Na política externa

Desafio de Dilma é aprofundar a integração regional

06/11/2014
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Roberto Stuckert Filho/ PR
unasul
VII Reunião Ordinária do Conselho de Chefes de Estado e de Governo da Unasul, no Suriname
 
O resultado das urnas no domingo 26 não significou apenas um sinal verde para o segundo mandato da presidenta Dilma Rousseff. A vitória da petista garante também a continuidade de um projeto iniciado por seu antecessor, Luiz Inácio Lula da Silva, de integração latino-americana, em especial com os países vizinhos da América do Sul. Não à toa, líderes como Nicolás Maduro (Venezuela), Cristina Kirchner (Argentina), José Mujica (Uruguai), Rafael Correa (Equador) saudaram rapidamente, e com tanto alívio, a reeleição de Dilma.
 
Para Maria Regina Soares de Lima, cientista política do Instituto de Estudos Sociais e Políticos (Iesp) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Aécio Neves (PSDB) e Dilma Rousseff (PT) representavam dois projetos completamente diferentes, beirando o antagonismo, no que diz respeito à política externa. Enquanto de um lado teríamos o aprofundamento das relações regionais e a ampliação das vertentes do Mercosul, de outro havia a ameaça de flexibilizar ou mesmo rever o peso do bloco dentro da agenda de política externa do Brasil. Além disso, Aécio ensaiou ao longo da campanha a ideia de estabelecer tratados de livre comércio (TLC) com alguns países do continente, em especial com os Estados Unidos. “Se fizesse esse acordo com os EUA, como o embaixador Rubens Barbosa, coordenador de política externa de Aécio, sinalizou, haveria um enfraquecimento da posição de resistência e autonomia da região”, observa Maria Regina ao ressaltar que um TLC poderia ser uma Alca [Área de livre comércio das Américas] bilateral.
 
Na vizinha Venezuela, o futuro do Mercosul era o principal ponto de preocupação caso o PSDB voltasse ao comando do Executivo brasileiro. Conforme observou Andres Antillano, da Universidade Central da Venezuela (UCV), a coincidência de “governos progressistas” fez com que o bloco fosse convertido em um projeto de integração contrário à integração neoliberal existente antes dos governos de Hugo Chávez e Lula. “O Mercosul não é apenas uma integração de mercado, como também um projeto de cooperação, de reciprocidade, de solidariedade política, que é algo muitíssimo importante e que se converteu em um contrapeso à preferência pelos EUA”, explica. “Havia aqui a preocupação de uma reversão política do Brasil, que significasse a deterioração das relações com a Venezuela ou a volta de um governo conservador no Brasil. Por isso o resultado foi recebido com tanta alegria pelos setores populares e as organizações de base daqui”.
 
Na Venezuela, especificamente, o Brasil se fez presente não apenas por uma política externa voltada para a integração da região, mas também através da abertura de escritórios da Caixa Econômica Federal e do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) em Caracas. Enquanto a Caixa tinha como principal objetivo a transferência de know how e a criação do Órgão Superior de Viviendas para a implantação do programa habitacional Gran Misión Vivienda Venezuela (inspirado no Minha Casa Minha Vida), o Ipea criou a sua missão para auxiliar a exploração petrolífera na faixa do rio Orinoco, estudos sobre integração regional, pesquisas econômicas e capacitação pessoal.
 
Na Bolívia, o apoio do Brasil se dá através do setor de política social e também por obras de infraestrutura e energia. No próximo ano, inclusive, Dilma e Evo Morales terão de renegociar o preço do gás boliviano comprado pelo Brasil. Além disso, os governos devem buscar aprofundar os laços para a ajuda que vise maior transferência de tecnologia social, a exemplo do que foi feito com o Desnutrición Cero, inspirado no conjunto de medidas Fome Zero. “Na área de política social, creio que a Bolívia sempre contou com a cooperação do governo brasileiro. Creio que, com a vitória de Dilma, vá continuar sendo assim”, observou Adhemar Esquivel, da unidade de análise de políticas sociais e econômicas do Ministério de Planejamento da Bolívia.
 
Longe de ser um simples “não” à negociação com potências como EUA e União Europeia, o aprofundamento dos laços com países vizinhos é uma marca da chamada “diplomacia presidencial” (que tem na figura do presidente uma marca autoral) local e reflete um momento de autonomia dos países latino-americanos, que destoa do contexto regrado pelo neoliberalismo e pelas diretrizes do Consenso de Washington – conjunto de medidas macroeconômicas formuladas por economistas de instituições como o FMI e o Banco Mundial nos anos 1990. “Essa narrativa de oposição entre uma coisa e outra é totalmente absurda”, observa Maria Regina. “Uma coisa não impede a outra. Não é que o Brasil prefere uma coisa à outra. Essa visão é muito equivocada. São dimensões diferentes, temas diferentes”.
 
A especialista em política externa brasileira defende a tese de que a diplomacia que vigorou a partir do governo Lula levou a região a vivenciar um outro tipo de integração, para além do aspecto econômico. No chamado “regionalismo” estão em jogo também acordos de cooperação nas áreas militar, tecnológica, social. “Afinal, não interessa ao Brasil ficar bem, e o resto da região mal”, ressalta. “O que queremos? Ficarmos tão distantes a ponto de os problemas se acumulares nos países vizinhos e termos de construir um muro? Só não fazemos fronteira com Chile e Equador. Como podemos, então, não ter uma política regional ativa? É preciso incluir todo mundo”.
 
Antillano observa ainda que a “diplomacia dos povos”, como convencionou-se chamar aquela feita na região por governos de centro-esquerda, busca desmistificar as relações internacionais. “Não se trata de um assunto somente entre governos, com uma agenda secreta. Tampouco é um assunto de livre mercado. Tem de incorporar dimensões de reciprocidade e solidariedade entre nossas nações”, afirma.
 
A construção do porto de Mariel, em Cuba, pode ser vista sob esse prisma. Para alguns apoiadores de Aécio, a construção do porto era parte de um complô comunista, mas especialistas latino-americanos defendem que a construção é crucial para a inserção de Cuba novamente no sistema interamericano e para a transição do regime comunista. É uma visão compreendida inclusive nos EUA – recentemente o jornal The New York Times, que publicou um editorial no qual defendia o fim do embargo e lembrava da presença do Brasil na região geograficamente estratégica.
 
Por estilos de governança diferentes, países vizinhos se queixam, no entanto, do fato de Lula estar mais presente na região do que Dilma esteve em seu primeiro mandato. Enquanto Antillano aponta para a maior sensibilidade de Lula, Maria Regina lembra que nos próximos quatro anos será preciso exigir intensificação dessa política de integração regional. “As inciativas que foram tomadas como a criação da União de Nações Sul-Americanas (Unasul) e da Comunidade dos Estados Latinoamericanos e Caribenhos (Celac) são importantes, mas não têm delegação de soberania e funcionam à base da participação dos presidentes, exigindo uma diplomacia presidencial muito forte. Isto é algo a ser cobrado da presidente Dilma: que a ênfase na política sul-americana se manifeste em maior presença na região. Verdade seja dita: Dilma deu continuidade, mas não inovou. Tem agora, portanto, o desafio de aprofundar o que foi iniciado”.
 
06/11/2014
 
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