Um ano de rolezinhos e lutas

21/01/2014
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O ano de 2014 inicia-se sob a promessa de ser pleno de lutas e profunda movimentação política. Com a herança das manifestações de junho de 2013, a expectativa da realização da Copa do Mundo no “país do futebol” e das eleições para Presidência, governos dos estados e Congresso Nacional convidam o Brasil e a sua jovem democracia a experimentarem um ano dos mais políticos, se tomarmos esta palavra como sinônimo de relações conflituosas e dinâmicas em torno das questões que tocam em nossas vidas cotidianas.
 
Nem mesmo terminamos o primeiro mês do ano e o “rolezinho” toma as principais manchetes da mídia tradicional, das redes sociais e dos espaços alternativos de debates públicos. Realizado há vários anos como modo de encontro e lazer pelos jovens da periferia, o “rolezinho” ganhou uma conotação política ao ser inserido entre as questões que giram em torno da contestação e da ocupação dos espaços urbanos. Como uma espécie de sequência das manifestações do ano passado, este tipo de movimentação alimenta os debates sobre o modo como os governos democráticos vão lidar com as imprevisibilidades de ações que funcionam como momentos criativos e de experimentação de práticas livres, em meio a uma sociedade dedicada ao controle e à disciplinarização dos corpos.
 
É fato que os “rolezinhos” em shoppings estão muito mais ligados, no imaginário de seus participantes, a uma demanda por inserção em um mundo de consumo e de realização de desejos distantes dos moradores das periferias das grandes cidades. Diferente das manifestações de junho passado, não há uma pauta de reivindicações e nem mesmo a escolha de um inimigo imediato a ser alvejado para a conquista de suas demandas. A galera quer apenas habitar um espaço de lazer, com ar fresco em pleno verão escaldante e encontrar gente legal, bonita e disposta a se conhecer.
 
Contudo, uma democracia com um forte legado autoritário, em especial aquele vindo da recente ditadura militar, tende a ver a reunião de pessoas pobres, da periferia, que não têm a posse da propriedade, como algo perigoso e sem sentido. Quando pessoas de direita bradam “deixem os clientes dos shoppings em paz”, nada mais expressam que a postura conservadora de parte da sociedade brasileira que se encontra feliz e realizada com a atual condição social e política do mundo. Interessa a estes manter ou aumentar suas posses, e sua reação é o apoio à imediata repressão, novamente da polícia militar, contra os jovens dos “rolezinhos”. Cena bizarra nas entradas de shoppings: bala de borracha, bomba de gás, cassetete, revista e decisão sobre quem é “vândalo” e quem é o verdadeiro consumidor.
 
A lógica da governabilidade, a razão política dos governos democráticos, não pode e não tem como lidar e controlar a ação política em sua plenitude e contingência. A imprevisibilidade e a criatividade destas ações seguem as manifestações de junho ao contestar o lugar que devemos ocupar e o modo de sermos. Os governos sabem, e com grande desenvoltura, lidar com os acordos palacianos, com a distribuição de cargos e as decisões tomadas sob a escuta das previsíveis elites e oligarquias políticas. Mas, com as ruas e os modos cada vez mais inusitados como são ocupadas, a racionalidade de governo tem sérias dificuldades.
 
O ano de 2014 nasce como momento oportuno para os governantes aprenderem com o povo outra visão das relações sociais e políticas.
 
Não são de direita, não são representantes de forças ocultas, não são fantasmas, não são contra os direitos sociais e seus programas de inclusão, não são contra este ou aquele candidato, ou um ou outro partido. Os jovens dos “rolezinhos”, os manifestantes de junho, os militantes do movimento “Não vai ter Copa” são lutadores contra o modo como tradicionalmente o país dispõe de nossas terras, ruas, espaços públicos, riquezas e instituições.
 
- Edson Teles é doutor em filosofia pela Universidade de São Paulo (USP), é professor de filosofia política na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). É autor de um dos artigos que compõe a coletânea Occupy: movimentos de protesto que tomaram as ruas.
 
 
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