O abraço de urso de FHC

03/07/2005
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FHC aconselha Lula a não se candidatar à reeleição. Poderia se pensar que tira experiência do seu próprio – e ainda mais desastrado que o primeiro – segundo mandato. Mas não. A única autocrítica foi a de ter dado pouca importância ao tema da segurança. (Seu correligionário, governador de São Paulo parece dar mais importância, vide Febem, chacinas e a situação da segurança pública no estado.) FHC oferece um drinque envenenado a Lula. Trata-se de um acordo político em que Lula renunciaria publicamente a candidatar-se a um segundo mandato, os tucanos fariam o “sacrifício” de participar de um governo de “salvação nacional”, a máquina de denuncias amainaria e o campo estaria livre para o retorno da coalizão PSDB-PFL ao governo, para continuar mantendo a política econômica que entregaram ao governo Lula – vários nomes continuariam nos seus postos atuais – e retomar o processo de privatização que deixaram inacabado. Além de que prestariam o grande serviço aos EUA – de que FHC, Malan, Celso Lafer, entre outros, são fervorosos devotos – de acabar com a política externa independente do Brasil, que articula as mais amplas alianças de resistência à hegemonia imperial estadunidense e que também por isso contam com todas as simpatias e o apoio de Washington. FHC tem hoje papel similar ao que tiveram personagens como Carlos Lacerda, na tentativa de golpe de 1954 e no golpe de 1964. Hoje não se freqüenta portas de quartel, mas agentes da especulação financeira – os sujeitos dos golpes contemporâneos. Esse o papel do corvo de hoje – FHC – vivandeira das Bolsas de Valores. Já conseguiram lixar mais ainda as unhas de Lula, com a saída de José Dirceu do ministério. O distranciamento e a culpabilização que Lula faz do PT, salva sua imagem a curto prazo – teria sido traído pela confiança depositada em companheiros -, mas a médio e longo prazo o enfraquece, ainda mais se pensa na reeleição, em que o PT pode ser o diferencial que precisa. Querem acuar mais ainda a Lula, levando este a compor um novo gabinete que o amarre ainda mais – como se fosse necessário, com a equipe econômica já cumprindo bem esse papel. Nenhum personagem da política brasileira consegue circular ao mesmo tempo, tanto com os grandes empresários, com Severino e com agentes do governo dos EUA, como faz FHC. Conta com a confiança do grande empresariado e de Washington. Conta com gente experimentada em golpes – afinal de contas Olavo Setúbal está entre os empresários que articularam o golpe militar de 1964, no famigerado IBADE, onde participava também o então jovem economista Pedro S. Malan, braço direito do governo de FHC, que naquela época fazia análises econômicas para os golpistas – como relata René Dreyffus em seu livro sobre o golpe militar – “1964 – A conquista do Estado” (Editora Vozes). Se Lula aceitar, estará decretando não somente sua morte política, como a do seu governo e a do PT como partido. Os tucanos ainda têm medo da simpatia popular que segue gozando Lula e da sua capacidade de mobilização desses setores. Se aceitar esse presente de grego, Lula ficará refém dos tucanos, em uma contagem regressiva para devolver-lhes o governo. Terá tido uma passagem efêmera pela presidência, simplesmente para deixar consignado que as elites dominantes aceitam a alternância no governo, permitindo até mesmo que um ex-operário e ex-lider sindical possa chegar ao posto político máximo do país. E que nada muda, quem quer que seja o presidente do país – nem no conteúdo das políticas, nem no manejo nada ético do governo e das alianças. Para essa operação retorno, FHC e os tucanos contam com membros da equipe econômica do governo Lula, que poderiam estar em um governo e/ou em outro. Contam com a grande mídia e contam com a incapacidade de reação do governo diante das acusações que recebe. Contam também, no mesmo pacote da “governabilidade” estaria o déficit nominal zero – nova forma assumida pelo superávit primário. Aécio Neves se faz de mensageiro desse abraço de urso com que os tucanos pretendem afogar a Lula e seu governo. Em uma crise, ninguém fica no mesmo lugar. Se quiser romper o cerco de que é vítima, o governo precisa se movimentar, retomar a iniciativa, deslocar a atual situação. Pode fazê-lo girando no mesmo lugar, com a aliança com o PMDB, o que pode lhe dar sobrevivência imediata, mas corre o risco de que não cesse a ofensiva de denuncias, sem que se veja até onde pode chegar. À oposição não interessa um impeachment, que poderia dar a Lula a condição privilegiada de vítima e possibilitaria que ele mobilizasse os setores populares que seguem demonstrando simpatias por ele. Interessa à oposição sangrar a Lula até abatê-lo nas eleições do ano que vem. Ou pode deslocar-se para a direita, aceitando o drinque envenenado que lhe oferece FHC. Será seu suicídio. Ou poderá dizer: “Afasta de mim esse cálice.” Recusar o veneno e inocular-se pela única via em que pode deslocar o quadro político muito negativo em que se governo está metido. Apoiar-se na mobilização dos movimentos sociais, da cidadania, dos que ainda acreditam que se pode mudar o Brasil pela prioridade do social. Mas não se faz omelete sem quebrar ovos. Será preciso mudar a política econômica para conquistas os indispensáveis espaços para o desenvolvimento econômico apoiado no mercado interno de consumo popular, com distribuição de renda, na direção do documento que os movimentos sociais levaram a Lula. Um grande dirigente se revela nos momentos de crise e sua capacidade se revela, antes de tudo, de distinguir os adversários dos aliados. E sair pela direita ou pela esquerda, se não quiser ficar pisando no terreno movediço em que está seu governo, que o levará a afundar-se cada vez mais e preparar o terreno para sua derrota em 2006.
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