A prova crucial para Lula
01/09/2005
- Opinión
Em muitos lugares de sua vasta obra mas principalmente em seu livro
"Brasil: a construção interrompida"(1993) dizia o mestre Celso Furtado: "Somos
um povo de extraordinária polivalência culturals Mas nos falta a experiência
de provas cruciais, como as que conheceram outros povos cuja sobrevivência
chegou a ser ameaçada"(p.35). O enfrentamento de provas cruciais define o
destino do pais e lhe reforça a identidade básica.
Estimo que a atual crise política e moral representa uma prova crucial para
o futuro do Brasil. Mas significa também uma prova crucial para o Governo do
presidente Lula. Quem o mostra com rara acuidade é Juarez Guimarães, professor
de ciência política da Universidade Federal de Minas Gerais e membro da
Fundação Perseu Abramo em seu livro "Esperança equilibrista: o governo Lula em
tempos de transição"(2004). Seu livro procura situar o governo Lula no
contexto da história política brasileira e com dados do pensamento político,
sociológico e cultural que aqui não cabe referir, mostra os desafios que
enfrenta e que estratégia utiliza para equacioná-los.
Para fazer justiça ao governo utiliza uma categoria interpretativa fecunda, a
da transição de paradigma.
A transição é de onde e para onde? De um Estado neoliberal, privatizante,
inserido como sócio menor no projeto-mundo para um Estado republicano que
coloca o social como objetivo central, incentiva microcréditos para
consumidores e pequenos investidores e especialmente organiza programas como
Fome Zero e Bolsa Família junto com outras iniciativas sociais que os
acompanham.
Esse projeto enfrenta dois problemas estruturais que dificultam a
transição: uma democracia de clientela e uma economia com parca
sustentabilidade com altíssimas taxas de juros. Considerando esse quadro
complexo e até dramático como proceder a uma transição que tenha êxito? Deve-
se atender à natureza de toda transição. Ela possui um lado de continuidade e
um lado de novidade.
O Governo Lula optou por esta estratégia: a continuidade será a
manutenção do projeto macroeconômico com as contradições neoliberais que
encerra e assim ganhar a confiança do sistema financeiro nacional e
internacional e garantir a estabilidade econômica. A novidade é a introdução
de políticas sociais substantivas como a Bolsa Família, os incentivos à
pequena e média empresa, à agricultura familiar e outros projetos nesta linha.
Mas ocorre que a dívida pública herdada é de tal monta que exige um superavit
primário beirando o 5%. Tal fato obriga a uma drástica restrição dos gastos do
Estado, senão a dívida não parará de crescer.
Aqui se dá o impasse: o projeto econômico não é adequado ao projeto
social. É tão voraz que inviabiliza a transição para o social. Produz apenas
uma "transição bloqueada". As bases populares sentem a discontinuidade e se
decepcionam com a falta de mudanças. Por isso pedem a troca da macroeconomia.
Talvez a crise politica atual obrigue Lula a acercar-e mais e mais dos
movimentos sociais. Para compactuar com eles contra um eventual impeachment
precisa aliviar o caráter neoliberal da economia e buscar uma transição
econômica que seja o suporte para uma política social que atenda os reclamos
de mudança dos movimentos e ao mesmo tempo lhe permita manter-se no poder.
- Leonardo Boff, teólogo.
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