seus vassalos. (a) Apontar e matar crianças palestinas é um velho costume israelense. (c) A cobertura da Palestina feita pela BBC é abominável e, se não me cortasse, eu explicaria como e por quê.
Segunda ligação da tarde: estaria disposto a debater com alguém favorável a Israel? Respondi que sim.
Mensagem para meu telefone à tarde: sentimos muitíssimo. Houve um acidente em uma rodovia de Gales, de modo que decidimos derrubar sua intervenção.
Poucos cidadãos britânicos são conscientes do papel que seu país desempenhou na hora de criar esse imbróglio. Foi há muito tempo, quando a Grã-Bretanha era um império e não um vassalo, mas os ecos da história nunca se desvanecem. Não foi por acidente, mas intencionalmente, que os britânicos decidiram criar um novo Estado, e não foi apenas Balfour. O Centro de Informação Alternativa de Beit Sahour, uma organização conjunta de Israel e Palestina que promove a justiça, a igualdade e a paz de palestinos e israelenses, publicou recentemente um texto. Era uma menção do Informe Bannerman, escrito em 1907 pelo primeiro-ministro da Grã-Bretanha, Sir Henry Campbell-Bannerman, cuja importância estratégica fez com que fosse ocultado e não se tornasse público até muitos anos mais tarde.
“Existe um povo que controla espaços-territórios [os árabes] que agiram recursos ocultos e à vista. Dominam as interseções das rotas mundiais. Suas terras foram berço de civilizações e religiões humanas. Essa gente tem uma fé, uma língua, uma história e as mesmas aspirações. Nenhuma barreira natural aparta essas pessoas uma das outras... se, por azar, essa nação se unificasse em um Estado, tomaria o destino do mundo em suas mãos e separaria a Europa do resto do mundo. Levando tudo isso em comparação, deveria se implantar um corpo estranho no coração dessa nação para impedir a convergência de suas alas, de forma que possam esgotar seus poderes em intermináveis guerras. Também poderia servir ao Ocidente para conseguir seus cobiçados objetivos”.[1]
NOTA: [1] Dan Bar-On & Sami Adwan, THE PRIME SHARED HISTORY PROJECT, em Educating Toward a Culture of Peace, páginas 309–323, Information Age Publishing, 2006.
Tomemos, como exemplo, o caso do “coronel” Sanders. Eu pensava que meu finado amigo Alexander Cockburn às vezes era muito duro com Sanders, mas eu me enganei. Sanders leva muito tempo sendo um puxa-saco, tal como nos informou Thomas Naylos, desfazendo os mitos que rodeiam o senador no artigo do CounterPunch em setembro de 2011:
“Ainda que possa ter sido socialista no passado, nos anos 1980, quando era prefeito de Burlington [Vermont], hoje socialista é o que ele não é. Ele mais se comporta como um tecnofascista disfarçado de liberal, que respalda todas as repugnantes guerrinhas do presidente Obama no Afeganistão, Iraque, Líbia, Paquistão, Somália e Iêmen. Dado que sempre “apoia as tropas”, Sanders nunca se opõe a qualquer projeto de lei de gastos com Defesa. Respalda todos os contratistas militares que levam a Vermont postos de trabalho muito necessários.
O senador Sanders raramente perde a oportunidade de fazer foto com as tropas da Guarda Nacional de Vermont quando elas são enviadas ao Afeganistão ou ao Iraque. Está sempre no Aeroporto Internacional de Burlington quando elas voltam. Se Sanders apoiasse de verdade as tropas de Vermont, votaria rapidamente para acabar com todas as guerras”.
Um voto unânime no Senado é raro. Portanto, o que explica o fato de ele ser mais leal a Israel do que o são vários judeus críticos desse mesmo país? Um fator importante é, sem dúvida, o dinheiro. No ano de 2006, quando a London Review of Books publicou um artigo (encarregado e rechaçado pelo Atlantic Monthly) dos professores Walt e Mearsheimer sobre o grupo de pressão israelense, produziu-se a habitual agitação dos suspeitos habituais. Não do defundo Tony Judt, que defendeu publicamente a publicação do texto e que se viu submetido a violentas ameaças e a odiosas correspondências por parte de já sabemos quem.
