Recursos naturais, infraestrutura e tecnologia

A UNASUL ataca pelas duas pontas o desenvolvimento

18/11/2013
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Como a terra de Galileu, a Unasul se move. No início de dezembro (2 a 4) será realizado no Rio o foro sobre Ciência, Tecnologia, Inovação e Industrialização, que é uma sequência natural da Conferência promovida pela Unasul na Venezuela, em fins de maio último, com o objetivo específico de orientar a vontade política do bloco no sentido de promover a utilização na própria região dos amplos recursos naturais da América do Sul.
 
Essa nova iniciativa, conduzida pela mão experiente do secretário geral Ali Rodriguez Araque,  é fundamental porque dá a dimensão da vitalidade e da coerência da Unasul na busca de uma vocação e um destino para a região. Muitas instituições internacionais se criam e nada acontece, afogadas que ficam pela própria burocracia. A Unasul se revela ansiosa por resultados. A Conferência na Venezuela atacou um problema básico. O foro do Rio será uma oportunidade para o início da assunção efetiva de compromissos concretos.
 
Quando se fala em industrialização na região dos imensos recursos naturais, minerais e energéticos, da América do Sul, somos forçados a imaginar imediatamente uma cadeia de iniciativas indispensáveis para sua efetiva realização. O primeiro passo é o aproveitamento hidrelétrico e a mineração. O segundo, as linhas de transmissão e sua articulação com redes regionais. O terceiro, a industrialização propriamente. E a quarta, a logística.
 
Tenho insistido muito na questão da logística de transportes. Ela é fundamental para a ligação da mina ao centro de industrialização, e deste para os mercados interno e externo. Em termos de esforço financeiro, tanto a mina quanto a industrialização são autofinanciáveis, na medida em que seus produtos são facilmente comercializáveis. O problema, portanto, fundamental para países em desenvolvimento, é a logística, em especial a logística pioneira.
 
A maioria dos países da América do Sul não tem poupança interna orçamentária suficiente para suportar grandes investimentos em infraestrutura de transportes. Não tem poupança suficiente sequer para oferecer garantias bancárias para empréstimos. Por outro lado, enfrenta condições perversas de financiamento no sistema internacional, permeado de contingenciamentos ideológico e políticos, que caracterizam inclusive agências multilaterais.
 
Há uma expectativa legítima em torno do potencial do Banco do Sul como um financiador decisivo da infraestrutura regional. Entretanto, por mais inclinado aos compromissos sociais que venha a ter, banco não pode emprestar sem taxa de retorno e sem garantias. Cairemos, com ele ou sem ele, no mesmo círculo vicioso de se não investir porque não se tem poupança, e de não se ter poupança por falta de investimento e de crescimento.
 
Entretanto, não é só a industrialização de produtos naturais que requer um eficiente sistema de transportes. Este é fundamental para a circulação da produção em geral. Não haverá efetiva integração sul-americana sem integração de infraestrutura. A Unasul entendeu isso ao absorver a IIRSA, mapeamento da logística regional, e transformá-la no Cosiplan, o conselho da entidade encarregado de por em marcha os investimentos de infraestrutura, infelizmente quase inócuo por falta de recursos.
 
A infraestrutura pioneira de transportes, e mesmo as redes viárias normais, são o domínio preferencial do setor público. Nenhum investidor privado investe em vias pioneiras que, por seu potencial de carga transportada, não garanta retorno adequado do investimento. Nesses casos, é o setor público que tem que investir a fundo perdido, garantindo inclusive um custo baixo dos transportes em regiões de desbravamento ou baixa densidade de carga.
 
Temos, pois, que resolver de alguma forma o problema do investimento e do financiamento do sistema de transportes. Na medida em que é um problema do setor público, e o setor público sul-americano enfrenta graves dificuldades de crédito, não há alternativa a não ser, seguindo a experiência histórica nesse campo de países como os EUA e o Brasil, criar ou redirecionar tributos para um fundo vinculado ao desenvolvimento viário.
 
Um tributo sobre combustíveis automotivos vinculado ao financiamento dos transportes foi a receita de sucesso para que o Brasil, um país continental, construísse no passado uma razoável infraestrutura de transportes – sintomaticamente degradada a partir dos anos 80, quando o tributo foi incorporado à caixa única do Tesouro, onde está até hoje. O mesmo se pode dizer da infraestrutura de transportes norte-americana, construída e sustentada por tributos vinculados do governo federal e dos Estados, também degradada por força de congelamento de seu valor em níveis dos anos 70.
 
A proposta de tributo vinculado esbarra, na América do Sul, numa estrutura tributária que, fora a Argentina e o Brasil, se destaca pela aberração. Enquanto Argentina e Brasil têm cargas tributárias da ordem de 32% do PIB, nos demais países essa relação oscila em torno dos 16%, variando entre 10% e 22%. Isso reflete a resistência dos ricos e afluentes a pagar tributos na região. Contudo, se essa tendência não for corrigida, a maioria dos países da América do Sul não terá efetivas condições de participar de um projeto comum de desenvolvimento através da integração da infraestrutura.
 
Claro que, como em qualquer bloco econômico que leve em conta assimetrias regionais, os países mais desenvolvidos da América do Sul devem arcar com uma parcela maior do custo da integração. Por exemplo, o investimento comum nas vias de transportes – rodoviárias, ferroviárias e aquaviárias – deve ser proporcional ao PIB ou ao tributo vinculado de cada país. Isso implicaria um subsídio implícito aos países menos desenvolvidos da região. E poderia replicar também na cesta de garantias a ser estabelecida pelo Banco do Sul, que daria o empréstimo com base no valor presente, descontado a uma taxa baixa, do tributo vinculado.  
 
Voltando ao tema do foro, a discussão que se vai travar terá de enfocar também o problema de financiamento e modelagem das ações de desenvolvimento científico, tecnológico e de inovação. Nesse caso temos que ser realistas. Muita coisa pode ser resolvida com subsídios adequados ao setor privado, ou a esquemas público-privados, mas uma parte substancial deve ser resolvida pelo setor público. Será importante prestar atenção no modelo que será adotado pela Bolívia para desenvolver suas imensas minas de lítio. Se isso for bem sucedido, teremos um caso exemplar a ser expandido no continente. Claro, também esse projeto, para se afirmar economicamente, precisará de infraestrutura logística.
 
- J. Carlos de Assis é Economista, ScD pela Coppe/UFRJ, professor de Economia Internacional da UEPB e autor de vários livros sobre economia política brasileira.
 

 

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