Ideias com ideias

16/10/2014
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Quando em 1984, embora já houvesse sido con­quistado o direito a disputar as eleições estaduais, mas ainda sob a ditadura militar, Florestan Fernan­des escreveu O que é revolução e, deve ter ouvido, que “era perigoso” tocar naquele assunto, mas ele corajo­samente enfrentou o desafio de colocar em debate, não ideias vazias como a democracia pelo voto, mas as ideias com ideias provocadoras sobre a revolução brasileira.
 
De lá para cá, apesar da abertura política, tomada pelas disputas eleitorais, cada vez menos se percebe alguma formulação interessante sobre o assunto e, no somatório geral, as campanhas não passam da divul­gação de cinco prioridades catadas pelos marquetei­ros, acompanhadas de uma lista repetitiva de defeitos dos outros candidatos.
 
Neste sentido, há pelo menos duas décadas, sem preocupações revolucionárias, alimentam-se duas diretrizes equivocadas. Do lado dos partidos – com pouca expressão eleitoral – a justificativa para parti­cipar das eleições é que o momento facilita para deba­ter ideias e combater as forças expressivas do capital e da ordem dominante. Do lado das forças não partidá­rias, obrigadas a lutar para ter algum ganho, mas apa­relhadas ao governo, por conta da sobrevivência, des­ligam os motores das ações porque elas atrapalham o crescimento eleitoral dos amigos, e as disputas ficam mesmo no mundo das ideias sem conteúdo.
 
Concordamos que é preciso defender e divulgar ideias, e pode ser esta a única vantagem de entrar no processo eleitoral comandado pelo capital. Mas que ideias são essas que não agitam, não formam e não organizam as forças para continuarem, ao término do processo eleitoral a luta pelas transformações estru­turais do país?
 
Para quem se propõe a defender ideias é preciso considerar que elas devem se tornar força e ação na­queles que acreditam nelas. Daí que, assim como nem todo líquido é inflamável, nem toda ideia é incendiá­ria. E, assim como há líquidos que apagam o fogo, há ideias que escondem outras ideias.
 
É evidente que os partidos e as forças populares que entram nas disputas eleitorais não querem apenas di­vulgar ideias, mas desejam também obter resultados; por isso passam a contestar os programas de governo, com outro programa de governo, como se fossem go­vernar, nos mesmos marcos da legalidade estabeleci­da, coisa que nem eles acreditam ser possível.
 
Dessa forma, no final dos pleitos, ganham aqueles que não ameaçam o capital nem a ordem estabelecida e, porque eram confiáveis, receberam mais dinheiro das empresas, empreiteira, bancos etc. As ideias que deveriam fazer as massas compreenderem que a festa eleitoral acabaria e que as dificuldades continuariam, pelo simples fato de não terem sido claramente dife­renciadas, debatidas e transformadas em força orga­nizada, desaparecem como os santinhos dos candida­tos levados pelas vassouras dos garis.
 
Daí que, todos aparecem na eleição, menos o pro­jeto de transformação que é o grande sujeito ausen­te no processo. O projeto que propõe mudanças e co­loca a revolução brasileira como meta a ser alcança­da nos próximos anos. Mas aí dizem os mais conser­vadores e devotos da legalidade, o mesmo que disse­ram ao Florestan, “não é o momento”, “não é o lugar” e “isso não dá voto”.
 
Defender ideias não é colocar o programa de gover­no, mas o projeto da revolução em debate, sem ma­gias nem loucuras, mas levar esclarecimentos e pro­postas organizativas que indiquem o caminho da transformação a ser iniciado por uma longa marcha, dando o primeiro passo.
 
- Ademar Bogo é filósofo e escritor.
 
16/10/2014
 
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