A New York Review of Books, por acaso envergonhada de sua falta de determinação nessa questão, entre outras coisas, encomendou um texto a Michael Massing que apontava alguns erros do ensaio de Mearsheimer/Walt, mas, ao mesmo tempo, proporcionava algumas cifras interessantes. Seu artigo merece ser lido como um todo, mas o seguinte trecho ajuda a explicar o voto unânime de apoio à atuação israelense:
“Os defensores do AIPAC [Comitê de Ação Política Norte-americano-Israelense] gostam de defender que seu exército se explica por sua capacidade de explorar as oportunidades que dispõe na América do Norte democrática. Até certo ponto, é verdade. O AIPAC dispõe de uma formidável rede de apoio dos EUA. Seus 100 mil membros – aumentaram em 60% nos últimos 5 anos – têm controle das nove oficineas regionais do AIPAC, suas dez oficinas satélite, e uma equipe em Washington de mais de cem pessoas pessoas em Washington – entre elas, gestores, pesquisadores, analistas, organizadores, publicitários, respaldados por um orçamento de 47 milhões de dólares... Essa descrição, no entanto, não abarca um elemento-chave do êxito do AIPAC: o dinheiro. O mesmo AIPAC não é um Comitê de Ação Política [entidades que recolhem dinheiro para campanha política nos EUA]. Após avaliar o histórico de voto e as declarações públicas, elas proporcionam informações a esses comitês, que dão dinheiro aos candidatos. O AIPAC as ajuda a decidir quem são os amigos de Israel de acordo com os critérios do AIPAC. O Center for Responsive Politics, um grupo apartidário que analisa as contribuições políticas, recolhe uma lista de um total de 36 pró-israelenses, que no conjunto doaram 3,14 milhões de dólares aos candidatos nas eleições de 2014. os doadores pró-israelenses dão muito mais milhões. Nos últimos cinco anos, por exemplo, Robert Asher, junto de vários de seus parentes (um mecanismo habitual para maximizar os aportes), doou 148 mil dólares, sobretudo me somas de mil ou 2 mil dólares, a um ou outro candidato.
Um antigo membro do AIPAC me descreveu como esse sistema funciona. Um candidato entra em contato com o AIPAC e expressa suas fortes simpatias por Israel. O AIPAC informa que não patrocina candidatos, mas se oferece a apresentar pessoas que podem apoiá-los. O candidato será apresentado a um associado ao AIPAC para que este atue como uma pessoa de contato. Reunirão cheques de 500 ou mil dólares provenientes de doadores pró-israelenses e enviarão ao candidato com uma clara identificação com as opções políticas dos doadores (tudo isso é perfeitamente legal). A isso se acrescentam reuniões para arrecadar fundos em diversas cidades. Frequentemente, os candidatos vêm de Estados com uma população judia insignificante.
Um membro do pessoal do Congresso me contou o caso de um candidato democrata de um estado montanhoso que, desejoso de ter acesso ao dinheiro pró-israelense, contatou o AIPAC, que lhe designou um executivo de Manhattan ansioso por ascender na organização do AIPAC. O executivo organizou uma reunião para arrecadar fundos em seu apartamento do Upper West Side, e o candidato saiu dali com 15 mil dólares. No reduzido mercado de anúncios televisivos e de imprensa em seu estado, essa soma demonstrou ser um fator importante. Assim o congressista se transformou em um dos vários membros nos quais se pode confiar para votar seguindo os desígnios do AIPAC (a pessoa em questão me deu o nome do congressista, mas me pediu que não o dissesse para evitar a vergonha).
Tudo isso é possível graças à política oficial norte-americana desde 1967. Se os EUA chegasse algum dia a modificar sua posição sobre esse assunto, os votos unânimes seriam impossíveis. Mas nem sequer nos EUA chegaram a proibir as manifestações públicas que se opõem à brutalidade israelense e o consequente desdobramento do terror estatal.
