"O que aconteceu de junho pra cá? Nada"
26/09/2013
- Opinión
A montanha pariu um rato. Segundo o cientista político Marco Aurélio Nogueira, professor de titular de teoria política da Unesp, este é o balanço das mudanças políticas prometidas após os protestos de junho. As manifestações, de acordo com o professor, provocaram um “choque” no sistema político tradicional. Mas, um mês depois, este sistema se recompôs e voltou a operar com a mesma (e velha) “monstruosidade”.
A análise foi feita durante um debate sobre o resultado dos protestos no 37º Encontro Nacional da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (Anpocs), em Águas de Lindoia, no interior de São Paulo. Participaram do encontro o filósofo e professor da Unicamp Marcos Nobre, pesquisador o Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento), o sociólogo Marcelo Ridenti, professor titular da Unicamp, e a militante do Movimento Passe Livre (MPL) Mariana Toledo.
“O que aconteceu de junho pra cá? Nada”, disse Nogueira. “Ao menos do ponto de vista dos governos. Houve um esforço, mas só no campo retórico. Por exemplo: que diabo de reforma política se queria para o Brasil? A proposta não deu certo e agora a montanha está parindo um rato com a minirreforma eleitoral”, completou. “A proposta de reforma política (da presidenta Dilma Rousseff) foi um blefe. Dos cinco pactos, só o da saúde avançou, com o Mais Médicos. Ainda assim é uma medida polêmica que não mexe na essência do sistema de saúde.”
Para Nogueira, o combustível para boa parte das manifestações foi o desencontro de expectativas da sociedade em relação às formas de ascensão social e não uma onda de conscientização. “O cara endividado que não consegue pagar é uma bomba de efeito retardado. As pessoas foram convidadas a consumir, se endividaram, muitos não conseguiram pagar ou começaram a refletir que estavam pagando com sacrifício grande e que isso não batia com o que estava acontecendo no país.” Segundo ele, “ao mesmo tempo em que as pessoas consumiam, os governos gastavam rios de dinheiro viabilizando obras, Copa e tudo.” Outro fio condutor dos movimentos citado por ele foi a tecnologia da inovação, algo que, segundo ele, os políticos não têm conseguido acompanhar. “A sociedade se digitalizou. Há novos modelos de ver as coisas, novas linguagens, novas expectativas.” Ele critica, no entanto, a forma como é feito o debate por esses meios. “Nas redes sociais, não há debate democrático. No país, o debate é movido ao ódio, mais do que pelo bom senso ou pela paixão cívica. Quando um fala, o outro tem sempre que contestar. Há pouco espaço para a reflexão. Nos movemos pela indignação, e possibilitamos a manipulação da nossa indignação para outros fins.”
Nogueira criticou também o que chama de “diluição e descientificização da esquerda” que, segundo ele, se acovardaram durante os protestos.
“Os partidos de esquerda, que levantam bandeiras, estão encolhidos no Brasil há um certo tempo. Nem sequer o PT desfralda tantas bandeiras como fazia antes. Hoje a marca do PT é muito mais a marca do governo do que a do partido. E no que diz respeito à ideologia, à mentalidade de esquerda, há também uma perda por falta de clareza do que vem a ser esquerda. Perdeu-se um pouco o eixo, especialmente em relação aos jovens. A dicotomia direita x esquerda continua viva, mas está precisando de uma reciclagem.”
O professor disse não observar um caráter “conservador” dos protestos, mas demandas “progressistas, até libertárias” em meio às manifestações. “O conservador aderiria a uma agenda de conservação, não de mudança, em defesa de instituições como a família e a igreja, e seria extremamente individualista. A moçada de junho não é conservadora nesse sentido. São um pouco individualistas, voluntariosos e libertários. Podem ser imperfeitos do ponto de vista da compreensão, não têm muita clareza dos limites.”
Para ele, existem hoje três “bombas” com potencial de explosão para novos protestos: as eleições de 2014, os gastos da Copa do Mundo e o novo julgamento do “mensalão”. “Deve haver mais manifestações populares, não iguais a junho. Existem as agendas permanentes. E tem uma outra moçada que negocia o ir às ruas, vai para as ruas sob certas circunstâncias. E aí há um leque muito grande. Hoje é muito difícil prever o que vai acontecer ou não.”
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