Os 100 dias de Juan Orlando Hernández e a crescente militarização de Honduras

06/05/2014
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Neste dia 7 de maio, o governo do presidente hondurenho Juan Orlando Hernández completará simbólicos 100 primeiros dias. E já é hora de fazer balanços. JOH recebeu a faixa presidencial depois que o TSE (Tribunal Supremo Eleitoral) o ratificou oficialmente como ganhador das eleições de 24 de novembro do ano passado, com quase oito pontos percentuais à frente de Xiomara Castro, esposa do ex-presidente Manuel Zelaya e candidata do partido Libre (Libertad e Refundación), braço político do movimento popular de resistência ao golpe de Estado que, em 2009, derrubou o mesmo Zelaya.

Sobre o resultado oficial e o imediato reconhecimento internacional, Xiomara Castro qualificou como “monstruosa fraude” a vitória do candidato oficialista, questionando a imparcialidade das autoridades eleitorais, denunciando uma série de graves irregularidades na contagem e na transmissão de votos e se recusando a reconhecer o resultado e a legitimidade de JOH como novo presidente de Honduras.

Além disso, essa nova força política de orientação progressista conseguiu romper mais de um século de duopólio do Partido Liberal e do Partido Nacional, se posicionando como a segunda força política do país e o principal partido de oposição, elegendo 37 dos 128 deputados no Congresso Nacional, além de 31 prefeitos e vice-prefeitos e quatro deputados do Parlacen (Parlamento Centro-americano). O ex-presidente foi nomeado chefe da bancada do Libre no Congresso.

Paralelamente, a FNRP (Frente Nacional de Resistência Popular) voltou a reativar sua estrutura territorial, iniciando um intenso trabalho de reorganização interna do setor social e popular, com o objetivo de se converter em um “verdadeiro movimento de massas com influência na realidade social e política de Honduras”, conforme disse Xiomara.

Ao assumir no novo Congresso, liberais e nacionalistas compuseram uma frente comum, garantindo maior apoio ao Poder Executivo e bloqueando qualquer discussão e aprovação de projetos de lei ou decretos apresentados pela oposição.
 
[Principais eixos do plano de governo de JOH foram o combate à criminalidade e à insegurança]
“É mais do que evidente que há uma confabulação. O país continua mergulhado na pobreza, na criminalidade e na corrupção – tudo continua na total inércia. A palavra no plenário nos é negada e nossos projetos são engavetados. Parece que JOH continua mandando aqui e que nunca deixou seu cargo de presidente do Congresso”, disse a Opera Mundi o ex-procurador e atual deputado pelo Libre, Jari Dixon.

Exemplos disso são, entre outros, o engavetamento do projeto de derrubada do “pacotão fiscal” – polêmico pelo alto custo social e que foi aprovado por deputados nacionalistas e liberais –, do projeto de reforma agrária integral e do projeto de lei anticorrupção. Esse último estabelece controles ferrenhos para que não se mexa nos fundos do Estado e obriga cada funcionário a apresentar uma rigorosa prestação de contas.

“Com esse projeto, pretendemos fazer uma integração dos crimes já existentes, aumentar as penas, criar novas figuras penais e proporcionar um instrumento eficaz e contendente contra esse crime. Lamentavelmente, ele está sendo boicotado e os partidos tradicionais não querem ouvir falar de medidas anticorrupção, porque mexemos em seus interesses”, acrescentou Dixon, que é o redator do projeto.

O IPC (Índice de Percepção da Corrupção), da Transparência Internacional, correspondente a 2013 mantém Honduras como o país mais corrupto da América Central e entre os mais corruptos do mundo. Entre os 177 países que foram avaliados, Honduras aparece na posição 140. Isso representa um retrocesso de sete posições em relação a 2012.

Cem dias

Durante o período eleitoral, os principais eixos do plano de governo de JOH, que se transformou no presidente com o menor respaldo eleitoral (36,8%) em mais de três décadas de governos constitucionais, giraram em torno do combate à criminalidade e da insegurança dos cidadãos, além da criação de empregos, da diminuição dos níveis de pobreza e do equilíbrio das finanças públicas.

Entrevistado por veículos nacionais, o ministro da Segurança, Arturo Corrales, analisou os primeiros meses de governo, assegurando que os resultados são satisfatórios e que o país segue no bom caminho. Destaque para o início dos programas “Vida Melhor”, que pretende atender 800 mil famílias em extrema pobreza, criando milhares de microempresas, entregando fogões ecológicos, dignificando moradias e entregando “bolsas solidárias” de alimentos.