Em um fim de semana (18-19 de julho de 2014) no qual houve manifestações em diversas partes do mundo, o governo francês proibiu uma marcha em Paris organizada por inúmeros grupos – entre eles, várias organizações judias não sionistas da França. Desafiaram a proibição. Vários milhares de pessoas se vieram em meio a gases lacrimogêneo lançados pelas odiadas CRS (as Companhias Republicanas de Segurança). O primeiro-ministro Manuel Valls – desesperado oportunista e neocon, açoite dos romanos na França, que compete com Le Pen pelo volto da direita, e é um enfeite, nada surpreendentemente, de um Partido Socialista Francês que continua o modelo de um desavergonhado embusteiro e criminoso de guera (Tony Blair) – explicava a proibição em razão de “não fomentar o antissemitismo” etc. O controle do grupo de pressão de Israel na França é total. Domina a cultura dos meios de informação franceses e as vozes críticas a Israel (tanto judias como não judias) ficam efetivamente caladas.
O poeta e crítico israelense Yitzhak Laor (cujas obras, que retratam a brutalidade dos soldados israelenses, foram às vezes proibidas em seu próprio país) descreve a nova ascensão do eurossionismo em termos mordazes. A “ofensiva filossemita” é ahistórica:
Seria simplista considerar essa cultura memorial como uma crise tardia da consciência internacional, ou um sentido da justiça histórica que tardou tanto tempo em se materializar...
A maioria dos membros da Assembleia Geral das Nações Unidas surgiram de um passado colonial: são descendentes dos que sofreram genocídios na África, Ásia ou América Latina. Não deveria haver razão alguma para que a comemoração do genocídio implementado pelos judeus levasse a bloquear a memória desses milhões de africanos ou indígenas americanos assassinados pelos civilizados invasores ocidentais de seus respectivos continentes.
A explicação de Laor é que, com o desaparecimento da velha dicotomia amigo-inimigo da Guerra Fria, era preciso encontrar na Europa um novo inimigo global:
No novo universo moral do “fim da história”, havia uma abominação – o genocídio judeu – em torno da qual que todos podiam se unir para condenar; e o que é igualmente importante, ficava firmemente no passado. Sua comemoração serviria tanto para consagrar a tolerância liberal-humanista da nova Europa frente ao “outro (que é como nós)” e redefinir “o outro” (que é diferente de nós)” em termos de fundamentalismo muçulmano.
Laor desmonta habilmente os Glucksmann, os Henri-Levy e os Finkelkrauts, que dominam a imprensa escrita e televisiva na França de hoje. Depois de abandonar suas crenças marxistas de juventude no final dos anos 1970, fizeram as pazes com o sistema. O surgimento de uma corrente ultrassionista na França é anterior, no entanto, aos “Novos (sic) Filósofos”. Tal como explicou o professor Gaby Piterburg em sua resenha dos ensaios de Laor na New Left Review:
Igual a dos EUA foi a guerra de 1967, que instou a uma mudança decisiva na consciência judia francesa. Um jovem comunista, Pierre Goldman, descreveu a “gostosa fúria” de uma manifestação pró-israelense no bulevar Saint-Michel, onde se encontrou com outros camaradas, “marxistas-leninistas e supostos antissionistas regozijados pela capacidade de guerra das tropas de Dayan”. Mas a reação política do Eliseu foi oposta à da Casa Branca. Alarmado pelo fato de Israel bagunçar o equilíbrio de poder no Oriente Médio, de Gaulle ordenou a agressão, e descreveu os judeus como “um povo de elite, seguro de si mesmo e dominante”.
As organizações judias francesas que haviam dado como certa uma política exterior pró-israelense começaram a se organizar sobre uma base política, ao passo que Pimpidou e Giscard continuavam o embargo de armas de de Gaulle nos anos 1970.
Em 1976, o Comitê Judeu Ação (CJA) organizou um “dia de Israel”, que mobilizou 100 mil pessoas. Em 1977, o CRIF, conselho representativo de cerca de 60 organismos judeus, anteriormente agradável, elaborou uma nova carta na qual denunciava o “abandono de Israel” por parte da França, publicada pelo Le Monde como documento de fato. Nas eleições presidenciais de 1981, o fundador do CJA, Henri Hajdenberg, fez uma campanha a favor de um voto judeu contrário a Giscard; Mitterrand venceu por uma margem de 3%. Acabara o boicote e Mitterrand se tornou o primeiro presidente a visitar Israel. Ficou assim selada uma cálida relação entre o CRIF e a elite do Partido Socialista, e se cobriu com um discreto voto de silêncio o papel de Mitterrand durante a guerra como funcionário de Vichy.