Segurança

Com o lema “vou fazer o que for preciso para devolver a paz ao país”, o agora presidente hondurenho prometeu à população solucionar o grave problema de insegurança, que faz de Honduras um dos países mais perigosos do mundo.
 
Segundo o Observatório da Violência da UNAH (Universidade Nacional Autônoma de Honduras), no ano passado o país registrou uma leve baixa na taxa de homicídios, passando de 85,5 a cada 100 mil habitantes em 2012 para 83 registrados em 2013.

Essas taxas contrastam com as da polícia hondurenha: 75,1/100 mil habitantes. Mas, independentemente dessa discrepância, Honduras se coloca novamente como o país com a taxa de homicídios mais alta do mundo, isto é, com mais de sete mil mortes violentas por ano, quase 12 vezes maior do que a média mundial (6,9 homicídios) e oito vezes maior que a OMS utiliza para definir o “estado de epidemia”.

Durante os primeiros três meses de governo, JOH tratou de colocar em prática suas promessas. Inaugurou a força TIGRES (Tropa de Investigação e Grupo de Resposta Especial de Segurança), treinada e capacitada pela Escola Jungla (da selva) da Colômbia e pelo Grupo de Forças Especiais dos Estados Unidos. Com o objetivo de fortalecer o combate frontal ao crime organizado internacional, fundou a FUSINA (Força Nacional de Segurança Interinstitucional) para supervisionar o funcionamento dos diferentes operadores de justiça e segurança, e deu início à “Operação Morazán”, uma grande ação conjunta entre a PMOP (Polícia Militar de Ordem Pública) e a TIGRES.

Da mesma forma, anunciou a conformação da Força Interagencial, integrada pela Polícia, pelas Forças Armadas, pela TIGRES e a PMOP; impôs o bloqueio de chamadas de telefonia móvel nos 24 centros penitenciários do país; mudou quase em sua totalidade a cúpula policial; promoveu a “aposentadoria voluntária” de cerca de 40 oficiais de polícia; e implementou a Lei de Proteção de Espaços Aéreos, com a qual autoriza a Força Aérea Hondurenha a derrubar aeronaves suspeitas de traficar drogas em território nacional.

Corrales assegura que, com essas medidas, Honduras está melhor, porque se conquistou “uma redução dos sequestros e das extorsões”, com queda no índice de homicídios, a partir da desarticulação de “perigosos grupos do crime organizado” e o confisco de “grandes carregamentos de drogas”.

A ex-diretora da Unidade de Assuntos Internos da Polícia Nacional, María Luisa Borjas, por sua vez, faz um alerta ante a crescente militarização do país e o aprofundamento da violência. “Trata-se de uma grande campanha midiática orquestrada pelo governo com o apoio dos principais meios de comunicação. A verdade é que aumentou o número de execuções sumárias e massacres com a participação direta de membros dos corpos de segurança do Estado e com a aquiescência do governo”, disse Borjas a Opera Mundi.

As principais vítimas são os jovens. Em um recente relatório da Casa Alianza, uma organização internacional de proteção e defesa dos direitos das crianças, adolescentes e jovens, revela-se que, durante os primeiros três meses do ano, morreram em condições violentas 270 jovens menores de 23 anos, uma média de 90 mortes por mês.

O Observatório Nacional da Violência da UNAH reporta que, nos primeiros três meses do ano, houve 19 massacres, nos quais 68 cidadãos perderam suas vidas – em sua maioria, menores de 30 anos. “Nossos jovens têm sido marginalizados, não têm acesso a seus direitos básicos, e agora estão sendo criminalizados, perseguidos e assassinados. Isso é o que realmente está acontecendo em Honduras”, acrescentou Borjas.

Investigação policial

De acordo com María Luisa Borjas, não só não houve uma verdadeira depuração policial, como “em vez de estar atrás das grades por ter cometido atos ilícitos”, vários oficiais que ocultaram provas “foram aposentados com honras e gratificados economicamente com somas milionárias”.

Borjas assegurou que, em Honduras, estão se materializando os temores que tinha durante a campanha eleitoral. “A segurança pública está sendo totalmente militarizada, e os militares já estão controlando várias instituições que deveriam ser comandadas por civis”, concluiu.
 
- Giorgio Trucchi | Tegucigalpa
 
07/05/2014
 
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