[Uma breve nota: quando o professor Piterburg (antigo oficial das FDI, o exército israelense) é atacado pelos sionistas em suas intervenções públicas, acusando-o de ser um “judeu que odeia a si mesmo”, ele responde dessa forma: “Não odeio a mim mesmo, mas sim a vocês”.]
O mesmo vale para a França oficial. O país é diferente. As pesquisas de opinião revelam que, no mínimo, 60% dos franceses se opõem ao que Israel está fazendo em Gaza. São todos antissemitas? Não podem influir nos meios de comunicação, certo? Porque estes estão absolutamente a favor de Israel. Será que a população francesa não ignora Hollande, Valls e os ideólogos mercenários que os apoiam?
E o que acontece com a Grã-Bretanha? Aqui tanto o Extremo Centro que governa o país como a “oposição” oficial devidamente apoiaram seus senhores de Washington. A cobertura dos recentes sucessos de Gaza na televisão estatal (BBC) foi tão espantosamente unilateral que houve manifestações em frente aos escritórios da BBC em Londres e Salford. A mínima experiência que eu mesmo tive com a BBC revela quão temerosos e pusilânimes que eles se sentem em seu interior. Conforme contei em meu blog da London Review of Books, aconteceu isto:
Na quarta-feira, 16 de julho, recebi quatro ligações do programa Good Morning Wales, da BBC.
Primeira ligação da manhã: poderiam contar comigo para uma entrevista sore Gaza amanhã de manhã? Respondi que sim.
Primeira ligação da tarde: eu podia contar o que falaria? Disse que (a) Israel é um estado assassino, mimado e malcriado pelos EUA e seus vassalos. (a) Apontar e matar crianças palestinas é um velho costume israelense. (c) A cobertura da Palestina feita pela BBC é abominável e, se não me cortasse, eu explicaria como e por quê.
Segunda ligação da tarde: estaria disposto a debater com alguém favorável a Israel? Respondi que sim.
Mensagem para meu telefone à tarde: sentimos muitíssimo. Houve um acidente em uma rodovia de Gales, de modo que decidimos derrubar sua intervenção.
Poucos cidadãos britânicos são conscientes do papel que seu país desempenhou na hora de criar esse imbróglio. Foi há muito tempo, quando a Grã-Bretanha era um império e não um vassalo, mas os ecos da história nunca se desvanecem. Não foi por acidente, mas intencionalmente, que os britânicos decidiram criar um novo Estado, e não foi apenas Balfour. O Centro de Informação Alternativa de Beit Sahour, uma organização conjunta de Israel e Palestina que promove a justiça, a igualdade e a paz de palestinos e israelenses, publicou recentemente um texto. Era uma menção do Informe Bannerman, escrito em 1907 pelo primeiro-ministro da Grã-Bretanha, Sir Henry Campbell-Bannerman, cuja importância estratégica fez com que fosse ocultado e não se tornasse público até muitos anos mais tarde.
“Existe um povo que controla espaços-territórios [os árabes] que agiram recursos ocultos e à vista. Dominam as interseções das rotas mundiais. Suas terras foram berço de civilizações e religiões humanas. Essa gente tem uma fé, uma língua, uma história e as mesmas aspirações. Nenhuma barreira natural aparta essas pessoas uma das outras... se, por azar, essa nação se unificasse em um Estado, tomaria o destino do mundo em suas mãos e separaria a Europa do resto do mundo. Levando tudo isso em comparação, deveria se implantar um corpo estranho no coração dessa nação para impedir a convergência de suas alas, de forma que possam esgotar seus poderes em intermináveis guerras. Também poderia servir ao Ocidente para conseguir seus cobiçados objetivos”.[1]
NOTA: [1] Dan Bar-On & Sami Adwan, THE PRIME SHARED HISTORY PROJECT, em Educating Toward a Culture of Peace, páginas 309–323, Information Age Publishing, 2006.
Tradução: Daniella Cambaúva
Créditos da foto: The Guardian
06/08/2014
https://www.alainet.org/pt/articulo/102263?language=es
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